quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Rosângela Bittar - O PT no cheque especial

• Lula está interferindo sem constrangimento

– Valor Econômico

O advogado e ex-deputado Luiz Eduardo Greenhalgh, fundador e integrante do PT histórico, cunhou uma frase ao fim da apuração das eleições resgatada ontem por líderes do partido para explicar a impaciência do PT e de Lula com a demora das mudanças no governo com as quais já concordou Dilma e só ontem começaram a engatinhar. "O PT entrou no cheque especial", disse ele, na comemoração do resultado. O partido estava mesmo sem crédito, ganhou algum no final, a vitória foi apertada, num alerta claro do eleitorado: o PT já estava, sem trocadilho, no vermelho. Portanto, a cobertura teria que ser feita rapidamente, numa prova de que governo e partido entenderam o recado das urnas.

Mas os sinais teriam que ser concretos, efetivos. E onde eles estão sendo emitidos, em um ou outro ponto da órbita presidencial, são ainda retóricos, segundo registros de avaliação na cúpula petista. Por isso a firme intervenção de Lula, nas indicações de nomes para o ministério e de políticas a serem abrigadas no plano do segundo mandato, e a pressa do PT em reunir sua executiva para exigir pressa nas mudanças.

O Brasil, no cenário que se descortina dos gabinetes petistas, se dividiu em duas propostas. A oposição se organizou, deu um salto de qualidade, sistematizou as críticas ao governo e ao PT, conseguiu minar a hegemonia do partido e superar receios de remar contra a maré da popularidade e do carisma de Lula.

Dilma foi porta-voz da proposta petista, em que preponderou, no momento da campanha e agora, na retomada, uma visão diferente da sua. A começar pela economia, que o PT, e o ex-presidente Lula, acreditam não dar mais para sustentar como está. Nessa questão, as mudanças precisam ser radicais, visíveis e rápidas.

No partido condenam-se com veemência declarações do ministro Guido Mantega, em plena disputa, que atribuiu à votação obtida por Dilma uma aprovação em massa à política econômica que executa. A mensagem do eleitor foi o contrário e Dilma precisa compreendê-la, diz o PT nas discussões de avaliação. Houve desaprovação tanto ao governo como ao seu método de governar.

No PT, a urgência da mudança é traduzida na frase: "Nada pode esperar 31 de dezembro". Assim, a nomeação do novo ministro da Fazenda que, se for mesmo Henrique Meirelles, nome que vem se consolidando como indicado de Lula já aceitável para Dilma, teria que anunciar logo, até para mostrar a real decisão de fazer as mudanças. Pede-se pressa também na transformação do modo de operar o governo. Além de superar a característica ríspida das relações, a mudança no trato com a corrupção não poderia esperar 31 de dezembro.

Não adianta mais dizer que mandou apurar ou que a reforma política resolve tudo. Dilma não poderia, por exemplo, esperar para mexer na Petrobras. Urge impor ordem na casa, o que implica nomear novos presidente e diretores, e fazer uma limpeza nos escalões abaixo. Muitos no PT defendem que se dê a presidência da estatal a um político e não a um técnico. Em lugar de Graça Foster, Jaques Wagner, que, respaldado por vitória eleitoral, teria força para renovar a empresa.

Além de providenciar logo as mudanças, a presidente teria que partir firme para a segunda parte da equação, o diálogo com que acenou no discurso da vitória. Mas tanto a mudança quanto o diálogo teriam que ser de verdade. Não se veem passos concretos em nenhuma das duas direções. Ao contrário, as notícias que o silêncio presidencial estimulam são de não diálogo, não mudança, de marcha batida rumo ao desequilíbrio entre os poderes com o domínio absoluto do Supremo Tribunal Federal, captura do Congresso com manipulação de fusões e criações de novos partidos, além de interferência direta na escolha do comando da Câmara e do Senado.

O governo velho em vigor não se move, os ministros têm autoridade de menos e medo demais, apenas um empresário - anotou-se no PT - o da CSN, Benjamin Steinbruch, manifestou confiança de que o segundo mandato será melhor que o primeiro. O resto se calou à espera da dura realidade.

A presidente estaria ainda paralisada numa encruzilhada de três pontas: ficar independente do PT e de Lula, colar no PT e em Lula, disputar suas ideias dentro do PT na liderança inédita de um grupo que poderia ser o Mensagem, de Tarso Genro e José Eduardo Cardozo, por exemplo. A cada momento dá sinal de que tomará uma direção diferente.

Chegou ao partido a avaliação de que a presidente atribui a Lula a virada em Pernambuco, a conquista do Rio e os 3,5 milhões de votos a mais em São Paulo entre o primeiro e segundo turnos. Assim, seria normal esperar retribuição e parceria total. Mas também já se registrou comentário da presidente que sua vitória se deve à gestão no primeiro mandato e que ganhou a reeleição para fazer o seu projeto sem restrições. Um pé lá, outro cá.

Na ausência de concretude, o PT fez reunião da executiva, anteontem, apelando a que venham logo as mudanças, pelo menos na economia. E ontem, depois de um dia inteiro de especulações sobre reuniões entre Dilma e governadores para articular partido de "esquerda" a partir do Pros de Cid Gomes com o PDT de Carlos Lupi; de Dilma com novos futuros ministros sob a coordenação de Aloizio Mercadante, surgiu a informação que o partido esperava, de que o ex-presidente Lula instalara-se na Granja do Torto, residência de verão da presidente, para reunir-se com Dilma. A presidente para lá seguira, de helicóptero, sob chuva, para formar equipe e antecipar as mudanças. A reunião durava mais de três horas no fechamento desta edição e Lula poderia hospedar-se na casa presidencial. O PT respirou.

A presidente Dilma está sendo aconselhada a começar o controle da mídia por atos que não dependam de aprovação do Congresso, de mudanças constitucionais ou de ações discricionárias que provoquem corrida à Justiça. Como os colegas Cristina Kirchner e Fernando Collor, Dilma pode começar pela restrição da publicidade do governo na mídia impressa e o aumento da vigilância da Receita Federal sobre determinados órgãos. Cristina Kirchner não só não anuncia na mídia como pressiona os anunciantes privados a asfixiarem a imprensa retirando-lhe a publicidade.

O deputado petista do grupo Mensagem, Paulo Teixeira, advogado, eleito com boa votação em São Paulo, é o mais novo cotado para o Ministério da Justiça no governo Dilma.

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