domingo, 30 de novembro de 2014

Vinicius Torres Freire -O que o povo vai achar disso?

• "Ajuste", menos emprego e consumo, inflação e Petrolão seriam conjunção inédita em dez anos

Folha de S. Paulo

Ao fim deste ano, os brasileiros estarão em média mais pobres. A renda nacional, o PIB, terá crescido menos que a população. A renda, o PIB per capita, vai cair. Havia acontecido em 2009, ano de colapso mundial. Antes, no 2001 de apagão e outras crises. Além disso, em 2014 o consumo das famílias terá crescido no ritmo mais lento em uma década.

2015 vai ser meio assim, e mais. O povo terá de engolir um tanto mais de inflação e a primeira alta notável do desemprego desde 2003. Enquanto mastiga essa gororoba, deve assistir à estreia do "reality" do Petrolão dos políticos, entre outras indignidades de um Congresso em rebuliço.

Seria uma conjunção inédita de más notícias em mais de uma década. Não faltará quem queira superfaturar o clima econômico ruim, a barafunda político-criminal e o fato de tudo isso ocorrer enquanto Dilma Rousseff troca a roupa de sua política econômica em público, estreando o modelo que durante a campanha eleitoral prometera deixar no armário: o "ajuste duro".

A queda da renda per capita pode não parecer impressionante. O PIB é uma abstração. De ano para outro, pode não dizer grande coisa sobre a "economia da vida cotidiana", a sensação térmica do povo. O declínio do consumo das famílias, no entanto, vai dando concretude triste a estes anos de estagflação moderada. Pior ainda será o efeito de um aumento de desemprego.

A tendência da taxa de desemprego em geral foi de baixa desde 2003, com pequenos e breves repiques em 2006 e 2009, que, no entanto, ocorreram em outro ambiente, de melhora contínua da vida. Não vai ser o caso em 2015, embora não se preveja crise como as vividas até 2003. Ainda assim.

Há um risco razoável de inflação na casa de 7% ou mais. Meio ponto extra de inflação talvez não seja muito notável no dia a dia, em particular se não se trata de carestia da comida. Mas estão na fila reajustes chatos como os de ônibus, trem, água, luz, gasolina, para nem mencionar que virá alguma alta de imposto. Haverá o aumento de IPTU em São Paulo, onde o clima não está bom faz tempo, vide junho de 2013 e os votos na oposição a Dilma.

As "Bolsas" sociais vão crescer menos. Os juros de curto prazo e os dos crediários serão maiores. Mesmo o dólar, que se mudou de vez para patamar mais alto, vai contribuir para a sensação de empobrecimento, que pelo menos no curto prazo será em parte decorrência disso que o Banco Central chama de "realinhamento de preços relativos". Isto é, bens manufaturados tendem a ficar algo mais caros, haverá menos emprego e salário nos serviços, tarifas públicas serão reajustadas com mais rapidez.

Enfim, recorde-se que as expectativas de melhoria socioeconômica têm estado elevadas desde o final da década passada. Há uma geração de pessoas que se tornou adulta nesse ambiente mais esperançoso. Mesmo que o caldo não entorne demais, a panela meio cheia vai parecer mais vazia.

Essa conjunção de problemas não é fatal, destino, tumulto inevitável. A reestreia de Dilma pode inspirar confiança; pode haver melhora do humor econômico da elite e da "velha" classe média. O governo pode saber conversar politicamente com a população. Mas vai ser tenso.

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