domingo, 28 de dezembro de 2014

Ferreira Gullar - Perguntas sem resposta

• O universo sempre existiu? Alguém o criou? Ninguém o criou? Quem poderia criar uma coisa tão gigantesca?

- Folha de S. Paulo / Ilustrada

Se há uma mania desagradável que tenho é a de pensar sobre o Universo. Não adianta nada, não há uma resposta que me satisfaça, mas, numa hora qualquer, lá vêm as perguntas inevitáveis: O Universo sempre existiu? Alguém o criou? Ninguém o criou?

Respondo a mim mesmo que não sei, mas as perguntas continuam. Então sou obrigado a responder e respondo: Se o Universo foi criado teria de haver existido, antes dele, alguém que o criasse, logo já havia esse alguém. Mas quem poderia criar uma coisa tão gigantesca que nem se sabe onde termina?

Claro, ninguém o criou, digo a mim mesmo, e tento pensar numa coisa mais agradável, menos perturbadora. Tento e não consigo.

O Universo não pode ter sido criado porque isso implicaria em haver um ser ou maior do que ele ou mais poderoso. Nada disso é possível, mas, ainda que o fosse, não dá para acreditar que houve um tempo em que o Universo não existia.

Já imaginou? Se houve um tempo em que ele não existia, tudo o que havia era nada. Você pode imaginar um tempo sem nada? Não existiria nem o espaço vazio, porque seria existir algo, ou seja, nada de nada. Não dá para pensar isso.

A conclusão inevitável é que o Universo sempre existiu. Por isso, não creio que o Big Bang tenha sido o início de tudo que aí está. O Big Bang seria a explosão inicial que deu origem a tudo, mas, se ocorreu mesmo tal explosão, havia, antes, alguma coisa que explodiu. Nada não explode, certo?

Logo, a conclusão lógica é que o Universo não começou ali nem em momento algum: não começou.

Segundo a teoria do Big Bang, essa explosão inicial prossegue, e o Universo continua se expandindo impulsionado pela detonação inicial, ocorrida há bilhões de anos.

Por isso mesmo, como faz tanto tempo que isso ocorreu, a expansão do Universo estaria começando a se reduzir, em consequência de que, depois de algum tempo, ele teria encolhido tanto, até voltar ao estado inicial, ou seja, ficar do tamanho de uma bola de tênis.

Confesso que sempre achei isso estranho, lógico demais em meio a tanto disparate. Pois bem, descobriram, faz pouco tempo, que, em vez de diminuir, o Universo estaria se expandindo, crescendo cada vez mais.

A questão que se coloca, então, é a seguinte: Se o Universo é tudo o que existe --o que chamo de o dentro sem fora-- como pode se expandir? Se há espaço para crescer, então ele não é tudo?

A única hipótese seria que ele criasse o espaço de que precisa. É difícil entender, e, por isso mesmo, há quem acredite na existência de outro universo, um antiuniverso, onde tudo seria o contrário deste nosso. E, veja, como se um só já não bastasse.

Abro o jornal que tenho nas mãos e começo a lê-lo para parar de pensar nesses enigmas e me deparo, por azar, com uma notícia sobre o satélite lançado pelos norte-americanos com destino a Marte. Bastou isso para que voltasse eu ao assunto de que tentava me livrar. Embora Marte esteja bem ali, o foguete levaria meses para chegar a ele.

De qualquer modo, o Sistema Solar é insignificante e o Sol está pertinho da Terra, se pensarmos nas galáxias que estão a bilhões de anos-luz de distância.

Li, certa vez, que pretendiam construir uma nave capaz de se deslocar na velocidade da luz, isto é, a 300 mil quilômetros por segundo, para alcançar outras galáxias. Mera fantasia, claro, porque tudo o que se desloca na velocidade da luz vira luz, ou seja, se desintegra.

Logo, mesmo que pretendêssemos apenas chegar a Sirius, que fica a 20 anos-luz de distância da Terra, voando não digo a 300 mil quilômetro por segundo mas por minuto, levaríamos décadas para chegarmos lá, isto é, seria preciso várias gerações de tripulantes para completar a viagem. A conclusão inevitável é que o Universo está aí apenas para que o contemplemos de longe, e põe longe nisso.

A essa altura, o táxi chegou ao Aterro do Flamengo e pude ver a baía de Guanabara com suas montanhas banhadas de sol. Respirei aliviado ao constatar que o Universo era aquilo ali também: as águas frescas com seus barcos, o céu azul e a paisagem vesperal iluminada pelo sol de dezembro. Este é o nosso mundo, que existe para a nós, filhos da Terra, disse a mim mesmo.

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