sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

Ricardo Noblat - O tempo das CPIs barulhentas

- O Globo

Nos fim dos anos 80 do século passado, Ulysses Guimarães, o mais poderoso político da oposição, simultaneamente presidente do PMDB, da Câmara e da Assembleia Nacional Constituinte, cometeu duas frases que se tornaram famosas - a segunda mais que a primeira.

A primeira: "O bom de frequentar o Piantella é que jamais somos importunados por lobistas".

Reduto, na época, de parlamentares da oposição, o restaurante Piantella funciona até hoje em Brasília. A frase de Ulysses já não se aplica a ele. De resto, lobistas ocupam todos os espaços públicos de primeira linha da cidade.

A segunda: "Cheguei ao Congresso em 1951. Aprendi que o Parlamento de hoje é pior que o de ontem, embora melhor que o de amanhã".

Em tese, o exercício da boa política seria capaz de sobreviver à ocupação pelos lobistas dos mais disputados lugares de Brasília. À degradação do Congresso, certamente que não.

Ulysses viu com antecedência o lento, gradual, mas inexorável processo de aviltamento do exercício da política entre nós. E esse é um dos motivos pelos quais as CPIs estão condenadas cada vez mais a se tornar um fiasco.

Diz a lenda que CPI, no passado, costumava resultar em punições - quase sempre cassação de mandatos e de direitos políticos. E que isso já não ocorre. É verdade. Mas nem tanto.

Duas barulhentas CPIs contribuíram para a construção da lenda: a do Collor, de 1992, e a do Orçamento, de 1993. Presidente eleito em 1989, Collor foi acusado por seu irmão Pedro de roubar e de deixar roubar. Acabou cassado.

A CPI do Orçamento pediu a cassação de 18 parlamentares acusados de se beneficiar de esquema de propina que desviou R$ 100 milhões. Empreiteiras faziam parte do esquema. Dos 18, apenas 6 foram cassados. E 4 renunciaram.

As CPIs perderam fôlego desde então. A que em 2006 apurou roubalheira no Ministério da Saúde, a Máfia dos Sanguessugas, pediu a cassação de 72 parlamentares. Nenhum foi cassado.

No passado, os políticos cobravam propinas para financiar suas campanhas. Hoje, cobram também para enriquecer. O aparelhamento do Estado, elevado à condição de obra de arte pelo PT, serviu para que os governos montassem folgadas maiorias para sustentá-los no Congresso, evitando o aborrecimento de enfrentar CPIs.

Deputado à Constituinte de 1988, Lula disse que o Congresso reunia 300 picaretas. Pois bem: com o mensalão, e o roubo na Petrobras, Lula quase multiplicou por dois esse número.

Dilma seguiu as pegadas dele. No caso da Petrobras, orientou seus liderados no Congresso para que sabotassem os trabalhos de duas CPIs. E assim se fez. Enquanto para o público externo Dilma se dizia interessada em apurar tudo "doa a quem doer", para o interno mandava que nada se apurasse. Simples assim.

Não deve ultrapassar a casa dos 30 o número de políticos metidos com o escândalo da Petrobras. A ser assim, o teto do Congresso continuará de pé. Ao cabo, poucos serão punidos.

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