segunda-feira, 21 de abril de 2014

Opinião do dia: Merval Pereira

O PT nunca esteve em um papel tão oficialista quanto nesta eleição, dependendo mais de sua força institucional, que gera poder e dinheiro, como o principal partido de apoio ao governo.

Sua força eleitoral não tem mais aquele componente moral que já deu ao PT a liderança da mudança política. Ao contrário, hoje, depois de 12 anos de governo, representa a maior força conservadora do país, e utiliza a máquina governamental para garantir a permanência no poder. Com todo o desgaste que essa posição acarreta.

Merval Pereira, jornalista, “Estilos em confronto”, O Globo, 20 de abril de 2014

Para oposição, entrevista de Gabrielli que responsabiliza Dilma reforça CPI

João Domingos - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Em uma semana considerada decisiva para a instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Petrobrás, a oposição acredita que a entrevista do ex-presidente da estatal José Sérgio Gabrielli ao Estado reforça seus argumentos a favor de uma investigação no Congresso que apure negócios da empresa.

Na entrevista, publicada ontem, Gabrielli afirma que a presidente Dilma Rousseff não pode fugir de sua responsabilidade pela decisão da compra da refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos - operação iniciada em 2006 e concluída em 2012, após a Petrobrás perder uma batalha judicial com a empresa belga Astra Oil. A aquisição da refinaria localizada no Texas, ao custo final de US$ 1,2 bilhão, é a principal polêmica que envolve a estatal. Dilma, então ministra da Casa Civil, era a presidente do Conselho de Administração da empresa na época do negócio.

"O objetivo dela (a CPI) é exatamente determinar, sem qualquer pré-julgamento, qual é a responsabilidade de cada um nesse caso da refinaria de Pasadena e em outros episódios envolvendo a Petrobrás. A CPI não é uma demanda das oposições, como querem fazer crer alguns governistas, mas sim da sociedade brasileira", afirmou ontem ao Estado o pré-candidato do PSDB à Presidência, Aécio Neves.

No Palácio do Planalto, a entrevista de Gabrielli foi tratada com discrição. Auxiliares da presidente procuraram minimizar o impacto da fala do ex-presidente da Petrobrás. A avaliação é que se trata de uma linha de defesa adotada por Gabrielli, já que a operação de compra da refinaria de Pasadena está sob investigação da Polícia Federal, do Ministério Público e do Tribunal de Contas da União (TCU) e ele poderá ser chamado a depor.

A expectativa é que a ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal, decida amanhã se o Congresso pode instalar uma CPI restrita à estatal, como querem os oposicionistas, ou ampliada - para investigar também o cartel dos trens em São Paulo e no Distrito Federal e obras no Porto de Suape, em Pernambuco -, como desejam os governistas.

Líder do PSB na Câmara, o deputado Beto Albuquerque (RS) afirmou que, além de mostrar a necessidade de se fazer a CPI para investigar a operação de compra de Pasadena, ficou claro que Gabrielli "deu um puxão de orelhas" em Dilma.

"Quando o Gabrielli assume a responsabilidade pela compra de Pasadena, por ser o presidente da companhia, na época, ele está sendo honesto. Não tem como negar que é mesmo o responsável. E não há como negar que Dilma, então presidente do Conselho de Administração, tem responsabilidade igual", disse. "O Gabrielli botou a bola na marca do pênalti."

Já para o líder do PSDB no Senado, Aloysio Nunes Ferreira (SP), Gabrielli foi muito claro na entrevista. "Ele disse, sem rodeios: 'somos todos responsáveis'. Não adianta achar que uns vão tirar a sardinha do fogo com a mão do gato. Está muito claro que a então ministra Dilma Rousseff era responsável pela decisão da compra da refinaria. Ela era presidente do Conselho de Administração, que aprovou a compra."

Resumo. Na entrevista, Gabrielli também reforçou a afirmação de que o resumo executivo em que o conselho baseou sua decisão sobre a compra foi "omisso", mas não falho. O ex-presidente da estatal, contudo, acrescentou que isso não foi relevante para a decisão.

Dilma havia afirmado que só aprovou a compra de 50% da refinaria da Astra Oil, em 2006, porque o resumo executivo feito na época pelo então diretor da área internacional da Petrobrás Nestor Cerveró foi falho porque não continha as cláusulas Put Option - que obrigava a Petrobrás a adquirir a outra metade da refinaria em caso de desentendimento com a sócia - e Marlin - que garantia lucro mínimo ao grupo belga.

Na semana passada, Nestor Cerveró depôs na Câmara dos Deputados. Ele se defendeu, dizendo que o resumo executivo que fez não foi determinante para a compra e as cláusulas omitidas irrelevantes para a decisão do conselho.

Para o deputado José Guimarães (CE), vice-presidente nacional do PT e ex-líder do partido na Câmara, a oposição tenta fazer um "carnaval". "Isso que o Gabrielli falou não tem importância nenhuma. Está claro que a oposição fez um carnaval do tamanho do mundo com os depoimentos da Graça Foster e do Nestor Cerveró, que responderam tudo", afirmou.

Planalto evita confronto com Gabrielli para conter CPI

Já oposição quer levar ex-presidente da estatal para depor na Câmara

Dilma ‘não pode fugir à responsabilidade’ por compra de Pasadena, disse executivo; para Aécio e Campos, cresce a necessidade de investigação

Em uma tentativa de conter a crise que pode levar à criação de CPI para investigar a Petrobras, o Planalto decidiu evitar o confronto com o ex-presidente da estatal José Sergio Gabrielli, que afirmou que a presidente
Dilma “não pode fugir da responsabilidade” na compra de Pasadena. A oposição diz que a declaração reforça a necessidade de CPI e tentará levar Gabrielli para depor na Câmara. “O desencontro de versões mostra cada vez mais a necessidade de que a verdade seja dita ao povo”, disse Eduardo Campos (PSB).

Oposição quer ouvir Gabrielli

Planalto evita confronto com ex-presidente da estatal, que dividiu com Dilma ônus pela compra de Pasadena

Júnia Gama – O Globo

BRASÍLIA- Após o ex-presidente da Petrobras José Sergio Gabrielli afirmar, em entrevista ao jornal “O Estado de S. Paulo”, que a presidente Dilma Rousseff “não pode fugir da responsabilidade dela” na compra da refinaria de Pasadena, nos EUA — já que era a presidente do Conselho de Administração na época —, o Palácio do Planalto preferiu evitar o confronto e não se manifestar oficialmente, numa tentativa de conter a crise que pode levar à criação de uma CPI exclusivamente para investigar a Petrobras.

A oposição, no entanto, pretende manter o assunto aceso e tentará levar Gabrielli à Câmara dos Deputados para prestar depoimento, além de insistir na instalação da CPI, que ainda aguarda um parecer do Supremo Tribunal Federal (STF). Amanhã, representantes do partido Solidariedade vão apresentar convite ao ex-presidente da Petrobras para depor na Comissão de Fiscalização e Controle da Câmara.

Os principais adversários de Dilma nas próximas eleições, o senador Aécio Neves (PSDBMG) e o ex-governador de Pernambuco Eduardo Campos (PSB), voltaram a defender ontem investigações sobre a compra de Pasadena e uma prestação de contas do governo sobre o caso. Aécio disse que Gabrielli reforçou a necessidade de uma CPI. Campos cobrou que Dilma Rousseff “assuma suas responsabilidades” não somente sobre a Petrobras, mas em diversos setores da economia e da administração.

O Palácio do Planalto optou por não se manifestar oficialmente sobre os comentários de Gabrielli. A versão divulgada pelo governo é que as declarações são uma defesa da aquisição de Pasadena, e que Gabrielli tem o direito de defender sua gestão à frente da Petrobras. Segundo assessores, as colocações de Gabrielli não foram vistas como um ataque a Dilma e, por isso, não mereceriam uma reação do Planalto.

Para planalto, depoimentos sem contradição
O posicionamento de ontem do Planalto segue a estratégia de colocar panos quentes na crise. Desde o início da semana passada, o governo vem minimizando os desencontros nas declarações sobre o caso. Após a presidente da Petrobras, Graça Foster, e o ex diretor da empresa Nestor Cerveró irem ao Congresso e apresentarem avaliações diferentes sobre a compra de Pasadena, o governo alardeou a versão de que os depoimentos não haviam sido contraditórios no essencial: na defesa de que o negócio parecia rentável na época em que foi fechado, e que ambos disseram que Dilma não sabia das cláusulas que depois teriam tornado o negócio ruim.

Na entrevista a “O Estado de S. Paulo”, Gabrielli contestou outra declaração de Dilma ao afirmando que o resumo executivo sobre a negociação de Pasadena entregue ao conselho presidido em 2006 por ela foi “omisso”, mas não foi “falho”, como classificou a presidente. O ex-presidente da Petrobras também contestou a versão apresentada por Dilma de que, se fossem conhecidas as cláusulas “put option” (que obriga o sócio a comprar a parte do outro em caso de discordância na sociedade) e “Marlim” (que assegura ao sócio uma rentabilidade mínima), a compra não teria sido aprovada. “Isso (a omissão das cláusulas) não é relevante, a meu ver, para a decisão do conselho”, disse o ex-presidente. Gabrielli sustenta que Pasadena só se tornou um mau negócio posteriormente, devido à conjuntura internacional. Dilma alega que foi induzida a erro na compra da refinaria de Pasadena por ter recebido um parecer “técnico e juridicamente falho”.

A ordem no Palácio do Planalto é não contestar as versões de Gabrielli e do ex-diretor da área internacional da empresa Nestor Cerveró.

Já para Aécio Neves, a entrevista de Gabrielli tornou ainda mais necessária uma CPI, para que se descubra qual a responsabilidade de cada um na compra da refinaria de Pasadena.

“A entrevista do ex-presidente da Petrobras reforça a necessidade de uma CPI. O objetivo dela é exatamente determinar, sem qualquer prejulgamento, qual é a responsabilidade de cada um nesse caso da refinaria de Pasadena e em outros episódios envolvendo a Petrobras. A CPI não é uma demanda das oposições, como querem fazer crer alguns governistas, mas, sim, da sociedade brasileira”, disse Aécio, em nota.

Eduardo Campos afirmou que “o desencontro entre as versões que vêm de dentro do governo mostra cada vez mais a necessidade de que tudo seja investigado e que a verdade seja dita ao povo brasileiro”.

“Sobre assumir as suas responsabilidades, a presidente tem que assumi-las não apenas em relação à Petrobras, mas ao setor elétrico, à inflação e ao baixo crescimento da economia, porque, em última instância, ela é responsável por tudo isso”, disse Campos, também em nota.

O líder do Solidariedade, deputado Fernando Francischini (SDD-PR), foi outro que apontou contradições nas declarações prestadas até o momento sobre Pasadena. Para ele, o governo construiu um discurso no sentido de se eximir de responsabilidades e culpar Gabrielli e Cerveró sobre a polêmica aquisição.

— Todo o discurso preparado por Dilma e Graça Foster é para se eximir de responsabilidades. A Petrobras errou demais, e a presidente Dilma, para se livrar dessa barbeiragem com o dinheiro público, empurrou a culpa para o Gabrielli, por isso ele reagiu. Gabrielli sentiu que vai sobrar para ele e para o Cerveró, porque Dilma fez um discurso político de responsabilizá-los. Vamos fazer o convite ao Gabrielli para ele vir à Câmara, porque ele já avançou e começou a revelar detalhes que não tinha falado antes — afirmou Francischini.

“Forma sorrateira de criar uma crise”
Líderes do PT, porém, saíram em defesa do governo Dilma e seguiram a linha do Palácio do Planalto de minimizar as declarações de Gabrielli. O vice- presidente nacional do partido, deputado José Guimarães (CE), afirmou que tanto Gabrielli quanto Graça estão defendendo suas gestões e disse que é preciso colocar um ponto final na crise.

— É dever dele (Gabrielli) defender sua gestão, seu período à frente da empresa. Graça Foster não tem responsabilidade sobre o passado e também está defendendo a gestão dela. Essa é uma contenda que tem que ser encerrada. Não acho que se deve gerar uma crise porque há uma divergência entre um ex-presidente da empresa (Gabrielli) e uma ex-presidente de Conselho de Administração (Dilma). Isso é uma forma sorrateira de criar uma crise.

Para mim é uma coisa resolvida: ele defende a gestão dele e a Graça Foster, a dela. Tem que encerrar isso e tocar o governo — defendeu Guimarães. O deputado Fernando Ferro (PT-PE), um dos principais articuladores da defesa do governo na audiência que ouviu Cerveró semana passada, avalia que os conselheiros têm, sim, responsabilidades
por suas decisões, mas só a partir das informações que lhes são entregues, o que não ocorreu por completo com Pasadena. Para ele, o assunto vem sendo “requentado” desde 2009 e não merece o destaque que a oposição quer dar:

— Um negócio feito de maneira inadequada traz prejuízo para qualquer empresa, mas, se houve incompetência, está muito distante de se transformar isso em um grande escândalo de corrupção, como a oposição quer fazer crer. l

Ricardo Noblat: CPI neles!

“Quem não deve não teme. E quem deve tem que ser preso e algemado”Lula

- O Globo

E continua a troca indireta de chumbo entre Dilma e Lula. Ligada a Dilma, Graça Foster, presidente da Petrobras, reconheceu que foi um mau negócio para a empresa a compra em 2006 da refinaria Pasadena, no Texas. Deixou um rombo de meio bilhão de dólares. Ligado a Lula, José Sérgio Gabrielli, ex-presidente da Petrobras, replicou que Dilma não pode “fugir de sua responsabilidade” na compra da refinaria.

Era Lula o presidente do Brasil quando Pasadena foi comprada. De princípio, apenas pela metade da refinaria, a Petrobras pagou praticamente o que o grupo belga Astra Oil havia pagado por ela inteira. Quando o negócio foi fechado, era Dilma a ministra-chefe da Casa Civil e presidente do Conselho de Administração da Petrobras.


“Não posso fugir da minha responsabilidade do mesmo jeito que a presidente Dilma não pode fugir da responsabilidade dela, que era presidente do conselho”, disse Gabrielli em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo. E completou, dando mais uma estocada em Dilma: “Nós somos responsáveis pelas nossas decisões”.

É grande o desconforto de Lula e de Dilma com a exposição pública de mazelas da Petrobras. De Lula porque foi nos oito anos de governo dele que avançou o processo de loteamento político de cargos na Petrobras – e tudo isso está vindo à luz agora. De Dilma porque o Caso Pasadena atingiu em cheio sua imagem de gestora notável.

Lula saiu do governo com 80% de aprovação. Nega que pretenda voltar já – talvez daqui a quatro anos. Está pronto, contudo, para entrar em campo se Dilma teimar em perder cada vez mais pontos nas pesquisas sobre intenção de voto. O sonho de Dilma é o de se reeleger. Lula e Fernando Henrique Cardoso se reelegeram. Por que ela, não?

Dilma como a mãe do Programa de Aceleração do Crescimento foi uma invenção de Lula. Como uma espécie de primeira-ministra foi uma invenção de Lula. E como melhor administradora do que ele foi uma invenção de Lula. Vote na mulher de Lula – eis a poderosa sugestão da propaganda que empurrou Dilma ladeira acima.

Pasadena empurra Dilma ladeira abaixo. Onde se viu transação bilionária ser tratada de maneira tão descuidada e apressada como foi a de Pasadena? Ao longo de seis anos, a Petrobras desembolsou algo como U$ 1,2 bilhão pela refinaria cujo valor atual de mercado é de U$ 200 milhões. Gestão temerária? Para dizer o mínimo. A conferir.

Vejam só: num dia, os membros do Conselho de Administração da Petrobras receberam o resumo técnico de uma página e meia da documentação completa de mais de 400 páginas referente ao negócio. No dia seguinte, aprovaram o negócio. A documentação completa esteve à disposição deles. Por que não a consultaram? Sabe-se lá...

Sabe-se que, ouvida recentemente pelo O Estado de S. Paulo, Dilma alegou que se baseara num resumo técnico “falho e incompleto” para aprovar a compra da refinaria. O que aconteceu com o autor do resumo? Foi elogiado e transferido para outro cargo onde passou a lidar com mais dinheiro. Só há pouco perdeu o cargo. Que tal?

A ministra Rosa Weber, do STF, decidirá, esta semana, se concede liminar para instalação de CPI exclusiva da Petrobras. O mais provável é que conceda, sim. CPI é direito da minoria. Uma vez que exista fato determinado e que tenham sido cumpridas as regras para criação da CPI, manda a jurisprudência do tribunal que ela seja instalada. E pronto.

Aécio Neves: Clamor

- Folha de S. Paulo /EBC

Minas se reúne hoje, nas celebrações da Inconfidência Mineira, para também homenagear a página mais importante da nossa história contemporânea: os 30 anos da Campanha das Diretas, que nos legou o resgate da democracia e o retorno ao regime pleno do Estado de Direito.

Nos últimos dez anos, a solenidade tem sido marcada pela defesa de um novo pacto federativo que signifique maior responsabilidade e solidariedade da União para com os Estados e municípios.

Como acontece todos os anos, revisitamos os valores e princípios do 21 de Abril e outros trechos de história para refletir sobre os grandes desafios do Brasil do nosso tempo, que deveriam pontuar acima dos interesses políticos, pessoais e partidários. É uma pena constatar como desapareceu o espaço para a convergência nacional, apesar de hoje não nos faltarem causas legítimas capazes de mobilizar a solidariedade política e a ação compartilhada dos brasileiros. Pelo contrário: para onde quer que se olhe, as demandas se avolumam e continua havendo quase tudo por se fazer.

É difícil saber, por exemplo, qual é a crise mais séria, a prioridade mais aguda, se na segurança ou na saúde. Ambas estão no mesmo patamar das graves emergências nacionais e têm como consequência a perda de vidas de brasileiros, seja pela omissão ou pela incapacidade do Estado de prover serviços necessários. Omissão e incapacidade que se refletem na ausência de serviços de saúde e nos 50 mil assassinatos contados por ano no país.

Mais inaceitável ainda é a desmobilização do Estado nacional para o enfrentamento de problemas tão graves e gigantescos. Eles só ganham algum destaque na agenda oficial quando a mídia torna intoleráveis os desacertos ou os escândalos, mazelas que caminham juntas no regime do compadrio e da má gestão.

Parece inacreditável que, entre 2002 e 2011, segundo fontes oficiais, o governo federal tenha perdido R$ 6,9 bilhões para a corrupção. Um dado muito menor que as projeções realizadas por outras instituições, mas que não deixa de impressionar. Na saúde foram R$ 2,3 bilhões neste período, cerca de 30% do total de recursos federais desviados.

Na segurança os números também chamam a atenção: segundo o Contas Abertas, entre 2011 e 2012, R$ 3,3 bilhões deixaram de ser investidos na área. Entre 2003 e 2012, foram R$ 7,5 bilhões. No ano passado, dos R$ 2,2 bilhões orçados, apenas cerca de 30% foram efetivamente investidos.

No 21 de abril, celebra-se, mais que uma data, a permanência de valores que inspiram uma nação. Entre eles, o respeito às liberdades e à legítima capacidade de indignação de um povo.

Impossível, no dia de hoje, não reconhecer como o clamor dos brasileiros por um país mais justo permanece atual.

Aécio Neves, senador e presidente nacional do PSDB

Campos defende mudança para reforma tributária e cortes de gastos

Valor Econômico Online

SÃO PAULO - O pré-candidato à Presidência da República Eduardo Campos (PSB) defendeu uma mudança fundamental na governança política no Brasil. Em entrevista à agência Reuters, disse que o Brasil precisa cortar gastos ruins de custeio da máquina pública e de uma reforma tributária fatiada, mas sem perder conquistas sociais ou reduzir direitos dos trabalhadores.

O ex-governador de Pernambuco de 48 anos defendeu também que a Petrobras tenha uma política clara e que seja pública para os reajustes de combustíveis, a exemplo do que ocorre com tarifas de energia e telefonia. “Nós vamos conter a inflação, vamos fazer o Brasil crescer, vamos alavancar os investimentos no Brasil, nós vamos conter o gasto ruim, nós vamos fazer o dever de casa que precisa ser feito”, disse.

“Não vamos fazer isso perdendo conquistas sociais, não vamos fazer isso sacrificando o direito dos trabalhadores. Vamos fazer isso com uma governança inteligente, passando confiança aos investidores, tendo coragem de fazer os cortes que a máquina pública precisa”, disse Campos.

De acordo com o pré-candidato, isso só será possível com a mudança na relação política, considerada por ele a barreira mais importante a ser vencida. “Agora é um novo ciclo, o padrão político brasileiro está vencido, o padrão de governança do Estado está vencido.”

“Quem falar isso para o Brasil vai encantar a vida brasileira e vai ter o apoio da sociedade para fazer mudanças", disse o pernambucano, crente de que poderá vencer o desconhecimento do eleitorado e quebrar a polarização de PT e PSDB, que governam o país há 19 anos.

Reforma política
O Brasil, segundo ele, pôde derrotar a ditadura, por isso não há por que duvidar que é possível vencer “a velha política que está em Brasília”. “Essa é a trincheira que tem que ser derrotada para abrir um novo tempo e um novo ciclo (no país)”, disse. “Para mim é muito claro o diagnóstico de que a primeira das mudanças... é uma mudança na política”, insistiu o ex-governador de Pernambuco, que numa conversa de quase uma hora evitou se comprometer com metas fiscais.

Na entrevista, Eduardo Campos disse que, se eleito, determinará que a Petrobras tenha uma política clara de reajuste para os combustíveis, semelhante ao que ocorre com outros segmentos da economia.

“O setor de energia tem uma regra, telefonia tem uma regra, a passagem de ônibus tem uma regra. Há um preço transversal na economia em questão que é o preço do combustível. Ele tem que ter uma regra. E essa regra tem que estar na equação da política macroeconômica. Não é a política macroeconômica definir a regra (de reajuste dos combustíveis) em função de sua conveniência.”

Campos também promete profissionalizar a gestão da Petrobras para blindá-la da ingerência política. A empresa vem sofrendo com problemas financeiros nos últimos anos, cujas causas seriam, entre outras, a defasagem dos preços dos combustíveis no mercado interno em relação ao valor do petróleo no exterior e um ambicioso plano de investimentos.

Reforma tributária fatiada
Na entrevista o ex-governador de Pernambuco defendeu, se eleito, uma reforma tributária que seja feita de forma fatiada. Assim ele acredita que terá condições de avançar rapidamente com as mudanças porque “já está tudo debatido”. A reforma seria fatiada para que seja possível enfrentar as resistências estabelecendo mudanças num horizonte de até 12 anos.

“Acho que simplificando (a cobrança de tributos) e tornando o sistema mais inteligente temos como reduzir a carga tributária”, afirmou, evitando se comprometer com um percentual de redução.

A carga tributária brasileira gira em torno de 37% e é apontada como um dos entraves para o crescimento da economia. Campos disse ainda que, se eleito, vai manter a lógica de conceder reajustes reais ao salário mínimo, mas pretende discutir a atual fórmula.

Pré-candidatos empatam entre quem os conhece

Nessa faixa do eleitorado, Campos tem 28%, Dilma, 26%, e Aécio alcança 24%

Recorte da pesquisa Datafolha tem alta margem de erro, pois só 17% afirmam conhecer os três candidatos

Fernando Rodrigues – Folha de S. Paulo / EBC

BRASÍLIA - Os candidatos a cargos públicos costumam repetir que agora ainda é cedo para analisar o cenário eleitoral, pois a maioria dos brasileiros ainda não está conectada à disputa de outubro e poucos eleitores conhecem neste momento todos os principais nomes na corrida pelo Palácio do Planalto.

É tudo verdade. Segundo a mais recente pesquisa Datafolha, realizada nos dias 2 e 3 deste mês, apenas 17% dos eleitores afirmam conhecer "bem" ou "um pouco" os três principais pré-candidatos a presidente: Dilma Rousseff (PT), Aécio Neves (PSDB) e Eduardo Campos (PSB).

Nesse universo, embora a margem de erro do levantamento se torne bem maior por causa do número pequeno de entrevistados, o resultado final é muito diferente daquele apurado quando é considerado o total da amostra do instituto.

No cenário testado apenas com eleitores que conhecem os três principais candidatos, Campos fica com 28%. É seguido por Dilma, com 26%. Aécio pontua 24%.

Os três estão tecnicamente empatados. É que a margem de erro sobe para cinco pontos percentuais, para mais ou para menos. No âmbito geral da pesquisa, essa margem chega a apenas dois pontos percentuais.

O diretor-geral do Datafolha, Mauro Paulino, faz um alerta: "Os eleitores que conhecem os três candidatos são os que mais acessam o noticiário, ou seja, são os mais escolarizados, de renda mais alta etc. Nada indica que o eleitor típico de Dilma, ao conhecer Aécio e Campos, deixará de votar nela".

Ou seja, a oposição não terá certeza de sucesso se garimpar apoio apenas entre os que já conhecem e votam em Dilma sem saber direito quem são Aécio e Campos.

A jazida inexplorada de votos à disposição de adversários do PT --e também aberta para a própria presidente Dilma-- está no vasto grupo de eleitores que não vota na candidata governista e ainda não conhece muito bem as opções em jogo para pensar em fazer uma mudança.

Em todos os cenários pesquisados pelo Datafolha, no levantamento completo, a petista pontua de 38% a 43% e aparece à frente dos demais candidatos. O restante dos eleitores prefere outros nomes, está indefinido ou vota em branco, nulo ou em nenhum candidato.

Ainda dentro do universo dos que dizem conhecer bem Dilma, Aécio e Campos, desaparece o amplo favoritismo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, registrado em todas as pesquisas até agora.

Quando é ele, e não Dilma, o candidato, seu percentual chega a 32%. Aécio e Campos pontuam 23% cada um.

Se Campos é substituído pela ex-ministra e ex-senadora Marina Silva como candidata do PSB a presidente, ela fica com 34% e lidera numericamente a pesquisa contra 23% de Dilma e 25% de Aécio --tudo no universo dos que dizem conhecer os três principais nomes na disputa.

Marina Silva também permanece competitiva se disputar nesse nicho eleitoral contra Lula e Aécio. Nesse cenário, a ex-senadora pontua 32%. O ex-presidente registra 29% e o tucano tem 24%.

Na semana passada, no entanto, o PSB confirmou que a chapa da legenda terá Campos como candidato e Marina na vaga de vice.

Segundo turno
Nas simulações de segundo turno feitas pelo Datafolha com esse grupo de 17% dos eleitores que conhecem Dilma, Aécio e Campos, os vitoriosos são sempre de oposição --com uma vantagem fora da margem de erro.

Numa eventual disputa entre Dilma e Aécio, a petista seria derrotada porque sua marca é de 31% contra 47% do tucano. Na hipótese de embate com Campos, o socialista registra 48% contra 31% da atual ocupante do Palácio do Planalto.

Fogo amigo de Gabrielli

Étore Medeiros - Correio Braziliense

O ex-presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli, apontou a presidente Dilma Rousseff como uma das responsáveis pelo processo de aquisição da Refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos, em 2006. À época, Dilma era presidente do Conselho de Administração da estatal. “Eu era o presidente da empresa. Não posso fugir da minha responsabilidade, do mesmo jeito que a presidente Dilma não pode fugir da responsabilidade dela, que era a presidente do conselho”, disse Gabrielli, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo.

Gabrielli reconheceu que as cláusulas put option e marlin foram omitidas, mas disse que a presença dos dois itens no contrato “não era relevante para a decisão do conselho”. Tese que se choca com a defendida pela atual dirigente da empresa, Graça Foster, e pela presidente Dilma Rousseff.

“A primeira conclusão é a de que, diante dessas fraturas expostas de opiniões, a CPI se impõe mais do que nunca. Afinal, com quem está a razão? Quem sabia ou não sabia? Quem operou o negócio? Foi correto ou não?”, questiona o senador José Agripino (DEM-RN). O ex-presidente da Petrobras “é uma figura importante como depoente”, pois “sabe o que está dizendo”, acredita o parlamentar, que defende a criação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar a estatal.

Ingenuidade
“Sinceramente, acho que tanto Gabrielli quanto a própria presidente (Dilma) entraram ingenuamente na pauta da oposição, o que favorece Aécio (Neves, pré-candidato do PSDB) e (Eduardo) Campos (pré-candidato do PSB)”, lamenta o vice-líder do PT no Senado, Aníbal Diniz (AC). Ele classifica a nota da Presidência da República como um “excesso de zelo” que acabou por trazer “à baila um assunto que não estava em pauta”.

Gabrielli classificou a atuação da oposição como uma “campanha irresponsável contra a Petrobras”, motivada por “interesses eleitoreiros combinados com alguns interesses muito mais complicados”. “Quem, hoje ataca a Petrobras também ataca o modelo de partilha (do petróleo) e o conceito de que a companhia deve ser a operadora do pré-sal”, completou.

Diniz ainda acrescenta ao discurso uma acusação contra a oposição, de que o interesse em “desmerecer” a petroleira serve “para que suas concorrentes ganhem fôlego e, depois, a Petrobras seja posta à venda com valor de mercado inferior”. José Agripino rebate. Ele classifica esse tipo de ataque como “uma velha tática do PT”: “Um diz que não sabia de nada, o outro se faz de desentendido... em vez de se aterem aos fatos, colocam a culpa em quem tem obrigação de fiscalizar e denunciar, que é a oposição”.

José Roberto de Toledo: A taxa mágica de cada um

- O Estado de S. Paulo

E se existisse uma taxa mágica, capaz de prever o futuro de uma eleição? De passagem pelo Brasil no começo de fevereiro, Clifford Young, diretor-gerente do Ipsos, um dos maiores e melhores institutos do mundo, calculou em 85% as chances de Dilma Rousseff se reeleger presidente. Faltou dizer que a previsão tinha prazo de validade - e ele estava expirando.

O que não lhe faltava era confiança, porém. Em abril de 2012, o Ipsos calculou os mesmos 85% de probabilidade de reeleição de Barack Obama nos EUA. Não foi coincidência, mas o resultado do mesmo modelo de projeção baseado em cálculos estatísticos. Como todo modelo, seu sucesso depende da base de comparação - no caso, centenas de eleições pelo mundo - e de algumas assunções.

A principal delas é que quem já está no poder e quer continuar lá tem 2,6 vezes mais chances de vitória do que um candidato apoiado por ele. Por essa assunção, a Dilma de 2014 é uma candidata com mais do que o dobro de chances de vitória do que a Dilma apadrinhada pelo então presidente Lula em 2010.

Quando Mr. Young fez sua previsão, parecia que o governo Dilma estava no limiar do paraíso: 56% de aprovação. Mas a notícia era velha, o quadro já estava mudando - e não era para melhor.

Segundo a tabela de redenção eleitoral do Ipsos, quando o governante tem de 40% a 45% de aprovação, sua chance de reeleição varia imensamente, de 54% a 81%. Pois Dilma está escorregando célere para o purgatório da opinião pública. Nas pesquisas do Ibope, a presidente caiu dos 56% de aprovação em dezembro para 53% em março e, chegou, na semana passada, a 47%.

Para Mr. Young, a presidente só precisa se preocupar se essa taxa cair abaixo de 40% - quando bate nessa marca, a chance de vitória do governante seria a mesma de ganhar no par ou ímpar. Outros cálculos, porém, mostram que o sinal vermelho no Palácio do Planalto já deveria ter acendido em março.

Por trás dos números e porcentagens está o simples desejo do eleitorado de continuar com o mesmo governante ou trocá-lo. Todas as tentativas de predição das urnas se resumem a aferir se a eleição é de continuidade ou de mudança. Se for de continuidade, dá governo; de mudança, oposição.

Contradições. No Brasil os sinais são contraditórios. Enquanto 2 a cada 3 eleitores dizem querer mudar tudo ou quase tudo no governo, a maior parte declara voto em Dilma. Até outubro, essas taxas vão necessariamente se aproximar. Mas qual vai puxar qual? A tentativa de resposta não tem a pompa de um modelo estatístico, mas se baseia na análise histórica das pesquisas do Ibope.

Melhor do que o simples "aprova ou desaprova o governo" é a pergunta que pede ao eleitor para qualificá-lo de "ótimo", "bom", "regular", "ruim" ou "péssimo". Nesse sistema há, além dos sinais positivo e negativo, uma medida de intensidade. Neste momento, por exemplo, a rejeição ao governo Dilma está quase tão intensa quanto ficou logo após os protestos de junho de 2013.

Pesquisa feita pela CEO do Ibope Inteligência, Marcia Cavallari, mostra que a conversão das taxas de "ótimo+bom" e de "regular" de um governante em intenção de voto é praticamente a mesma ao longo dos anos. Nas médias das eleições presidenciais, 84% de quem diz que o governo é ótimo ou bom e 36% de quem o chama de regular acabam declarando voto naquele presidente no 2.º turno.

Como há constantes, é possível criar cenários eleitorais de acordo com as variáveis. Traduzindo: sabendo-se o "ótimo+bom" e o "regular" de um governante dá para estimar qual sua votação no turno final. Se essas assunções estiverem corretas, Dilma precisa melhorar. A presidente necessitaria de ao menos 38% de "ótimo+bom" e de 34% de "regular" para se reeleger, raspando.

Em qual taxa mágica acreditar? Na tranquilizadora, que mostra Dilma ainda na zona de conforto eleitoral, ou na preocupante? Depende do viés de cada um.

Luiz Carlos Azedo: Medeia

Dilma tem ganas de poder. Pretende se reeleger e trabalha para isso. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva sabe disso. Não pode correr o risco de encarnar o papel de Jasão e reeditar a mítica tragédia grega

- Correio Braziliense

A história de Medeia é um clássico da mitologia grega, consagrado na tragédia de Eurípedes, cuja primeira encenação ocorreu em 431 a.C., no começo da Guerra do Peloponeso. É um retrato dramático das forças antagônicas que governam a alma humana. Medeia, a personagem principal, luta com todas as forças e todas as armas contra adversidades da sua vida. Na obra de Eurípedes, Jasão e Medeia, como refugiados, vivem em Corinto com seus dois filhos. O rei Creonte convence Jasão a abandoná-la e se casar com sua filha; para tanto, expulsa Medeia e os dois filhos da cidade. Egeu, rei de Atenas, concede asilo a Medeia, mas a feiticeira decide se vingar de Jasão. Primeiro, através de um ardil, mata Creonte e a filha dele; a seguir, mata os próprios filhos e foge num carro alado, cedido pelo deus Hélio, seu avô.

O mito de Medeia apresenta o retrato psicológico de uma mulher simultaneamente tomada pelo amor e pelo ódio. Ela é a esposa abandonada, a estrangeira perseguida. Rebela-se contra o mundo que a rodeia e rejeita o conformismo tradicional. Tomada de fúria, assume a vingança como objetivo e exerce seu poder de persuasão, usa as palavras como armas terríveis. Uma das figuras femininas mais impressionantes da dramaturgia universal, Medeia narra o drama da mulher que deixa tudo — sua pátria, sua família e seus sonhos — para seguir ao lado de um grande amor. Foi capaz de qualquer atitude para atender os caprichos de Jasão, mas acaba abandonada.

Medeia de Eurípedes foi filmada pelo italiano Pier Paolo Pasolini e pelo dinamarquês Lars Von Trier. Inspira a feiticeira de Capitão Marvel, história em quadrinhos do genial roteirista Bill Parker e do desenhista CC Becker. Também é Joana, a personagem central do musical A gota d’água, de Chico Buarque e Paulo Pontes, escrita em 1975, a partir de um roteiro de Oduvaldo Viana Filho, que adaptara a peça para a televisão. Na obra, a tragédia se desenrola numa favela carioca.

Jasão
O mito de Medeia tem tudo a ver com os riscos do “Volta, Lula!”. A possibilidade de o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva substituir Dilma Rousseff como candidata do PT, a cada dia que passa, deixa de ser apenas um desejo de petistas e empresários, contrariados por terem sido excluídos da cozinha do Palácio do Planalto, para se tornar uma possibilidade real, diante da má avaliação do governo e da gradativa queda da presidente nas pesquisas. Cada vez que Lula intensifica sua agenda para fortalecer os petistas nos estados e mete a colher na campanha de reeleição de Dilma, mais forte se torna o desejo de que seja ele o candidato por parte de aliados e eleitores.

Dilma, porém, tem ganas de poder. Pretende mesmo se reeleger e trabalha intensamente para isso. Lula sabe disso. Não pode correr o risco de encarnar o papel de Jasão e reeditar a mítica tragédia grega, com Dilma no papel de Medeia, a mulher abandonada, disposta a se vingar da traição. É inimaginável uma disputa eleitoral com Lula candidato e Dilma contrariada na Presidência, com a caneta cheia de tinta e a alma tomada pela frustração e pelo ódio. As contradições que isso despertaria, entretanto, podem ser avaliadas a partir de episódios, como a compra da Refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos, pela Petrobras, que opõem Dilma e a presidente da Petrobras, Maria das Graças Foster, de um lado, e Lula e o ex-presidente da empresa Sérgio Gabrielli, de outro; ou o caso de Rosemary Névoas Noronha, ex-chefe de gabinete da Presidência em São Paulo e assessora de confiança de Lula, defenestrada por Dilma logo no começo de seu mandato.

Têm razão, pois, os que trabalham para manter a candidatura de Dilma colada à imagem de Lula, na esperança de que essa unidade mantenha o favoritismo da presidente da República nas eleições deste ano. Por causa do desempenho do governo, é cada vez maior a possibilidade de a disputa contra o senador Aécio Neves (PSDB-MG) e o ex-governador de Pernambuco Eduardo Campos (PSB-PE) ir para o segundo turno. É aí que o “Volta, Lula!” pode despertar as forças poderosas do Monte Olimpo, mas só há uma hipótese de remover Dilma da disputa pela reeleição com sucesso — se ela própria matar sua candidatura.

Planalto perde apoio na base

Sob a pressão das denúncias envolvendo a Petrobras e da queda nas pesquisas, Dilma vê diluir no Congresso o suporte dos aliados

Denise Rothenburg - Correio Braziliense

A oposição chega do feriado prolongado amanhã disposta a aumentar a pressão pela instalação da CPI da Petrobras. E o cenário para buscar a investigação está como o de um dia de sol para uma piscina: queda na avaliação da presidente Dilma Rousseff, população clamando por alguma mudança — o que, por si só, traz embutida uma tendência de eleição em dois turnos — e, acima de tudo isso, as suspeitas cada vez mais volumosas de negócios escusos do governo na área do petróleo. Diante desse quadro desfavorável, a própria base aliada vai se afastando. Em conversas reservadas no feriadão, seus integrantes fizeram chegar ao Planalto que a CPI virá. Só não se sabe se ampliada ou focada apenas na Petrobras. Essa decisão estará a cargo da ministra do Supremo Tribunal Federal, Rosa Weber.

Os governistas concluíram por esses dias que a carga sobre a estatal não vai parar nem o discurso de que a oposição pretende destruir a empresa surtiu efeito para conter a crise. Tampouco a audiência da presidente da empresa, Graça Foster, estancou a pressão pela investigação. Graça, ao dizer que a compra da Refinaria de Pasadena foi “um mau negócio”, fez um contraponto às afirmações do ex-diretor Nestor Cerveró, o defensor da operação. Ou seja, as dúvidas continuam. Para completar o desfile de ambos em comissões do Congresso, as notícias sobre mais um deputado enroscado na rede da Operação Lava-Jato — Luiz Argollo (PP), que teria recebido o doleiro Alberto Yousseff em sua casa em Brasília — deixam os congressistas em um cenário cada vez mais estreito para evitar a CPI em ano eleitoral, quando todos estarão em teste nas urnas.

Até aqui, a estratégia do governo foi no sentido de ganhar tempo, de forma a matar a CPI atropelada pelo calendário do futebol e das eleições. Até aqui, deu certo. O problema é que o assunto continua vivo, o pedido de CPI caminhou no plenário do Congresso e ainda faltam quase dois meses para a Copa da Fifa e a largada das convenções oficiais. Ou seja, há espaço para investigar e passar ao eleitor a ideia de que os congressistas, de um modo geral, estão preocupados em estancar a corrupção. Ainda que atinja um ou outro político, em geral, a maioria se considera preservada.

A avaliação dos partidos é a de que uma CPI, a esta altura do campeonato, poderia atingir o PT, o PP do falecido José Janene, a parcela do PMDB do Senado que tem indicações no setor petróleo (leia-se, o grupo do presidente da Casa, Renan Calheiros) e o governo de um modo geral. Ou seja, não atinge nem o PMDB da Câmara nem os demais partidos, hoje meio descompromissados com o Palácio do Planalto. Em conversas reservadas, os políticos têm dito que o que segura a base da presidente Dilma é a perspectiva da reeleição. No momento em que um segundo mandato para ela deixa de ser uma certeza, a maioria dos parlamentares, que não se sente partícipe do governo, vai cuidar da própria eleição, sem a menor preocupação com o que possa acontecer com Dilma ou com um ou outro parlamentar nesse processo de CPI.

Ao trabalho
Aqueles que já chegaram do feriado prolongado comentam que a ordem agora é tirar o país — e o Congresso — da sensação de marasmo. “Essa sensação é geral, dentro e fora do Parlamento. E não tem mais essa de não querer ouvir nada contra a ‘mulher do Lula’. Em 2010, quem chegasse falando mal de Dilma era rechaçado. Hoje, as pessoas param para ouvir” conta o deputado Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA), dando um sinal de que a campanha da presidente não será fácil.

Os parlamentares não querem compartilhar problemas de Dilma. Por isso, paralelamente à CPI, as lideranças pretendem pôr em votação projetos polêmicos, como os do aumento de salário dos agentes comunitários de saúde e do que define 30 horas de trabalho ao pessoal de enfermagem, propostas que o governo não deseja ver aprovadas agora. Esta semana, entretanto, o Palácio deve conseguir evitar a inclusão desses temas em plenário, até porque a Casa terá que decidir como será a eleição do novo vice-presidente, que assumirá o lugar de André Vargas (PT-PR), que renunciou ao cargo, mas não ao mandato, por causa das relações delicadas que mantinha com o doleiro Alberto Yousseff.

Marcus Pestana: A história brasileira tem as digitais de Minas

- O Tempo (MG)

As grandes transformações e a definição dos rumos da história do Brasil têm as digitais de Minas. O 21 de Abril aguça essa consciência. Foi aqui, com Tiradentes e os inconfidentes, que se moldou o sentimento libertário que sonhava com a soberania e a independência nacional. Cultivar a memória dos inconfidentes é reavivar o patriotismo e a cidadania brasileira.

De Minas partiu o grito pela liberdade contra o arbítrio do Estado Novo com o Manifesto dos Mineiros, em 1942.

Foi JK, com sua liderança e seu arrojado espírito empreendedor, que lançou as bases do Brasil
moderno, da industrialização e da interiorização do desenvolvimento. Brasília, a meta-síntese, é o símbolo da integração nacional.

Foi a habilidade política e a visão nacional de Tancredo Neves que nos permitiram superar o regime autoritário e vivenciar o mais longo e profundo período democrático da nossa história.

Foi também um mineiro, Itamar Franco, que, diante de grave crise política e econômica, marcada pelo afastamento de um presidente da República, assegurou a estabilidade institucional e o fim da inflação crônica que vitimava o Brasil.

A história do Brasil é, portanto, marcada pelos valores e pelas ações de Minas e dos mineiros.

Minas é de certa forma guardiã dos valores republicanos e democráticos. Minas, em sua múltipla face, dialoga fácil com a rica diversidade brasileira. Somos um pouco Nordeste, somos um pouco São Paulo. Temos o ambiente do agronegócio do cerrado e as fronteiras com o Rio e o Espírito Santo que nos aproximam. Talvez por isso, a consciência de nacionalidade seja maior aqui. Compreendemos melhor o Brasil.

No Brasil do século XXI, Minas está sendo chamada, mais uma vez, a erguer sua voz em defesa das profundas mudanças necessárias para assegurar o desenvolvimento sustentável acelerado e a melhoria substancial do padrão de vida da nossa gente. Não é tarefa fácil, não é uma agenda trivial.

Decifrar os gargalos que temos na matriz fiscal e tributária, na organização do mercado de trabalho e de suas relações, nas tendências demográficas e em seus impactos no sistema previdenciário, no processo de inovação e desenvolvimento científico e tecnológico, na revolução educacional ainda por fazer, na qualificação das políticas públicas de saúde e infraestrutura, no enfrentamento do desafiador mundo globalizado e dinâmico.

O Brasil está perdendo oportunidades. Ficamos prisioneiros de armadilhas ideológicas e alinhamentos equivocados.

Minas foi o berço da liberdade, da soberania nacional e da industrialização. Minas é terra de ousadia e visão de futuro. Minas é terra de sonhos, mas também de luta. Não podemos nos contentar com um cenário de crescimento baixo e inflação alta, numa economia que retoma suas raízes primário-exportadora e patina na baixa produtividade e na curta capacidade de inovação.

É 21 de Abril, dia de reavivar o histórico compromisso de Minas com o Brasil. Em Ouro Preto, ecoará a voz de Minas mais uma vez, instando o país a mudar de rumo!

Marcus Pestana é deputado Federal e presidente do PSDB de Minas Gerais

Aécio será orador em Ouro Preto

- Correio Braziliense

Orador oficial da 63ª solenidade de entrega da Medalha da Inconfidência, hoje, em Ouro Preto, o senador Aécio Neves (PSDB), pré-candidato à Presidência da República, deve fazer um discurso forte, com críticas ao governo federal e propostas para melhorar o país. Na solenidade, serão agraciadas 240 personalidades e entidades que contribuem ou contribuíram para o desenvolvimento de Minas Gerais e do país.

“Estarei em Ouro Preto tendo o privilégio de ser o orador oficial do 21 de abril pela primeira vez. Como governador, tive a oportunidade de convidar personalidades de todo o Brasil para estarem lá. É um momento também de eu dar uma palavra a partir de Minas, inspirado em Minas, para o Brasil. Eu pretendo fazer um pronunciamento que aponte alguns caminhos importantes para o resgate de alguns valores que estão em falta no Brasil”, disse Aécio. Este ano, a solenidade coincide com o aniversário dos 30 anos do movimento Diretas Já e os 25 anos da Constituição do Estado.

A Medalha da Inconfidência é entregue anualmente e tem quatro designações: Grande Colar, Grande Medalha, Medalha de Honra e Medalha da Inconfidência. Ela foi criada em 1952 pelo governador Juscelino Kubitschek para homenagear pessoas que prestaram serviços relevantes para a promoção e o desenvolvimento do estado. Antes da entrega da honraria, a partir das 18h45 será lançado o livro Liberdade, essência de Minas.

A abertura oficial tem início às 18h40, com a chegada do fogo simbólico. Depois, acontece a chegada da guarda de honra, com salva de 21 tiros e, em seguida, será a apresentação de Aécio.

Nanicos capazes de atrapalhar Dilma

Pouco representantivos nas pesquisas de intenção de votos, candidatos sem expressão nacional são uma das esperanças da oposição para levar a eleição ao segundo turno. Somados, eles podem chegar a 5%

João Valadares – Correio Braziliense

Individualmente, eles não têm nenhuma expressão eleitoral. Nas pesquisas de intenção de voto são geralmente representados por um traço ou baixíssimos índices percentuais. Juntos, podem ser responsáveis por levar a eleição presidencial ao segundo turno. Nas eleições deste ano, as chamadas candidaturas nanicas já são representadas por pelo menos oito nomes. É um dos maiores números desde o pleito de 1989, a primeira eleição direta para presidente após a redemocratização, quando 15 nanicos entre os 22 candidatos tentaram chegar ao Palácio do Planalto, a exemplo do folclórico Enéas Carneiro, falecido em 2007.

Naquele ano, a soma dos percentuais de todos eles chegou a 5,5%. De acordo com as pesquisas de intenção de voto divulgadas até o momento, os nanicos de 2014 estão no mesmo patamar. Os índices somados variam entre 4% e 5%. Os principais adversários da presidente Dilma Rousseff, o mineiro Aécio Neves (PSDB) e o ex-governador de Pernambuco Eduardo Campos (PSB), apostam no crescimento do pré-candidato do PSol, o senador Randolfe Rodrigues (AP), para chegarem ao segundo turno.

O senador mais jovem da atual legislatura, o pernambucano que mora no Amapá desde os oito anos, faz uma oposição dura ao governo da presidente Dilma Rousseff. Conhecido por seus discursos duros na tribuna do Senado, tabela com políticos ditos conservadores para atingir o seu principal alvo: o Partido dos Trabalhadores. Com atuação destacada na chamada CPI do Cachoeira, Randolfe foi um dos principais defensores da ampliação da investigação dos negócios da empreiteira Delta por todas as regiões do Brasil, o que deixaria os aliados do governo da presidente Dilma Rousseff em situação desconfortável. Fracassou.

O principal objetivo do PSol nesta eleição é tentar chegar perto do desempenho alcançado em 2006 pela candidata Heloísa Helena. Com uma coligação apoiada pelo PSTU e PCB, ela ficou na terceira colocação com 6,85 % dos votos. De acordo com a última pesquisa do Ibope, Randolfe aparece com apenas 1%. Sua campanha será voltada para os jovens e vai tentar surfar na onda das manifestações que sacudiram os país em junho do ano passado. Nas passeatas, era comum observar a presença de bandeiras do partido.

Quem lidera o grupo dos nanicos até agora é o pastor Everaldo, do Partido Social Cristão (PSC), que fazia parte da base de apoio do governo Dilma. Representante da Igreja Assembleia de Deus, chegou a aparecer em uma das pesquisas com 3% das intenções de voto logo que seu nome foi lançado. No levantamento mais recente, divulgado semana passada pelo Ibope, ficou com 2%. O partido aproveitou, no ano passado, os holofotes gerados a partir da polêmica em volta da escolha do deputado Marco Feliciano para presidir a Comissão de Direitos Humanos da Câmara para lançar a pré-candidatura. O religioso alimenta um blog onde defende a família brasileira e o que chama de valores cristãos. Luta pela redução da maioridade penal, desestatização de empresas públicas e voto facultativo.

As eleições deste ano também vão apresentar os folclóricos nanicos de sempre: Zé Maria (PSTU), Levy Fidélix (PRTB) e José Maria Eymael (PSDC). Todos ainda não conseguiram sair do traço nas pesquisas. Eymael, presidente nacional do PSDC, é mais conhecido pelo jingle do “democrata cristão” do que pela sua plataforma eleitoral. Candidato em 1998, 2006 e 2010, promete fazer diferente este ano e ser “a verdadeira alternativa de mudança para o Brasil”.

Zé Maria é o metalúrgico e ex-petista que acaba seus discursos com o chavão “contra burguês, vote 16”. Também é candidato pela quarta vez. Defende um governo com princípios radicais de esquerda. Já Levy Fidélix é o Zé Maria da direita. O bigodudo, que tentou chegar ao Palácio do Planalto nas eleições de 2010, diz que é único representante da direita brasileira. Repete que promete “endireitar” o país se vencer as eleições. O candidato esbanja otimismo. “Fazemos por merecer muito mais do que as pesquisas têm mostrado. Temos seis meses pela frente, tenho chances reais de ser eleito”, acredita.

“Militância”
A única mulher que vai enfrentar a presidente Dilma nas urnas é a ex-diretora da Agência Nacional de Aviação (Anac) e ex-procuradora do estado de São Paulo Denise Abreu. Ela foi escolhida para disputar a presidência pelo PEN, partido criado em 2012. Aos 52 anos, diz em entrevista no site da legenda porque resolveu se candidatar. “Ninguém é candidato de si mesmo. Minha pré-candidatura surgiu a partir de reuniões com o PEN em que a militância avaliando os nomes entendeu que eu estou preparada e tenho o perfil e a estatura apropriadas por causa do conhecimento jurídico para fazer o que é certo”.

O Partido Verde, que teve a ex-ministra Marina Silva como candidata nas eleições de 2010 com surpreendentes 20 milhões de votos, recorreu neste ano a um ilustre desconhecido. Trata-se do médico sanitarista Eduardo Jorge. Durante lançamento da pré-candidatura, ele divulgou o documento “Viver bem. Viver verde” com 10 pontos considerados primordiais para o desenvolvimento sustentável do Brasil. Enquanto a campanha não começa, Eduardo Jorge continua dando plantão na Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo. Vai todos os dias de bicicleta ao trabalho. Quando está chovendo, pega um ônibus.

Mauro Iasi é o nanico do PCB. Nos seus discursos, repete que há uma falsa polarização no debate eleitoral brasileiro. Para ele, os políticos e partidos protagonistas no país são burgueses e vivem de falsas divergências.

5,5% - Percentual de votos conquistados por candidatos nanicos em 2010

Os oito

Randolfe Rodrigues (PSol)
O ex-petista de 42 anos é o senador mais jovem da atual legislatura. Em 2010, foi o mais votado do Amapá com 203 mil votos. No Congresso, faz oposição à gestão da presidente Dilma Rousseff. Em 2012, teve atuação de destaque na chamada CPI do Cachoeira. No início do ano, travou uma disputa interna acirrada com a ex-deputada Luciana Genro (RS) para encabeçar a chapa do PSOL na eleição presidencial deste ano.

Pastor Everaldo (PSC)
Um dos mais populares pastores da Assembleia de Deus, teve o nome escolhido ainda no ano passado logo após a polêmica escolha do deputado Marco Feliciano para presidir a Comissão de Direitos Humanos da Câmara. Entre os nanicos, é o que aparece com melhor índice nas pesquisas de intenção de voto. Chegou a ter 3%. Conversador, o pastor de 56 anos apresenta-se como o defensor da família e dos valores cristãos.

Denise Abreu (PEN)
Ex-diretora da Agência Nacional de Aviação (Anac) e ex-procuradora do estado de São Paulo, a escolhida para disputar a presidência da República pela sigla criada em 2012 não era consenso no partido, mas conseguiu se viabilizar. Denise Abreu é uma dos três réus no processo que apura as responsabilidades do acidente com o avião da TAM em 2007.

José Maria Eymael (PSDC)
Velho conhecido das disputas presidenciais, o democrata cristão entra na disputa novamente. Candidato em 1998, 2006 e 2010 é conhecido por ter um dos jingles mais “chicletes” das campanhas eleitorais. Em 2010, Eymael obteve 89.350 votos.

Zé Maria (PSTU)
O metalúrgico, ex-petista, vai encabeçar a chapa presidencial da sigla pela quarta vez. Com o slogan “contra burguês, vote 16”, ele esperava contar com o apoio do Psol e do PCB. Não foi possível. No lançamento da candidatura, Zé Maria ressaltou que representa uma oposição à esquerda do governo petista.

Mauro Iasi (PCB)
A pré-candidatura foi lançada no ano passado. Defende posições alinhadas com o que chama de princípios da verdadeira esquerda brasileira. Iasi afirma que o debate eleitoral no Brasil é “um teatro de mau gosto em que predominam falsas divergências entre políticos e partidos burgueses”.

Levy Fidélix (PRTB)
Conhecido pelo vasto bigode, costuma repetir que é o único candidato verdadeiramente de direita das eleições. Em 2010, também tentou chegar ao Palácio do Planalto. Em seu currículo estão candidaturas ao governo de São Paulo e à prefeitura da capital paulista.

Eduardo Jorge (PV)
Enquanto a campanha presidencial não começa, o médico sanitarista continua trabalhando na Secretaria de Saúde de São Paulo, onde cumpre expediente das 8h às 17h. Vai ao trabalho de bicicleta ou de ônibus. Na eleição presidencial de 2010, a candidata do PV, Marina Silva, teve 20 milhões de votos. Eduardo Jorge sabe que este ano será bem diferente.

Murillo de Aragão: Eleições diferentes: qualquer um dos candidatos pode ganhar

- O Tempo (MG)

No início do ano passado, quando o favoritismo da presidente Dilma Rousseff (PT) nas eleições de 2014 era incontestável, comentei vários problemas potenciais que poderiam ameaçar esse posicionamento. Entre eles, a perda da qualidade do diálogo social, os desacertos na coordenação política do governo, a pouca vocação da presidente para o diálogo.

Em fevereiro de 2013, escrevi o seguinte neste jornal: “Por incrível que pareça, o imenso favoritismo de Dilma Rousseff para a campanha presidencial de 2014 se encontra em xeque”. De lá para cá, muitas das questões abordadas por mim como potencialmente problemáticas se intensificaram e se tornaram problemas reais. Outras, como a possibilidade de apagão de energia, se colocaram no cenário.

Mauro Paulino, sociólogo e diretor do Datafolha, em entrevista às “Páginas Amarelas” da revista “Veja” (edição 2.369/abril 2014), afirma que a eleição de outubro será a mais imprevisível dos últimos tempos. Ele lista a alta rejeição à classe política, o desejo de mudança dos brasileiros e a realização da Copa do Mundo como fatores que favorecem a imprevisibilidade. Diz ainda que o maior adversário de Dilma é a economia.

Pois bem, a imprevisibilidade em eleições é fator certo. Aliás, de acordo com um ditado árabe, aquele que prevê o futuro mente mesmo quando acerta. Portanto, o quadro está em aberto. Tudo pode acontecer; até mesmo as tendências de favoritismo de Dilma se confirmarem. Porém, Paulino levanta variáveis importantes que, sem dúvida, aumentam o teor de imprevisibilidade da carreira eleitoral deste ano.

Vale destacar que os aspectos apontados por ele são relevantes, mas não abarcam toda a complexidade que se apresenta para outubro. Além deles, do fato inconteste de que a economia é um grande desafio e dos fatores já mencionados por mim, como a falta de coordenação política no governo e a perda de qualidade no diálogo social, que afetam sobremaneira o desempenho da candidata governista, existem outros aspectos que agregam incerteza.

Um aspecto é o papel crescente da internet e das redes sociais nas eleições. Nas eleições presidenciais de 2010, a internet deu as caras, mas não favoreceu ninguém. Pedro Dória, em artigo no “Estadão” (31.10.2010), afirmou que nenhum dos candidatos levou vantagem no uso das redes sociais naquela época. Neste ano, porém, acredito que a internet poderá fazer a diferença.

O uso da internet e das redes sociais será, gradativamente, mais determinante nas campanhas eleitorais a partir de alguns vetores. O primeiro deles é a expansão dos smartphones. O crescimento do uso de aparelhos com recursos que incluem o acesso à internet é espantoso no Brasil. Ainda que estejamos abaixo da média mundial, que é de 48% dos telefones celulares em uso, já ultrapassamos 20% do universo de celulares no país.

O segundo fator que justifica tal certeza é que nos protestos de junho de 2013 tivemos uso intensivo do Facebook e do Twitter na mobilização dos manifestantes, fato comprovado em pesquisas realizadas no Laboratório de Estudos sobre Imagem e Cibercultura (Labic), da Universidade Federal do Espírito Santo. Ficou claro que movimentos políticos já sabem usar as redes sociais a seu favor.

Assim, considerando tanto a questão do financiamento de campanhas quanto a maior importância das redes sociais, além dos temas apontados por Mauro Paulino, vemos que as próximas eleições caminham para um cenário de grande indefinição.

Murillo de Aragão é cientista político

'Desembrulhar o pacote de 2015 não vai ser fácil', diz Belluzzo

Para o economista que já foi conselheiro do ex-presidente Lula, a política fiscal caminha num corredor estreito, mas o cenário para os investimentos é promissor

Alexa Salomão e Ricardo Grinbaum – O Estado de S. Paulo

Mesmo sendo um economista "menos crítico ao governo", como ele mesmo diz, Luiz Gonzaga Belluzzo acredita que é importante realinhar a rota do governo: "é preciso dar mais peso ao investimento do que ao consumo e elevar a meta de superávit primário", diz.

Na sua avaliação, outra tarefa prioritária é se dedicar à solução de problemas estruturais, como a indexação, que faz a inflação persistir, e o baixo crescimento. Entre as estratégias que defende está o fortalecimento da Petrobrás, que pode contribuir com a reindustrialização, e a permanência da política de campeões nacionais. "Você não pode entrar na competição global com uma carroça e concorrer com os caras que estão em carros de Fórmula 1", disse na entrevista que segue.

Como o senhor está vendo a economia?

Luiz Gonzaga Belluzzo- Eu vejo a economia brasileira eivada de contradições e, às vezes de aporias – contradições que não se resolvem. Hoje o Brasil tem dificuldade para lidar com o regime de metas e para colocar a inflação na meta. Ouço muita gente dizer: vamos fazer uma recessão e colocar a inflação na meta. Pensar isso é ótimo, mas você vai ter que enfrentar as consequências políticas.

Os economistas em geral navegam numa abstração em que o homem real e concreto não é levado em consideração – é como se dissessem, se você vai se estrepar o problema é seu. É difícil explicar alguns problemas na linguagem dos economistas. Por que coloco a inflação em primeiro lugar? Porque esse é o tema que no momento mais suscita debates, mas a questão vai além. Se você olhar ao longo do tempo fica muito claro que, desde a estabilização, a inflação está, na média, em 5,7%. É uma situação peculiar. Recentemente, isso chamou a atenção de um economista do Fundo Monetário Internacional (FMI) chamado Shaun Roache. Ele escreveu sobre essa persistência da inflação.

Falei sobre isso em um artigo na Carta Capital. Roache fez uma análise econométrica muito sofisticada para identificar essa persistência. A sua conclusão é: não há certeza se essa situação se deve ao fato de a indexação ainda sobreviver na economia ou se o problema decorre da reação do Banco Central, que, na expectativa dos agentes, é inadequada. No fundo, há um conflito entre o passado e o presente na política de metas. A política de metas não considera que as pessoas olham para o passado. Mas os agentes olham o passado – olham a indexação. Está correto olhar para frente, mas isso não permite que você elimine a indexação.

Quando a gente fala isso, as pessoas ficam nervosas porque, para muitos os agentes, os formadores de preços, olham apenas para as condições futuras – quando na verdade não é bem assim. Os salários, por exemplo, estão indexados e, por isso, permitem que qualquer choque de preço passe adiante. Eu costumo usar o exemplo do tomate. O choque de preço do tomate passa para o salário, para o transporte, para a educação. Dentro a indexação dentro da Facamp (Faculdades de Campinas, instituição da qual Belluzzo é sócio e professor).

Sofremos, por exemplo, a indexação das tarifas públicas. Falava sobre isso ontem com João Manuel (economista João Manuel Cardoso de Mello, também sócio e professor da Facamp). A segunda questão é o crescimento. Outra vez: se olharmos uma base longa, perceberemos que o Brasil vem tendo problemas para crescer. A partir dos anos 80, sofreu uma crise bastante importante que teve efeitos de longo prazo e estruturais. São 30 anos desde então. Primeiro, houve a década perdida.

Eu, infelizmente, fui para o governo depois da crise da dívida externa. A situação era incontrolável. O financiamento organizado pelo comitê dos bancos (Comitê Assessor dos Bancos, representante dos credores) e pelo do Fundo Monetário Internacional nos mantinha com a água aqui no queixo. Havia a tensão sempre presente do estrangulamento cambial, que obrigava a desvalorização do câmbio. Houve vários choques na tentativa de se conter a inflação.

A economia teve um comportamento errático e o crescimento, na média, foi muito baixo. Depois da estabilização, tivemos problemas de política fiscal, monetária e cambial. A estabilização foi feita com a âncora cambial. Se você pegar a taxa média de juros da economia, a Selic, do período verá que ela foi de 22% real ao ano. Houve momentos de grande tensão, por causa das crises. Fernando Henrique Cardoso pegou a crise mexicana, a crise asiática, a Russa – e a política econômica imaginada não era adequada para o momento porque supunha que os ganhos de competitividade viriam de uma valorização cambial que forçava os empresários a tomar providências. Isso é pelo menos duvidoso.

Nenhum país em desenvolvimento fez isso. É muito fácil dizer que o governo de Fernando Henrique foi de baixo crescimento – de 2,3%, 2,4% na média –, mas houve as crises. O governo Lula (Luiz Inácio Lula da Silva) teve a seu favor uma melhora sensível das condições internacionais por conta da China. O preço das commodities abriu espaço para que ele fizesse as políticas corretas, sociais, com distribuição de renda. Isso foi inédita no período. A exceção de alguns emergentes, o movimento foi o contrário.

O mundo aumentou a desigualdade. Não que se tenha feito aqui uma nova classe média – fico nervoso quando ouço isso. Mas foi feito um avanço social importante, que teve repercussões até na forma de crescimento da economia. Entre 2004 e 2008, 2010, a taxa de crescimento foi mais elevada. Mas houve uma espécie de deslocamento da economia brasileira em relação ao que está acontecendo na economia internacional. Não conseguimos nos aproximar, nos articular, nas chamadas cadeias globais de valor. As mudanças no mundo nesses últimos anos foram muito profundas.

É essencial entender alguns fenômenos. Uma deles foi a mudança da manufatura para a Ásia. Criou-se um cluster asiático, principalmente com a China e suas relações com países asiáticos. A China tem a liderança na produção de várias manufaturas. Ocorreu uma reconfiguração da setor manufatureiro em escala global. Você produz na China, mas as empresas que estão capturando os ganhos não estão lá. Veja o caso da Foxconn, que produz o iPad para a Apple. Ela produz um iPad por US$ 150 na Ásia, mas nos EUA ele é vendido por US$ 500.

A Apple não produz quase nada nos Estados Unidos. O Brasil ficou fora dessa reconfiguração. Não avançamos na mesma direção que a industria global – tanto do ponto de vista da organização empresarial, quanto dos setores. Até o início da crise da dívida, diria que estávamos par e passo com o resto do mundo. Até o final dos anos 60, mais ainda. Se olharmos as taxas de crescimento e a diversificação da indústria brasileira, vamos perceber que estávamos bem ali, colados no que era a última palavra em indústria. Não é mais assim.

Por que falei de inflação e depois de crescimento? Porque há uma relação entre as duas questões – e essa é uma questão que vai estar presente nos próximos anos. Vários aspectos dessa recuperação tem relação com a condução da política anti-inflacionária. Temos ai um problema. É impossível recuperar – ou pelo menos buscar alguns nichos industriais – sem uma política cambial compatível com essa reindustrialização. Eu espero que ninguém esteja lendo minha entrevista tente o suicídio. O que estamos vendo agora?

O Banco Central fazendo um esforço enorme para impedir que a inflação avance. Para isso, está admitindo uma certa valorização do câmbio. As vezes noto, com surpresa, as pessoas dizerem que é ótimo o câmbio estar se valorizando. É ótimo no curto prazo, mas no longo é muito ruim porque afeta a indústria brasileira. Muitas indústrias se transformaram em importadoras. Muitas empresas praticamente fecharam as linhas de produção. Para a empresa, nenhum problema. Ela continua ganhando dinheiro importando. Mas isso pode nos custar muito no futuro. Vamos retomar a questão do crescimento.

No segundo governo Lula, as taxas de crescimento foram maiores também porque a política econômica foi compatível e tivemos o benefício da melhoria dos termos de intercâmbio e o bom comportamento da balança comercial. O déficit em transações correntes era muito pequeno, perfeitamente financiável. Quando os agentes do mercado internacional viram o comportamento das commodities, correram para os países que eram produtores de commodities. Não só para nós. Foram também para Rússia, para Austrália. Os capitais entraram generosamente – tanto que acumulamos US$ 375 bilhões de reservas. Foi o grande benefício desse período. Nunca tivemos reservas tão elevadas, nem em proporção do PIB.

A política do salário mínimo e a política social trouxeram um contingente importante de brasileiros para o mercado de consumo. Também ai houve um fator chinês. O preço das manufaturas despencou e o câmbio facilitou a aquisição de bens duráveis. Foi possível nesse momento, incorporar uma fração importante ao mercado de consumo e ao mercado de crédito. Nesse ponto vem a história da perda de dinamismo econômico.

Houve um momento, logo depois da crise, em 2009, em que o governo tomou as medidas de restauração do crédito, a compra de carteiras, a mobilização do fundo garantidor do crédito – tudo isso porque o Brasil sofreu um contágio em 2009. O PIB caiu 0,3%, mas todo mundo, de repente, cortou os programas de investimento. Os empresários ficaram apavorados. Não se sabia a dimensão da crise. O governo foi muito feliz ao reestimular o consumo. Mas houve neste ponto, na minha opinião, um hiato, uma demora em perceber que o ciclo de consumo tem suas limitações – tanto pelo lado do crédito, quanto pelo lado da natureza do bem. A não ser famílias, como dizem os franceses, nanti (abastadas em francês), ninguém compra três carros, três geladeiras. Há também o peso da dívida sobre a renda disponível.

O nível de renda aqui das classe mais baixas é bem diferente da dos Estados Unidos ou da Espanha. Logo se atinge um limite. Houve uma demora em coordenar a transição para os investimentos, principalmente em infraestrutura. Ao mesmo tempo, ocorreu algo muito delicado de se tratar: uma crise de confiança, que teve impacto sobre a decisão de investimento dos empresários e afetou muito a disposição dos bancos em conceder crédito. No último ano, quase 100% do crédito veio de bancos públicos. Os bancos privados se retraíram um pouco.

Desde o Getúlio Vargas até o regime militar, a relação entre Estado e setor privado, por razões históricas, que não cabe tratar aqui, sempre ocorreu entre tapas e beijos. Eu lembro que ainda em pleno segundo PND (Plano Nacional de Desenvolvimento dos anos 70), escreveram o Documento dos Oito (assinado por empresários do setor de bens de capital para romper a aliança do setor e o governo). Eu ajudei a escrevê-lo. Ele trazia a ambiguidade dessa relação, que tem momentos de auge, de satisfação, e momentos de desconfiança mútua. É normal.

No momento, por diversas razões, há baixa confiança. Há uma dependência muito grande da opinião do setor financeiro. Eles tem um peso enorme. E não por acaso, porque eles vivem de confiança. Vou fazer uma reflexão. As avaliações são muito voláteis nessa área. Seria bom que os economistas relessem a Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, de Max Weber, para ver como ele desloca a crença para o crédito.

Crédito vem do latim credere, crença. A questão da confiança é importante e não é calculável. Lá na China, o Estado tem o comando da economia e autonomia para tomar decisões. Mas aqui no Brasil, o Estado não tem essa autonomia. Tem a restrição de ter de fazer o jogo de convencimento para virar as expectativas do mercado ao seu favor. Não adianta querer subir na parede contra isso porque sempre foi assim. E pesa ainda o fato de o Brasil não ter uma classe empresarial parecida com a americana e com a inglesa. Aqui você precisa lidar com o problema de uma economia que não inova, que precisa de incentivo do Estado. A construção desse espaço de confiança é importante.

Esse é um desafio para o nosso crescimento. O desafio para 2015 é esse mesmo que todo mundo fala: é preciso dar mais peso ao investimento do que ao consumo.

Os críticos dizem que o governo Dilma cometeu um erro de diagnóstico: fez uma aposta errada em mais consumo, quando deveria apostar em mais oferta e que isso levou a mais inflação e pouco crescimento.

Luiz Gonzaga Belluzzo- É bom você perguntar, porque acho essa análise um tanto simplista. Eu não sou tão crítico do governo assim, mas eu falei isso antes de muita gente. Falei porque, a despeito das minhas relações afetivas com pessoas do governo, eu não vou me comportar como se fosse um porta-voz. Eu não sou um porta-voz deles. Graças a Deus, consegui sobreviver com uma certa independência.

É correto o que está sendo dito do ponto de vista da demora do governo para perceber a mudança. Escrevi um artigo sobre isso dizendo que não era para fazer mais do mesmo. O governo deveria ter preparado os programas de investimento em infraestrutura. Demorou muito. Além disso, houve um descompasso também em relação à Petrobrás, que tem um peso importante no aumento do investimento - ela tem uma participação na formação de capital e, mais que isso, um horizonte pela frente com o pré-sal.

A política em relação à Petrobrás também prejudicou o setor de etanol. Foi um pena, um descuido. A ideia original era desenvolver ao mesmo tempo o pré-sal e as energias renováveis. O Brasil com a cana tem vantagens em relação ao milho dos Estados Unidos, no entanto, pecamos nesse ponto que faria uma enorme diferença para o País.

Vai ser preciso reestruturar o setor, criar uma nova política de estímulo porque não dá para continuar com esse preço que está ai. Enfim, houve um descompasso. Eu também fiquei preocupado ao ver a ideia de que era preciso tabelar a taxa interna de torno da economia. Eu falei, várias vezes que isso não dava. O Guido (Guido Mantega, ministro da Fazenda) chegou a ficar chateado comigo, mas depois admitiu que eu tinha razão.

Enfim, atrasou e não foi favorável à conquista da confiança dos empresários. A demora foi corrigida e as coisas começaram a andar. A Petrobrás agora também começa a se recuperar. Temos que olhar para frente. Apesar de tudo, o Brasil tem um horizonte de investimento – coisa que não ocorre em muitos países. Do ponto de vista do longo prazo, é preciso explorar nichos para a reindustrialização. O que a Petrobrás demanda, por exemplo, de equipamentos e serviços são coisas muitas sofisticadas.

Não estamos vendo, mas muitas empresas estão fazendo joint ventures para atuar no setor de petróleo e gás e também no de infraestrutura. O Brasil conta com esses dois marcos, infraestrutura e Petrobrás, e se você me perguntar o que vejo quando olho para frente, vou dizer que o Brasil tem horizonte favorável. Diferentemente de outras pessoas, não creio que a China vá desacelerar. Achei engraçado que um jornal publicou que a china tinha desacelerado de 7,5% para 7,4%. O Estado atua sobre o crescimento da China e ele não vai ficar abaixo disso.

A demanda por commodities agrícolas e minerais vai se manter. Concordo com o presidente do Centro de Estudos Internacionais da Academia de Ciências que a China é outro arranjo entre Estado e setor privado. Lá o setor privado é muito maior. Há uma articulação maior entre privados e empresas estatais. O sistema de gestão da economia é muito eficaz. Mas, apesar de tudo isso, eu acho que o pacote de 2015 não vai ser fácil de desembrulhar – você vai encontrar coisas boas e coisas ruins.

Na hora que o pacote for desembrulhado, há um primeiro problema a atacar?

Luiz Gonzaga Belluzzo- A política econômica vai ter de caminhar em um corredor muito estreito. Eu disse outro dia que a economia brasileira está metida numa camisa de 11 varas – é uma expressão velha, da minha avó, mas define. Seria muito ruim se tivéssemos uma perda do controle da inflação – até pelas razões que eu mencionei. Muito rapidamente o vício da indexação pode ser retomado porque ainda não conseguimos debelá-lo.

Também é preciso considerar que o Brasil tem problema para administrar a inflação quando boa parte do mundo ruma para a deflação. A Europa está com deflação. O Japão não conseguiu se livrar do risco. Os Estados Unidos também está numa situação de baixo crescimento, com mercado de trabalho sem dinamismo. Há uma proporção muito alta de jovens desempregados.

Os republicanos dizem que estão preocupados com a inflação nos Estados Unidos. Não sei por qual razão. Como diria Keynes (economista inglês John Maynard Keynes), só estando num hospício para não ter deflação. Se você não tem crédito, não tem estímulo, não tem mercado de trabalho, como ter inflação? Até na China o cenário é de deflação.

A tendência quando se tem sobrecapacidade é ter deflação. O Brasil está na outra ponta. Tem tendência à persistência da inflação. Isso obriga o governo a ser muito cauteloso, principalmente com o ajuste do câmbio. Eu tenho lido no jornal o comportamento da balança comercial. A economia está com baixo crescimento, mas as importações crescem. Isso tem relação com preços relativos, não com o nível de absorção doméstica. Isso quer dizer: o câmbio está fora do lugar. Isso não ajuda em nada o processo de reindustrialização – ainda que a gente tenha essa perspectiva de investimento da infraestrutura e do investimento da Petrobrás.

É claro que é possível subsidiar com políticas domésticas. Vou discutir um pouco essa questão das encomendas das Petrobrás e da compra no mercado doméstico. Eu vejo que há uma discussão muito grande dos economistas sobre isso – que a Petrobrás compra mais caro. É verdade, porém, não se pode ter duas coisas ao mesmo tempo.

Ou você tenta recuperar a indústria nacional com essa política de compras – que está correta – ou acelera os investimentos da empresa e libera a empresa de comprar no mercado doméstico, perdendo uma oportunidade para recompor uma parte do setor industrial, como o metal mecânico e o de informática, entre outros. É claro que ai há outro conflito – o do câmbio com a inflação, o da política de investimento e com a política econômica. E não adianta fazer protecionismo a antiga.

Aliás, um comentário: lendo o artigo de um rapaz em O Globo outro dia, que falava dos pudores desenvolvimentistas da Unicamp (Universidade de Campinas), eu perguntei para o João Manual: João, nós somos desenvolvimentistas? Essa é uma palavra vaga. Na verdade, nos tentamos entender como funciona o capitalismo brasileiro em suas várias etapas e momentos. Não somos desenvolvimentistas. Somos outra coisa. Para vocês saberem: o desenvolvimentismo é algo muito datado. Vem dos anos 30 e vai até os anos 70.

Os militares deram sequência ao desenvolvimentismo nos anos do milagre. A preparação foi feita por Roberto Campos (economista e ex-ministro do Planejamento). Campos era como Monsieur Jourdain (personagem central da peça "O Burguês Fidalgo", do francês Molière, que deseja se tornar aristocrata). Era um desenvolvimentista sem saber, assim como Jourdain fazia prosa sem saber. Roberto era uma figura admirável porque falava uma coisa e fazia outra. Na verdade, reestruturou todo o sistema de empresas estatais, recompôs as tarifas, na reforma feita logo depois da revolução.

A gente não pode cometer o erro de fazer esse anacronismo em relação ao desenvolvimentismo. Voltando à contradição, ao problema do câmbio com a inflação. Hoje, muitos componentes são importados. Se você mexe no câmbio, o efeito sobre os preços e sobre a inflação é instantâneo. Na veia. O Banco Central está entendendo isso. É preciso conduzir isso com muito cuidado.

Mas como se combate a inflação com esses limites? Os críticos do governo dizem que boa parte da inflação veio do aumento dos gastos públicos e de uma redução dos juros que teria sido forçada...

Luiz Gonzaga Belluzzo- Essa questão do gasto público, no fundo, tem relação com a questão da confiança. Eu não imagino que estejam falando, neste momento, que a inflação surge porque o gasto público está produzindo excesso de demanda. Acho que tem relação com o comportamento das dívidas. Pela necessidade de o governo produzir um superávit primário que garanta a estabilização da dívida – e da dívida bruta, porque a líquida, francamente, está muito baixa, pelas razões que nós conhecemos.

Quando o câmbio é desvalorizado, a dívida líquida cai por um efeito meramente contábil. Para mim, seria muito mais razoável se o governo, nesse momento, fizesse um esforço fiscal maior. Eu já disse isso: colocaria menos peso sobre a política monetária. Como eu já disse, a questão da confiança está metida no meio da economia. A despeito de toda a oposição de economistas que pensam como eu e têm certa resistência em aceitar isso, acho que é um sacrifício necessário ter um superávit fiscal maior.

Por que a resistência?

Luiz Gonzaga Belluzzo- Não vale a pena falar. Às vezes é um keynesianismo de pé quebrado. Não quero criticar meus amigos, mas, do meu ponto de vista, é crucial para o governo dar esse sinal para o mercado – vai ganhar pontos e ter mais espaços para fazer um política menos apertado. Esse ganho de confiança teria um impacto sobre a inflação. A pior solução seria manter a taxa de juros nas nuvens e elevar o câmbio para combater a inflação.

O Banco Central, acho, está sendo cauteloso para usar esses instrumentos. Seria o caminho mais adequado do meu ponto de vista. Vai ser positivo se combinar o avanço dos investimentos em infraestrutura com os da Petrobrás – que, apesar de toda essa confusão, está indo bem melhor. Ela está batendo recordes seguidos de produção. Projeta 4,2 milhões de barris para 2020. Aliás, quero fazer um parênteses: é inaceitável o que aconteceu na Petrobrás. Uma coisa dessa não pode ser.

O sr. está falando de Pasadena?

Luiz Gonzaga Belluzzo- Sim. No mínimo, para você ser gentil, houve um erro de avaliação. Não sou promotor público e não quero ser – apesar de meu pai ter tentado fazer com que eu fosse. Agora, outra coisa é dizer que a Petrobrás vai quebrar. Isso não tem pé nem cabeça.

A Petrobrás teve R$ 23 bilhões de lucros no ano passado. Tem um estoque de reservas a ser exploradas. Ela tem um problema de alavancagem, sim. Deve ter um problema de caixa, sim. Mas não vai quebrar. Mas, enfim, como eu estava dizendo, é preciso que o governo tenha esse ganho na área fiscal. Vai abrir espaço para que tenha uma política monetária menos dura. Nós já vimos esse filme. As pessoas esquecem o passado. A taxa de juros a 19% e a inflação a 5,5%. Ou não teve esse momento? Teve. O Armínio (Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central) mudou a meta da taxa de juros quando teve um choque. Ele mudou para 8%, com intervalo de 2 pontos porcentuais. Vocês não lembram disso?

Mas o senhor acha que seria o momento de fazer algo parecido?

Luiz Gonzaga Belluzzo-Não. Estou dizendo que, na verdade, as apreciações são muito diferentes

Pergunto porque algumas pessoas chegaram a falar em mudar a meta.

Luiz Gonzaga Belluzzo- Não acho que seja o caso. O próprio regime permite que o prazo para colocar a inflação na meta seja estendido. Isso está no modelo.

Mas ainda há uma inflação represada...

Luiz Gonzaga Belluzzo- Sim. Eu ia falar disso - e quanto mais você demorar para ajustar isso, vai ser pior.

Qual o tamanho do superávit necessário?

Luiz Gonzaga Belluzzo- Acho que caminhar para 3% seria mais confortável.

O senhor não está dentro do governo, mas onde seria mais fácil cortar para administrar esse superávit?

Luiz Gonzaga Belluzzo- Quem está no governo sabe que há coisas no orçamento que podem ser cortadas – só não pode cortar o investimento, que já é baixo. Se eu fosse examinar o orçamento, em detalhe, poderia suspender vários contratos. Há emendas parlamentares também que, mesmo com as dificuldades políticas, podem ser adiadas porque não são urgentes. Há espaço para fazer cortes.

Se a economia não cresce, fica mais difícil gerar o superávit. Se a economia tem recessão, você não consegue vencer a tendência ao déficit. Como dizia um bom keynesiano, o Joseph Stiglitz (economista americano, prêmio Nobel em 2001), o déficit e o superávit são endógenos: você pode determinar quanto você pode gastar, mas não pode determinar o resultado dessa decisão. Isso depende do funcionamento do resto da economia, de como ela reage. Veja o exemplo dos países europeus que estão tentando reduzir o déficit com corte de gastos.

É complicado. É difícil. A atividade cai e a receita do Estado cai junto. É endógeno. De qualquer maneira, é possível decidir onde cortar sem afetar setores cujo impacto é maior sobre a economia. É por isso que um bom keynesiano gostaria de ter um orçamento de capital aparte, separado do orçamento corrente. É o que Keynes recomendava. O orçamento de capital é o regulador da economia. Ele determina qual vai ser o fluxo de gasto que você vai sinalizar para o setor privado reagir na direção de seus próprios investimentos. O investimento é a coisa mais sensível que existe.

Qualquer desconfiança em relação a realização do que foi projetado, leva à retração. Veja o caso americano. As empresas americanas estão com trilhões no caixa e não investem porque não estão confiando que a economia vai deslanchar. Essa proposta de Keynes, que é antiga, diz que é preciso haver uma coordenação entre estados e municípios para se articularem. Aqui no Brasil, temos uma problema sério, que não mencionei, mas que inibe o crescimento.

Há um controle ex-ante do gasto do Estado, feito de uma maneira institucional, muito séria, que bloqueia a agilidade do Estado. Ao invés de fazer a ação ex post, temos o ex-ante. Fico rindo quando dizem que formaram um cartel aqui em São Paulo. O cartel já existia. Em nível internacional, já existia. Se for olhar o nível de concentração de empresas globais, vai descobrir que é brutal. O número de empresas do setor ferroviário, por exemplo, não passa de cinco, seis. Isso é um empecilho. É preciso mudar as regras, encontrar outra forma de acompanhar isso.

Hoje, quem perde pode entrar com recurso e bloquear todo o processo. Outro dia, Andrea Calabi (secretário da Fazenda do Estado de São Paulo)me contou: não consigo gastar. O problema do estado hoje é que ele não consegue gastar. A Justiça pode ir lá e bloquear. Criou-se um emaranhado burocrático no Brasil. O pessoal confunde a ação do Estado com essa burocracia que ninguém aguenta. A irracionalidade do sistema fiscal, dos impostos, obrigar as empresas a contratarem um número absurdos de funcionários.

Qualquer um pode, de repente, receber uma multa da Receita Federal sem saber de onde ela veio. Há um emaranhado burocrático enorme. A usina de Belo Monte é um exemplo. Teve tantas interrupções que já se perdeu, há tempos, quantas foram. As pessoas precisam pensar que Estado elas querem. Um Estado enxuto? Bem, com certeza, é um estado mais eficaz. É uma bobagem discutir se o Estado deve ou não intervir na economia. Essa discussão é uma bobagem.

Nem Adam Smith (filósofo e economista escocês) acredita nisso – ele era bem mais esperto do que se pensa. Ele era muito mais sofisticado do quem alguns fazem parecer. Mas, enfim, Adam Smith morreu faz tempo e escreveu a Teoria dos Sentimentos Morais sobre o setor privado. Muita gente deveria ler a Teoria dos Sentimentos Moraes de fato, é preciso reorganizar o sistema brasileiro e reduzir o peso da burocracia.

Não dúvida que se você compara a facilidade de fazer negócio na China – que é um Estado pesado, mas eficaz – e compara do com o Brasil você perceber uma diferença brutal. Não tem esses empecilhos. Algumas coisas, eles deixam soltas. Aqui no Brasil, controlam o setor externo, sobretudo o movimento de capital de curto prazo, e têm controle sobre o sistema financeiro.

A China tem isso, o máximo de competitividade, com o máximo de controle – mas controle onde interessa. Não adianta fazer controle empurrando uma coisa aqui, outra ali. Essa é uma questão que as vezes me aborre porque os liberais brasileiros falam que o Estado não pode nada, enquanto os outros acham que o Estado pode tudo – mas não pode. Ficou provado que a economia de comando fracassou e que as economias que vão melhor têm uma coordenação entre os setores público e privado.

Nós podemos falar de vários. Podemos falar da China. Podemos falar da Suécia, que vai muito bem. Podemos falar da Noruega, que é um exemplo interessantíssimo. Vocês mesmos fizeram uma matéria mostrando isso – claro que são 5 milhões de pessoas. Mas com certeza o modelo de exploração do petróleo lá deu certo.

Mas, enfim, o caso do Brasil não é que o Estado se meta muito na economia. Ele se mete de maneira inadequada. E mais do que isso, ele tem esse emaranhado burocrático. Há três coisas que preciso falar. Uma é que nós perdemos um mecanismo importante de coordenação – as empresas estatais. Nos destruímos as empresas estatais nos anos 70. Seguraram tarifa. Elas foram obrigadas a tomar financiamentos lá fora porque havia abundância de financiamento externo.

Efetivamente, perdemos coordenação, porque o investimento delas funcionavam como uma coordenação, um harmonizador das expectativas do setor privado. A segunda questão está diretamente relacionamento com o desmonte feito dentro do Estado. Por exemplo, havia o Geipot (Grupo de Estudos para a Integração da Política de Transportes).

Ao invés de termos 35 ministérios, poderíamos ter grupos executivos, com empresários e burocratas, no moldes do que foi feito pelo Juscelino (ex-presidente Juscelino Kubitschek). Era uma coisa muito mais eficiente do que a maluquice de ter 35 ministérios. A terceira coisa é resolver de maneira legal, institucional, o investimento público.

Não adianta colocar um monte de controles "ex antes" (antes). Com isso, o que vai aparecer são dificuldades feitas para se vender facilidades. Ao invés de bloquear a corrupção, você incentiva a corrupção. O que deve haver é controle "ex post" (após). Se você pegou o cara fazendo coisa errada, prende. Tem que fazer. O que não pode é usar isso como argumento para manter leis e estruturas burocráticas que só servem para impedir que o Estado faça alguma coisa. Nos últimos anos, o Brasil virou isso.

O sr. falou da função das estatais na condução da economia. Temos o exemplo de Petrobrás, que teve os preços de seus produtos represados e virou a empresa mais endividada do mundo. A Eletrobrás teve R$ 6 bilhões de prejuízo. A Infraero está numa situação difícil. Como o sr. avalia a situação das estatais no governo Dilma e o que é preciso fazer para corrigir os problemas – se que é o sr. vê algum problema?

Luiz Gonzaga Belluzzo- Essa ideia de segurar as tarifas foi aplicada nos anos 70 e deu no que deu. A Petrobrás tem um horizonte que permite que a gente entenda que essa alavancagem vai cair. Já mencionei que esse tentativa de segurar o preço teve efeito sobre o setor de etanol e setores correlatos, como os fabricantes de equipamentos para o setor de etanol, que também foi afetado. Isso não é bom. Afeta a capacidade e a velocidade do investimento da empresa – que tem um papel prioritário. Sei que tem impacto sobre a inflação. Mas lá atrás, quando era necessário subir o preço, tinha que ter sido feito. Era para absorver o impacto sobre a inflação.

Não há o melhor dos mundos. É preciso fazer escolhas. Parece que numa reunião recente, com banqueiros, alguém perguntou o que fazer. Eu vejo alguns economistas falarem – inclusive alguns que deram entrevistas para vocês – como se soubessem os caminhos das pedras. Ninguém sabe o caminho das pedras. Você avança pulando de pedra e pedra para não afogar. Algumas questões que vem lá de trás, não foram tratadas tempestivamente, o que vai acontecer? Você vai pagar pela decisão. Não tem jeito de enrolar e dizer que não está acontecendo nada.

Eu me lembro que em maio de 2013, quando discuti esse tema com algumas pessoas, eu disse: está na hora, a inflação esta retrocedendo. Você não pode ter todas as vantagens ao mesmo tempo. Mas agora vai ter de trata com cuidado esse problema da Petrobrás.

O senhor no começo falou muito do papel da Petrobrás no crescimento e agora que as estatais foram importantes para guiar os investimentos. A Petrobras tem um papel importante em um eventual novo modelo de crescimento? Qual seria esse modelo?

Luiz Gonzaga Belluzzo- Acho que a Petrobrás tem importância, mas mais ainda tem importância o pré-sal e o modelo de partilha escolhido. É pertinente e permite que se tenha controle mais adequado dos recursos. Essa fonte de recurso precisa ser tratada como um patrimônio do País porque não é renovável. Não pode – vou usar uma expressão futebolística – mandar pau nesse dinheiro. Precisa colocar no fundo soberano e usar apropriadamente, como fazem outros países, com destinação específica. O dinheiro está destinado para a educação.

A Petobrás produz hoje 1,9 milhão de barris. Logo chegará a 2 milhões. Está projetando para 2020, 4,2 milhões barris. A Petrobrás é hoje uma das 20 maiores empresas de petróleo e, certamente, será uma das maiores. Vai ficar, eu diria, tranquilamente, entre as 10 maiores. A Petrobrás em parte pertence ao governo brasileiro, mas em parte precisa dar retorno aos acionistas. Qual o benefício que ela vai gerar pelo fato de ter se mantido como estatal? É o benefício do modelo de partilha. Nessa crise da Petrobras, eu vejo gente defendendo que se retorne ao modelo de concessão.

O modelo de concessão é apropriado para achar petróleo. A Petrobrás já achou o petróleo. Quantas plataformas ela tem em operação? Nove – até onde sei. Eu posso estar enganado e ter aparecido mais uma. Mas é por ai. Agora, o importante é definir o ritmo da operação e a destinação dos recursos, porque são recursos finitos.

Não podemos nos comportar como a elite venezuelana. Durante anos, ela capturava as rendas do petróleo e ia para Miami. O resultado disso foi o Chávez (Hugo Chávez, ex-presidente falecido). Esse foi um mérito do governo Dilma. Ela montou direitinho um modelo de partilha. O resultado disso vamos ver lá na frente. Boa parte da sobrevivência do Estado de bem e dos avanços na Noruega se deve ao fato de que eles usaram corretamente da renda do petróleo. Não é difícil. Mas é preciso resistir às pressões. Além do mais, não pode segurar o preço da gasolina.

E se tratando do setor elétrico. Vai ser preciso fazer uma reestruturação? Como o sr. avalia a setor.

Luiz Gonzaga Belluzzo- O setor elétrico tem vários problemas. Não se vocês se lembram, havia um movimento dos empresários acusando as tarifas de energia serem as mais altas do mundo. De fato são – e não era para ser assim. Há um problema de coordenação no setor elétrico. Na verdade, temos uma reserva de recursos hídricos importante.

Poderíamos ter usado outras formas de geração, sobretudo quando os preços dos painéis solares estão caindo – até por força dos chineses terem adotado uma política mais ativa nesse produto. Mas acho que o problema está na forma como foram feitas as concessões e o cálculo de reajuste das tarifas. Não tem cabimento corrigir tarifa pelo IGP-M. Depois disso, o problema foi agravado por uma falta de percepção de como integrar o setor.

Tínhamos falado do modelo de crescimento. Um dos pontos centrais mencionados pelo senhor é que o câmbio – com essa limitação da inflação. Como a economia pode voltar a crescer sem o motor do câmbio e como tratar o câmbio no próximo governo?

Luiz Gonzaga Belluzzo- Essa questão do câmbio é muito difícil de ser tratada. Se produzir um deslizamento mais suave, ao longo do tempo, o efeito sobre a inflação não será grave. O problema é a desvalorização abrupta. Já falei: com a atual estrutura de fornecimento vai ser um problema.

O câmbio não suficiente para reanimar a indústria. São necessárias outras medidas, incentivos para recuperar certos elos das cadeias produtivas que foram eliminados. É preciso uma política de investimento e de "funding" (financiamento). Estou sempre pensando como fazem os asiáticos. Eu seu que esse é um exemplo complicado, mas o General Park Chunk-hee, o grande responsável pela industrialização coreana, decidiu fazer a petroquímica, os economistas dele disseram para ele não fazer. Mas ele insistiu e disse que iria dar incentivos, estímulos à industria do setor. Isso porque não faz industrialização apenas com câmbio.

É preciso ir devagar. Não se pode mais permitir um período tão longo de valorização, como foi permitido porque ai temos outra questão – temos uma moeda não conversível. Somos um País ainda em crescimento. Precisamos de uma política específica para o câmbio. Se outros países mais desenvolvidos não tem é porque as moedas deles são conversíveis. Não sofrem choques.

O senhor está defendendo o controle de capitais?

Luiz Gonzaga Belluzzo- Claro. Temos de ter o controle de capitais como outros países. Recentemente, o Fundo Monetário Internacional publicou um documento importante sobre essa questão do controle de capitais dizendo, claro, que o controle de capitais não é desejável em si mesmo, mas é preciso que se tenha a capacidade de dirigir a entrada de capitais de forma a te beneficiar. Muitos países já fizeram isso. Não é nenhuma heresia econômica. O que é inconveniente é ter momentos de euforia e depressão.

O senhor falou da necessidade de recuperar a confiança. Mas isso não provocaria o efeito inverso, na medida que controlaria a retirada de dinheiro do Brasil?

Luiz Gonzaga Belluzzo- Seria preciso fazer o controle da entrada de capitais. É evidente que o capital de curto prazo, que vem apenas fazer arbitragem, especulação com a sua moeda, não é desejável. Os chineses permitem a entrada de capital. Aliás, o crescimento chinês foi feito com a entrada maciça de capitais estrangeiros...

O sr. fala muito dos asiáticos, da China, da Coreia. O modelo deles presume os campeões nacionais e demanda muitos recursos. É possível aplicar a receita no Brasil? O senhor defende a volta dos campeões nacionais?

Luiz Gonzaga Belluzzo- Boa pergunta. Eu estava esquecendo de uma questão que você levantou. Eu tive a pachorra de ler inteirinho o World Economic Outlook Database (relatório de perspectivas econômicas globais do FMI). É muito chato, mas é bom para se informar sobre o que está ocorrendo nos gabinetes dos organismos bilaterais.

Eles publicaram o Global Financial (no original Global Financial Stability Report, relatório de análise da estabilidade financeira, também do FMI) e o World Economic. Lendo a análise, bem feita e muito mais arejada do que foi no passado, escrevi até um artigo um artigo na carta Capital sobre isso. Eles fizeram um estudo muito cuidadoso para fazer a relação entre poupança e crescimento.

Fizeram um painel com cento e tantos países, se bem me lembro, que mostra claramente que o crescimento precede a poupança. Essa é uma velha discussão: o Brasil não cresce porque tem baixa poupança? No Brasil, o mercado de capitais não consegue mobilizar esses recursos para o investimento de longo prazo. Só há uma fonte de financiamento de longo prazo, o BNDES. Até li, com satisfação, que o BNDES destinou R$ 3 bilhões para a compra e a venda papéis. Isso é muito importante, porque o Brasil não tem a tradição dos países anglo saxões de ter um "market maker" (provedor de liquidez). Você emite um debênture ou mesmo uma ação e precisa de liquidez para mobilizar o mercado de capitais.

Espero que não achem que isso seja uma intervenção do governo na economia, que vejam como uma atitude benéfica. Mas o que mostra o estudo é que esses países aceleraram o crescimento usando o sistema de crédito, alavancando. A China está com 250% do PIB de endividamento total, principalmente das empresas e do governo, porque o das famílias é baixo. Em todas os países asiáticos houve alta alavancagem das empresas. Mas havia um sistema de absorção dos choques, de modo que as empresas não sofressem, com taxa de juros baixas e controle de capitais.

O Banco do Japão, o banco central japonês, funcionava com um provedor de liquidez para os bancos ligados às empresas. Até um tempo atrás, o Japão não tinha uma mercado de capitais desenvolvido. Eram sistema bancário que fazia o crédito. Enfim, em todos os asiáticos as empresas eram muito alavancadas, porque o crédito vem na frente da poupança.

O capitalismo tem dessas maravilhas. Inventou o sistema bancário que empresta um múltiplo de seus depósitos. Esses múltiplos poderiam ser infinitos se não fossem as medidas prudenciais. A Ásia tem taxa de poupança alta, tem, mas ela é "ex post". Para aumentar a poupança, é preciso crescimento. Você não pode aumentar a poupança sem que a renda cresça. Para que você tenha renda, alguém precisa estar gastando. Esse é o paradoxo.

Voltando ao BNDES. Ele acabou se tonando o grande agente financiador brasileiro de longo prazo. No fim, o BNDES não acaba inibindo a expansão do mercado? Vou dar um exemplo: nas concessões, o BNDES entrou para suprir 70% do crédito. Mas esse não teria sido um momento para tentar alternativas de financiamento que pudessem fomentar e ampliar o mercado?

Luiz Gonzaga Belluzzo- Mas os bancos privados dão empréstimos de longo prazo de quanto? Cinco anos? A concessão é de 30 anos. Precisamos de crédito de mais longo do que isso. Eu não entendo como o BNDES pode inibir o setor privado.

O argumento é que o BNDES recebe recursos do Tesouro e o BNDES consegue oferecer uma taxa de juros menor.

Luiz Gonzaga Belluzzo- É a taxa de juros do setor privado que não consegue atrair os empresários. É um contra senso. Quando o Tesouro coloca dinheiro no BNDES e o BNDES empresa para a empresta, no fundo está criando um ativo rentável lá na frente – esperamos. É como dar injeção na veia. É assim que o Banco de Desenvolvimento da China faz. Você falou dos vencedores.

O Banco de Desenvolvimento da China, muitas vezes, só começa a cobrar o empréstimos quando a empresa já está operando. Tirando os Estados Unidos e a Inglaterra, quase todos os emergentes asiáticos usaram essa estratégia - subsidiaram. Eu não vejo problema. Ao contrário: acho que o BNDES pode servir como um estímulo para os bancos.

Qual é o problema dos bancos? Não é só um risco de crédito. É um risco de liquidez também. Porque o banco, quando empresta, individualmente, fica menos líquido, fica atrelado àquele negócio. Dar liquidez permite que ele securitize, saia e venda no mercado. É isso que o BNDES vai fazer agora.

Todos os países asiáticos e sistemas financeiros fizeram coisas parecidas. Na verdade, nos períodos mais agudos da industrialização, eles não tinham mercado de capitais. Tinham bancos. O desenvolvimento da Alemanha também foi assim no século 19. Os bancos se juntando às empresas. Nos Estados Unidos foi diferente, porque, desde logo, tinha uma relação com a praça de Londres. E, desde logo, tinham mercado de capitais. Desenvolveram o mercado de capitais com os bancos de investimento.

O Luciano Coutinho (presidente do BNDES) deu uma entrevista para o Estado anunciando que havia desistido da política de campeões nacionais. O sr. acha que deveria ser retomada?

Luiz Gonzaga Belluzzo- Acho que nós temos problemas sérios de reestruturação da indústria brasileira. Não conversei com o Luciano. Faz tempo que eu não converso com ele. Você não pode entrar na competição global hoje com uma carroça e os caras concorrendo com um carro de Fórmula 1.

Como se escolhe um campeão nacional?

Luiz Gonzaga Belluzzo- Por exemplo, a Petrobrás é um campeão nacional natural. Ela é uma das grandes empresas petrolíferas do mundo. Não precisou de nenhuma política especial para transformá-la nisso. Quais os setores que você vai escolher? Tem que escolher os setores em que você tem vantagens e pode conduzir a um bom termo. Isso é uma coisa construída porque não há mais vantagens comparativas. Os asiáticos perceberam isso. Hoje está muito mais difícil. Os chineses estão...

Mas isso não gera favorecimento de grupos empresariais?

Luiz Gonzaga Belluzzo- Mas isso é a lógica do capitalismo. Ou você acha que você tem concorrência perfeita?

Mas isso é um incentivo, não?

Luiz Gonzaga Belluzzo- Sim, mas funciona assim. "I'm sorry". Peço desculpas. Na verdade, o capital se centralizou. Te passo, se você quiser, uma lista de todos os setores para você ver quantas empresas estão no controle. São cinco. São duas. No máximo. Por exemplo: a indústria automobilística tem dez. Na indústria farmacêutica, pouquíssimas.

Mas em que momento você para de financiá-las? Por exemplo, o JBS, na pecuária, um setor escolhido. Recebeu ajuda, se tornou o maior do mundo, mas a ajuda continua, agora no setor de papel. Em que momento a empresa caminha sozinha?

Luiz Gonzaga Belluzzo- Tem um momento em que você precisa reduzir mesmo o impulso. Mas você como você acha, por exemplo, que a Coreia se transformou no maior estaleiro do mundo ...

Mas a Coreia era uma ditadura. A China não é uma ditadura?

Luiz Gonzaga Belluzzo- Mais ou menos. A China é um regime político peculiar. Como disse o Fernando Henrique para mim, voltando da China, 'ninguém lá atinge suas liberdades políticas, agora você não pode falar mal do Estado chinês'. Você tem restrições. A Coreia foi uma ditadura. O General Park Chunk-hee fez aquilo. Mas o Japão fez isso com o Partido Liberal. Não era uma ditadura.

Mas era uma situação diferente, o pós-guerra, com apoio dos Estados Unidos, com bases militares no país...

Luiz Gonzaga Belluzzo- A Coreia também teve apoio americano. No caso do Japão...

É possível manter a economia fechada, como foram Japão e Coreia?

Luiz Gonzaga Belluzzo- Mas elas não foram fechadas.

No começo, Japão e Coreia adotaram restrições...

Luiz Gonzaga Belluzzo- Sim, mas não eram economias fechadas. Ao contrário. Mas é claro que foram favorecidas por critérios geopolíticos. Nós, na verdade, montamos um modelo de crescimento puxado pelas exportações. A Coreia teve taxas de câmbio múltiplas, como o Brasil teve também. Por que? Ela fez o controle de importação de bens de consumo, não tinha mesmo. Mas importação de bens de capital tinha, sim. De componentes, etc. Depois eles foram substituindo.

Diferentemente do nosso modelo de substituição de importações em que, na verdade, você foi permitindo, pelo estrangulamento cambial, a substituição durante um bom período. No caso da Coreia, fizeram uma política intencional de controle das importações, não há dúvida nenhuma.
Eu fui à Coreia. Nas lojas, havia aquela coisa de não comprar produtos que não fossem coreanos. Mas pega a composição da importação deles e vê como, na realidade, se apropriaram das tecnologias mais avançadas para produzir.

O governo adotou uma medida mais protecionista no início do mandato da presidente Dilma e o empresariado tem pedido maior abertura da economia...

Luiz Gonzaga Belluzzo- Mas o que quer dizer isso, na verdade? Se você faz isso, nestas condições, com o câmbio valorizado, você vai tomar uma invertida. Eu acho que na atual conjuntura – já escrevi isto num artigo com o Julinho (Julio Gomes de Almeida, do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial) – você tem que importar para exportar. Porque você está perdendo peso nas exportações globais de manufatura.

Não vamos fazer isso com câmbio desvalorizado, nem com ausência de política industriais. O que quer dizer mais abertura? Que você vai dar uma de "liberou geral"? Não existe isso no mundo. Nem os países asiáticos fazem isso. Eles, na verdade, regulam. A China é uma grande importadora. Tem déficit com os outros asiáticos, mas tem superávit com Estados Unidos.

Os chineses montaram uma estratégia inteligente. Para eles, na verdade, as importações mais baratas – porque eles são grandes montadores – são importantes. Assim como o Brasil também. Fico preocupado com essas oposições binárias. Ou é abertura total ou é então você é protecionista. Tem que fazer política de comércio exterior.

Os americanos fazem política de comércio exterior, a despeito deles terem perdido o controle para o conjunto de empresas deles. Elas não querem saber de voltar a produzir nos Estados Unidos. Essa história da reindustrialização americana está mal contada. Não que as empresas americanas estejam indo mal, elas estão indo muito bem. O sistema empresarial americano vai muito bem, o que não vai bem é a economia territorial americana.

Tem mais essa questão – ocorreu a globalização. As pessoas falam ahhhh globalização, globalização – mas ela ocorreu de fato, com implicações que tornaram muito mais difícil você ter uma política industrial. Os chineses têm dificuldades de criar seus campeões nacionais. Eles estão muito bem do ponto de vista da organização da sua produção doméstica, com auxílio do investimento externo, mas criar os seus campeões nacionais está difícil.

O que estão fazendo? Estão saindo. Compraram agora uma parte da maior empresa francesa de automóveis, a Peugeot. Compraram 30%. Eles estão saindo pelo mundo. Se você for olhar, estão começando a comprar em vários lugares. Hoje existe o problema da concorrência da marca.

Os chineses não têm marca. Eles são os maiores produtores de automóveis do mundo. Mas eles exportam muitos automóveis? Não exportam. Essa coisa da marca na concorrência é importante. Você conhece alguma marca brasileira que tenha se destacado, que você perceba como um a marca de reputação? Porque isso faz parte de um padrão de consumo contemporâneo.

Por 30 anos, o Brasil ficou praticamente afastado dessa construção. Perdeu vários passos que tinham de ter sido dados. Essa questão da criação de campeões nacionais é muito mais complicada hoje do que foi, por exemplo, quando os coreanos criaram a Samsung, a LG. Porque eles entraram numa brecha. Quando é que aconteceu isso? Nos anos 1980. Eles entraram numa brecha aberta pelo Reagan (Ronald Reagan, ex-presidente dos Estados Unidos) no mercado americano, quando o Reagan valorizou o dólar. Numa das campanhas eleitorais, o adversário dele disse: "de fato, o Reagan colocou um frango na panela e dois carros na garagem dos americanos, só que os dois carros são japoneses e coreanos".

Hoje em dia é muito mais complicado. Os asiáticos entraram no mercado num momento muito favorável. A China estava começando a jogar o jogo.

Mas a escolha é sempre complicada, não? A Coreia escolheu segmentos de ponta, eletroeletrônicos, automóveis, estaleiros. O Brasil escolheu pecuária e, ao mesmo tempo, matou o etanol..

Luiz Gonzaga Belluzzo- O etanol é um bom exemplo.

...O etanol que talvez seria o trunfo na nova fase da energia no mundo...

Luiz Gonzaga Belluzzo- Exatamente. O etanol é um bom exemplo, não só em si mesmo. O Brasil fez a escolha errada no II PND. Por que? Que setores foram escolhidos no II PND? Escolheram setores básicos. Mas já estava ocorrendo, estava em gestação, a Terceira Revolução Industrial. Não que as pessoas não soubessem disso. A revolução na eletroeletrônica, na automobilística, como está ocorrendo agora outra revolução tecnológica. E o Brasil, como faz? Um país deste tamanho? Nós perdemos ali, naquele momento, porque escolheram setores errados. Setores velhos.

E agora, fizeram as melhores escolhas? E o exemplo do etanol?

Luiz Gonzaga Belluzzo- Estou te dando razão no caso do etanol. Nós deveríamos ter levado o etanol como um projeto importante para o Brasil. Foi o que o Lula fez. O Lula moveu este negócio do etanol. Você tem razão. Nós escolhemos errado. É um setor que tinha vantagens já quase absolutas. Nós podíamos ter avançado pelo lado do etanol. Mas o problema não se restringe a isso.

Nós perdemos o padrão de industrialização da Terceira Revolução Industrial – essa que é a questão. Uma questão mais estrutural. E, agora, criar campeões nacionais é muito mais difícil. O que os asiáticos, japoneses, coreanos criaram nessas empresas, uns nos anos 1960 e 1970, outros nos anos 1980, foi com a determinada configuração da economia mundial. Hoje em dia, a configuração é completamente outra.

Você me permite a oportunidade de falar de outra coisa: o eixo hegemônico está mudando de lugar. Isso demora para acontecer, mas está acontecendo. Está mudando do Atlântico para o maciço eurasiano, incluindo a Rússia. Não sei se você está vendo: os russos e os chineses estão fazendo um movimento recíproco de cooperação. Eles são economias complementares.

Os russos são muito bem dotados de recursos naturais, como nós somos. Outro dias, eu estava vendo as maiores companhias petrolíferas do mundo. Das vinte maiores, três são russas. Eles têm vantagens na mineração e na manufatura. Eles estão, na verdade, caminhando na direção dos chineses. Se você quer que eu te diga uma coisa correta que o Brasil está fazendo, entre as críticas que eu fiz, é a aproximação com os Brics.

É dessa aproximação que vai nascer o novo dinamismo da economia global. Esse grupo muito poderoso, de qualquer ponto de vista. Do ponto de vista da dotação de recursos, do ponto de vista da disponibilidade de água. A questão da água é fundamental para os próximos anos – e o Brasil é um dos únicos países que dispõe de abundância desse recurso natural. Não vai ser fácil resolver este problema global.

O Brasil não tem que escolher ninguém, mas tem que ser estratégico, precisa se juntar onde o mundo está começando a redefinir suas relações entre as regiões. E essa região, com Rússia, China e Índia, é a região que terá o desempenho mais favorável. As pessoas não falam que nos Brics o Brasil tem um fundo de estabilização de US$ 100 bilhões com a China, com a Rússia. Eles estão criando um banco de desenvolvimento porque os chineses têm, e nós também devemos ter ambições – inclusive e sobretudo na América Latina – de ter investimentos binacionais ou trinacionais, o que você quiser. E os chineses estão menos voltados para a África e mais para a América Latina.

Os russos, por razões estratégicas, têm dificuldades de lidar com o Ocidente. Então o Brasil está fazendo uma escolha correta do ponto de vista geopolítico. Isso não tem nada a vez com os campeões nacionais. Tem a ver com a integração econômica mais razoável e com mais probabilidade de dar certo.

O sr. é um interlocutor frequente da presidente Dilma?

Luiz Gonzaga Belluzzo- É o seguinte: depois que ela assumiu a presidência, falei duas vezes com ela. Não sou tão frequente assim. A frequência era muito maior com o presidente Lula. Com ela, foram duas vezes. Porque é o estilo dela. Eu não quero também me apresentar como interlocutor frequente da presidente.

Você ficar assoprando coisas no ouvido do "príncipe". Eu vejo que muitos economistas ficam envaidecidos com essa possibilidade de falar com o presidente. Isto não é legal. Você tem que falar com o público. Não chegar lá e começar a soprar coisas. Com o Lula, tenho muita liberdade. Conheço o Lula desde os anos 70, quando ele ainda estava criando o PT. Eu secretariei a primeira Conclat (Conferência Nacional das Classes Trabalhadoras), em Niterói. Sou amigo dele, gosto muito dele. Ele chamava a mim e ao Delfim (Delfim Netto, economista) com muita frequência. Ele ouvia a gente, ouvia mais gente, ouvia todo mundo e tomava a decisão.

Eu nunca tive a ilusão porque sou conselheiro do presidente. É uma coisa ridícula. Posso dar minha opinião de outras formas. No caso dele, eu o considero uma pessoa amiga, pela qual tenho grande admiração pessoal. Ele é uma pessoa afetiva. Gosta dos amigos dele. Eu gosto muito dessa coisa do cara que gosta dos amigos. Ter amigo é bom. Eu me considero amigo dele, apesar das nossas divergências futebolísticas.

Para dizer a verdade, ele era muito sábio nestas coisas. Ouvia todo mundo e tomava a decisão que achava conveniente. Foi assim na crise. Ele escolheu o caminho. Ele e o Guido Mantega – que, aliás, é muito injustiçado porque na crise ele foi muito bem. Agora, no caso dela, não. Ela tem outro estilo. Eu tenho até carinho por ela. Foi minha aluna. Mas isso não tem nada a ver. Não é um estandarte que se deva estar erguendo toda hora. Acho uma coisa muito ruim, muito brasileira, essa ideia de "tenho ali minha relação particular com o presidente". Não é legal. É melhor que seja uma coisa mais impessoal – até porque me dá liberdade para falar o que eu falei para vocês sobre os problemas do governo. Se não, você fica driblando na área.

Da mesma maneira, você não pode tratar o teu adversário na democracia como um inimigo. Eu vejo que, mesmo nas entrevistas que vocês fizeram, as pessoas têm um ressentimento partidário. Isso não é bom na discussão. Eu posso ter minhas preferências partidárias, mas não posso usar isso para elogiar ou para criticar.

Eu tenho de fazer um esforço para me afastar dessa coisa. É muito difícil você dizer que nessa questão você vai fazer uma análise objetiva. Vocês são jornalistas e sabem que objetividade é uma questão relativa. Tem que, na realidade, tomar distância. Ser objetivo é um problema filosófico complicado. O que é a objetividade? O que é o real? Não vamos discutir isso. Mas você tem que se destacar e dizer com clareza, como eu estou dizendo aqui, partindo da minha visão de economia. Schumpeter (Joseph Alois Schumpeter, economista natural da República Checa) é que dizia: a análise vem depois.

Primeiro vem a visão. Uma visão geral da questão, de como é que funciona. Como é que funciona esta economia capitalista hoje? Tem que partir desta visão. Pode ser que eu esteja completamente equivocado. Não obstante, nos últimos anos na análise dos antecedentes da crise, eu não me equivoquei tanto. Mas você se equivoca porque, na verdade você, não tem capacidade de incluir todos os dados que são relevantes na sua hipótese.

Tem que admitir que sua análise está sujeita a falhas. A coisa que mais incomoda nos economistas são as certezas esféricas. Quando se olha por todos os lados, tem as mesmas certezas. É preciso ponderar. Tem que dizer o seu ponto de vista, mas considerar que é possível que as coisas não sejam assim.

Entrevista publicada em 20 de abril de 2014