domingo, 18 de janeiro de 2015

Aécio Neves: "O país foi enganado"

Marcelo Sakate - Veja

Aécio Neves foi atacado pela candidata à reeleição Dilma Rousseff durante a campanha eleitoral de 2014. O senador, que alertava para a necessidade de correção de distorções na política econômica, foi acusado de planejar uma receita de aumento de impostos e de juros para reequilibrar as contas públicas e combater a inflação — receita, agora, seguida por Dilma. A VEJA, Aécio diz que a presidente está fazendo o oposto do que prometeu, como a decisão de promover mudanças nas regras para a concessão de alguns benefícios sociais. " Isso explica o grande sentimento de frustração e perplexidade que se percebe hoje no país", diz o senador. A presidente Dilma Rousseff tem adotado ou sinalizado medidas que atacou na eleição, como corte de gastos do governo e aumento de impostos e de juros.

As circunstâncias mudaram?

As contradições são enormes. As circunstâncias não mudaram. Há muito tempo o PSDB alerta sobre as medidas equivocadas do governo Dilma na área econômica, que se traduziram em baixo crescimento, desequilíbrio fiscal, perda de competitividade da indústria e desequilíbrio externo. Na campanha, falei diversas vezes da necessidade de ajustes para que a economia voltasse a crescer e pudéssemos continuar com a melhoria da renda e a redução das desigualdades e da pobreza, que, agora, estão em risco. A candidata Dilma, mesmo conhecendo a gravidade do quadro econômico, não apenas negava a necessidade de ajuste como atacava aqueles que faziam o alerta. Assistimos agora a um estelionato eleitoral sem precedentes, pois o governo terá de fazer um ajuste fiscal muito mais duro do que seria necessário no caso do PSDB, porque o mercado sabe que foi a própria presidente Dilma que, deliberadamente, entregou ao seu segundo mandato uma herança maldita. Apesar dos alertas, a presidente deixou de tomar uma série de medidas e não hesitou em permitir que os problemas do país se agravassem, pensando apenas em vencer as eleições.

Quais as consequências de a presidente ter prometido uma política econômica e agora adotar outra?

Existe uma grande questão que, acredito, deve preocupar muitos dos aliados do governo: refiro-me à perda de credibilidade. E credibilidade é um ativo essencial a qualquer governo. Na campanha, a candidata tinha dois caminhos: respeitar o povo, o que significa respeitar a verdade, ou mentir sobre a realidade e sobre as suas reais intenções. A candidata escolheu o caminho da mentira. Mentiu aos brasileiros sobre o que disse que faria. Vejo três grandes problemas. Primeiro, o estelionato eleitoral. O governo prometeu uma série de medidas que não vai cumprir e está agora elaborando, às pressas, um novo plano de governo que não discutiu com os eleitores. Segundo, como o governo não se preparou para uma agenda de reformas, as providências estão sendo tomadas por meio de medidas provisórias, sem o debate com a sociedade e, principalmente, com os trabalhadores. O que se anunciou até agora são medidas isoladas que não fazem parte de uma agenda estrutural. Mudanças de tributos deveriam integrar uma reforma tributária, e não medidas isoladas com o único propósito de aumentar a arrecadação. Terceiro, as medidas de ajuste estão sendo anunciadas pela equipe econômica, e não pela presidente, que deveria ter a responsabilidade de fazê-lo. Tem-se a impressão de que ela não está muito convicta das propostas e que, a qualquer momento, pode desautorizá-las.

Há quem argumente que campanha é uma situação e que o dia a dia do governo é outra.

Esse é o discurso de quem não respeita a população, de quem acredita que vale tudo, que se pode fazer o diabo para vencer uma eleição, até enganar o próprio povo. Compromissos de campanha devem ser compromissos de governo. Se não for assim, as campanhas serão transformadas em concursos para ver quem mente mais e melhor. É antiético prometer uma coisa e fazer algo totalmente diferente depois de eleito. A candidata prometeu que não iria mudar direitos sociais e, agora, propõe dificultar o acesso ao seguro-desemprego. Falei na campanha da necessidade de reduzir os subsídios dos bancos públicos e de o governo cortar despesas, preservando investimentos sociais. A candidata Dilma prometia aumentar os subsídios e agora quer fazer um corte radical, prejudicando os trabalhadores. Assistimos a um governo fazendo o oposto do que prometeu. Isso explica o grande sentimento de frustração e perplexidade que se percebe no país. Muita gente se sente enganada.

Dilma terá apoio político para levar adiante um programa econômico que ela e o PT tanto criticaram?

Há uma imensa confusão quando se fala que as medidas do governo são as mesmas que seriam adotadas pela oposição. Não são. As medidas em um governo do PSDB seriam previamente discutidas com a sociedade, feitas de forma gradual e negociadas no Congresso. O governo terá problemas para aprovar algumas propostas. O PT escolheu fazer o ajuste fiscal pela via simplista de aumento de impostos e redução de direitos trabalhistas, por meio de medidas provisórias, sem nenhuma discussão com a sociedade e sem enfrentar as questões estruturais. Para usar uma expressão cara à presidente, trata-se de uma solução "rudimentar". E injusta com os brasileiros.

Qual a avaliação do senhor em relação às medidas anunciadas?

Há um equívoco com relação ao instrumento utilizado. As medidas deveriam passar por amplo debate na sociedade e no Congresso. E eu não dificultaria o acesso ao seguro-desemprego em um período de baixo crescimento. em que o desemprego tende a aumentar. Isso é injusto com o trabalhador. No caso do abono salarial, por que retirar totalmente o direito a esse benefício de quem trabalhou por menos de seis meses? 0 correto não é tirar o benefício, mas sim torná-lo proporcionalmente maior para quem trabalhou por mais tempo. O governo não quer o debate e repete, cada vez com menos constrangimento, a velha e carcomida fórmula de garantir apoio às suas propostas por meio da distribuição de cargos e espaços de poder aos aliados. Infelizmente, quem vai pagar a conta serão, mais uma vez, os brasileiros e, em especial, os trabalhadores.

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