sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

Celso Ming - A cuca e o acalanto

- O Estado de S. Paulo

O Banco Central ainda está à procura do tom correto para falar da inflação e do melhor procedimento de política monetária (política de juros) para atacá-la neste começo de segundo mandato Dilma, quando tanta coisa mudou na política econômica.

Em comunicação, o tom correto pode ser mais importante do que a letra da mensagem. Basta avaliar o que acontece com as canções de ninar. Algumas são assustadoras. Falam das ameaças do boi da cara preta, da cuca sempre por aí para pegar as crianças, falam da ausência do pai e da mãe, que estão na roça ou sabe-se lá a que lonjuras. E, no entanto, a criança dorme. Dorme porque o tom do acalanto chega com mais força do que o terrorismo verbal que o acompanha.

O Banco Central sabe que a inflação que vem vindo aí é braba, mas a Ata do Copom divulgada nesta quinta-feira tenta passar a mensagem de que não há por que perder o sono por causa disso.

Os termos empregados ainda dão margem a dúvidas. O Banco Central começou a nova fase, ainda em dezembro, enfatizando o uso da “parcimônia” no combate à inflação, recado que sugeria moderação no aperto monetário. Duas semanas depois, a inflação surpreendeu. Tanto o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, como os documentos oficiais, passaram a martelar que farão “o necessário” para controlar os preços e, assim, a “parcimônia” perdeu sentido.

A Ata do Copom desta quinta-feira deixou de lado parcimônias e intempestividades e foi mais arroz com feijão. Reconheceu que os reajustes-pancada dos preços administrados estarão catapultando a inflação deste ano, que os custos de produção continuarão subindo em consequência “da estreita margem de ociosidade no mercado de trabalho” e do “risco significativo da possibilidade de concessão de aumentos de salários incompatíveis com o crescimento da produtividade”. E espera que a baixa atividade econômica (PIB outra vez medíocre) e a moderação do crédito contribuirão para segurar a demanda e os preços. Mas nisso foi apenas insistente, na medida em que repetiu advertências anteriores.

Desta vez, a novidade está em reconhecer que pode contar mais com a política fiscal (administração mais prudente das contas públicas): “O balanço do setor público tende a se deslocar para a zona de neutralidade, e não descarta a hipótese de migração para a zona de contenção”.

É uma observação que, outra vez, reflete mais uma aposta do que a certeza de que a nova equipe econômica entregará ao final deste ano a meta de superávit primário (sobra de arrecadação para pagamento da dívida) de 1,2% do PIB. Isso dito no dia em que o Tesouro apresenta enorme estouro das contas públicas em 2014 (veja o gráfico acima) pode ser entendido até como temeridade.

A falta de explicações para mudanças tão relevantes de conteúdo e de tom em suas mensagens sugere que o Banco Central não está seguro de que adota as doses adequadas de juros para a intensidade da inflação nem se vem conseguindo dar conta de outra missão importante, que é a condução das expectativas.

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