quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

Merval Pereira - Crises anunciadas

- O Globo

A presidente Dilma nomeou um Ministério que pode ser medíocre em seu conjunto, mas tem um conceito por trás em algumas áreas fundamentais. A questão é que o conceito é uma repetição de manobra já realizada pelo ex-presidente Lula, e por isso mesmo Dilma corre o risco de transformar em farsa a repetição de uma estratégia política que depende de um líder com reconhecida capacidade de articulação política, para não provocar crises contínuas.

A nomeação de Joaquim Levy para a Fazenda está sendo digerida com muito custo, mas as pressões maiores estão voltadas para os novos ministros da Agricultura, Kátia Abreu, e do Desenvolvimento, Armando Monteiro, dois dirigentes de associações patronais, exemplares de como o Ministério tem uma tendência nada revolucionária.

O contraponto veio com a nomeação de Patrus Ananias para o Desenvolvimento Agrário, e o choque previsível já aconteceu ontem, quando, na posse mesmo, Patrus respondeu a Kátia afirmando que é preciso "derrubar a cerca dos latifúndios" - que por sinal ela havia dito que já não existem no Brasil.

A linguagem figurada (espera-se) do novo ministro pode incentivar ações mais concretas de movimentos que se consideram revolucionários, como o MST. Foi assim também no primeiro governo Lula, que nomeou Roberto Rodrigues para a Agricultura e Luiz Fernando Furlan para o Desenvolvimento, além de colocar o banqueiro internacional e deputado federal tucano Henrique Meirelles no Banco Central.

Se Dilma seguir à risca o que Lula fez em seu 1º mandato, a situação vai piorar. Lula queria agradar a gregos e troianos, e deu a seus ministros de esquerda a tarefa de nomear integrantes do 2º escalão dos ministérios dirigidos pelos ministros de direita. Quem escolheu o presidente do Incra foi o então ministro do Desenvolvimento Agrário, Miguel Rossetto, e não o da Agricultura, Roberto Rodrigues. Que também não escolheu o presidente da Embrapa, Clayton Campanhola, indicado pelo então titular do Fome Zero, José Graziano.

Lula foi intermediando essa convivência impossível, até que teve de deixar Rodrigues intervir na Embrapa, que, de empresa de excelência estava se transformando em aparelho de esquerda mais preocupado com a agricultura familiar do que com o agronegócio. Preocupação reiterada por Patrus hoje.

Esses conflitos, estabelecidos de saída, ocorrem em momento de crise e de falta de liderança para a mediação. Os sinais da crise começam a aparecer mais concretamente. A greve dos metalúrgicos no ABC é simbólica não só por se originar onde o PT nasceu e se criou como representante da classe trabalhadora, mas porque a região deixou há muito de ser o esteio petista para reagir contra governos e derrotar o partido com frequência.

As demissões que começam a pipocar lá e em outras regiões do país são a demonstração de que a política econômica baseada no consumo popular com incentivos fiscais já não se sustenta. A crise na Petrobras também já causa desemprego na cadeia produtiva do setor.

Caberá a Dilma lidar com sua herança maldita, e, se não der respaldo às medidas duras que a nova equipe econômica terá que tomar, vai só piorar a situação. Não há mágica para trazer de volta os bons tempos das commodities em alta no mercado internacional, nem é verdadeiro o cenário cor-de-rosa que Dilma vendeu na campanha e no seu 1º discurso como reeleita.

Não há chances de reorganizar a economia sem quebrar muitos ovos. É tarefa de Dilma tentar comandar o país sem criar mais turbulências que as que necessariamente virão. Os cortes de gastos, por exemplo, que estão para ser anunciados pela equipe econômica serão severos para não deixar dúvidas da decisão do governo.

Embora a Lei de Diretrizes Orçamentárias ainda esteja para ser aprovada pelo Congresso, os cortes já começarão em cima dos números propostos. Quando o ano começa sem lei orçamentária aprovada, o procedimento de praxe é permitir que gastos obrigatórios, com salários e aposentadorias, sejam feitos normalmente.

Os demais gastos ficam limitados a desembolsos mensais correspondentes ao projetado para o ano, na suposição de que o Orçamento será aprovado. A nova equipe econômica, porém, quer autorizar só desembolsos mensais abaixo do previsto, para começar o corte antes de ter o Orçamento aprovado. É um sinal importante, mas que provocará tumulto na base aliada.

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