terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Míriam Leitão - Desfazer a confusão

- O Globo

A reunião ministerial tem muito a discutir se o tema fiscal for mesmo tratado de forma profunda. O ano passado terminou, provavelmente, com déficit primário. Está de novo se formando um arriscado novelo de dívidas cruzadas. Há passivos não assumidos na dívida pública. O país está em um perigoso processo de descontrole das despesas do governo.

Foi difícil organizar as contas públicas e preparar o terreno para a Lei de Responsabilidade Fiscal, aprovada em 2000. Agora as notícias assustam quem viu esse processo. Auditores do TCU avisaram, segundo o "Valor" na semana passada, que há um esqueleto de R$ 40 bilhões, e economistas encontraram R$ 35 bi de dívidas cruzadas entre estatais e Tesouro.

Os auditores que estão estudando as pedaladas fiscais - postergação do pagamento de dívidas para melhorar a aparência das contas do governo - recomendaram que o Banco Central inclua na dívida o valor de R$ 40 bilhões. São débitos com o BNDES, Banco do Brasil e FGTS. Por não serem contabilizadas, estão virando um esqueleto. O BC, em nota, afirmou que segue metodologias internacionais e não deixou de registrar nada fora desses padrões.

Em um estudo, economistas da Fundação Getúlio Vargas se debruçaram sobre os balanços das cinco estatais mais importantes e encontraram dívidas cruzadas no valor de quase R$ 35 bilhões. Não se pode somar os dois valores, porque há uma parcial sobreposição entre o que auditores do TCU e economistas da FGV encontraram. O interessante é que, independentemente do caminho que se escolha, é possível encontrar o rastro das manobras contábeis.

Bancos públicos financiaram o Tesouro, o que é proibido pela Lei de Responsabilidade Fiscal. A Caixa usou recursos próprios para pagar benefícios como o Bolsa Família, seguro-desemprego, abono salarial, contribuição adicional ao FGTS e repasses ao Minha Casa, Minha Vida.

No estudo da FGV, o BNDES tem a receber do Tesouro R$ 23,7 bilhões só do Programa de Sustentação do Investimento. O BNDES, pelo programa, cobrou juros menores, mas o Tesouro teria que compensá-lo. Ao todo, o banco registra que o governo lhe deve R$ 30 bi pelos subsídios a juros de alguns programas. Há aí uma confusão enorme, já que o Tesouro é credor do BNDES em R$ 450 bilhões por repasses feitos de 2008 a 2014. Sabe-se lá quando isso vai ser resolvido.

O BNDES tem a receber da Eletrobrás, que também deve à Petrobras. Quer dizer, no último balanço publicado da Petrobras está registrado que ela tem créditos de R$ 7,3 bilhões contra a Eletrobrás. A estatal de energia também deve ao BNDES R$ 7,3 bilhões, de acordo com o balanço do banco, mas nos demonstrativos da Eletrobrás essa dívida não está reconhecida.

Se alguém ficou confuso com esse relato não deve se culpar. O governo criou um emaranhado de dívidas cruzadas, da mesma natureza do que teve que ser desfeito no passado para se organizar as contas públicas.

O trabalho de saneamento, iniciado com o Plano Real, levou uma enormidade de tempo e precisou ser feito diligentemente. As dívidas ficaram conhecidas como "esqueletos". O governo FHC tirou os esqueletos do armário, fez o encontro de contas, pagou, registrou uma parte como prejuízo e incluiu na dívida pública. Tudo foi feito para que a LRF fosse a travessia para um tempo novo onde não aconteceria mais essa insensatez. Mesmo assim, nos últimos anos, parte do trabalho de ajuste foi desfeito.

Certamente não haverá tempo para discussão de toda essa pauta na reunião. Será um avanço se a presidente estiver convencida dos passos dados pelos ministros da área econômica para reduzir despesas e aumentar receitas. Há muita insatisfação com os cortes em cada área - o que normalmente acontece - e rejeição às escolhas econômica de Joaquim Levy.

Essa confusão de dívidas cruzadas, passivos não registrados e déficits ainda não anunciados terá que ser desfeita aos poucos. Haverá trabalho para mais de ano até pôr a casa em ordem. O mais importante será a presidente ter noção dos riscos que o país corre se nada for feito para corrigir os erros fiscais do seu primeiro mandato.

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