quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Mudança de verdade – Editorial / Folha de S. Paulo

• Dilma adere ao programa de ajuste, mas confunde opinião pública ao dizer que a nova política mantém rumo que levou o país ao desequilíbrio

E Dilma Rousseff falou. A presidente da República, 26 dias após tomar posse, interrompeu o silêncio abúlico em que se mantinha enquanto sua equipe econômica impunha um garrote orçamentário em tudo similar ao que a oposição sugerira durante as eleições.

A boa notícia é que a petista endossou a política de austeridade do ministro da Fazenda, Joaquim Levy; neste momento, era a coisa certa a fazer. A má notícia é que, para tanto, Dilma revelou-se adepta dedicada do "duplipensar" a que se referiu George Orwell (1903-1950) no célebre livro "1984".

Um grande orador ou um estadista podem arriscar-se a enunciar convicções e visões contraditórias entre si, se julgarem necessário para ajudar o público a engolir um remédio amargo --alguns poucos terão sucesso na empreitada.

Não sendo uma coisa nem outra, Dilma só conseguiu, na reunião ministerial de terça-feira (27), enunciar o que o mercado queria ouvir. Para a maioria da sociedade, emitiu uma mensagem confusa.

Contra o princípio do terceiro excluído, afirmou que este segundo período "é, ao mesmo tempo, um governo de continuidade e também um governo de mudanças".

Não disse, mas deveria ter dito, que a continuidade não passa de promessa por realizar (manter e alargar o progresso social logrado desde 2003), enquanto a mudança, esta sim, é uma realidade: a guinada na política macroeconômica implica cortes drásticos, inclusive nos gastos sociais.

Não deixa de ser positivo que a presidente enfim afirme reconhecer a necessidade de recompor a estabilidade e a credibilidade da economia nacional. Mas, ao atribuir o desequilíbrio de seu primeiro mandato só ao efeito do que chamou de dois choques (queda dos preços de commodities e alta dos de alimentos, com a seca inaudita), confirma sua fama de refratária à admissão de erros e falhas.

O mesmo tipo de omissão se deu com referência à Petrobras. Dilma reiterou a asserção duvidosa de que "nunca um governo combateu com tamanha firmeza e obstinação a corrupção e a impunidade". Ora, a própria empresa anunciou que as irregularidades ocorreram de janeiro de 2004 a abril de 2012. Governos Lula e Dilma, pois não?

Na esfera parlamentar, a presidente prometeu enviar ao Congresso vários projetos para combater a corrupção e ressuscitou o espantalho da reforma política, saída mais segura para desconversar quando se acha refém da base de apoio inconfiável, PMDB à testa.

Aos ministros pediu combate à desinformação e às falsas versões. Com seu discurso, deu um exemplo acabado da máxima "façam o que digo, mas não façam o que faço".

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