quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Petrobras põe R$ 88 bi sob suspeita, e ações caem 11%

Uma conta de R$ 88 bilhões

• Petrobras não inclui desvios no resultado, mas vê ativos inflados. Ações despencam 11,21%

Ramona Ordoñez, Bruno Rosa e Rennan Setti - O Globo

Balanço da corrupção
RIO e SÃO PAULO - A Petrobras ainda não sabe o tamanho exato do rombo causado pelos casos de corrupção investigados pela Polícia Federal no âmbito da Operação Lava-Jato. Mesmo assim, ao publicar às 3h21m de ontem seu balanço não auditado referente ao terceiro trimestre do ano passado com dois meses de atraso, a estatal apresentou os primeiros dados que podem servir de referência a investidores: R$ 88,6 bilhões de 31 ativos foram superavaliados, com indícios de sobrepreço, de acordo com especialistas. Porém, a estatal frisou que o "ajuste" não inclui somente o pagamento de propina, mas envolve outros fatores, como câmbio, custo de capital, preço do petróleo e deficiências no planejamento de projetos, como antecipou O GLOBO. E, por não conseguir identificar qual era o valor exato da corrupção, a Petrobras decidiu não dar baixa em seus ativos. A estatal também não lançou em seus resultados o efeito potencial de uma perda de R$ 4,06 bilhões baseada na aplicação do percentual de 3% de pagamento de propina relatado pelo ex-diretor de Abastecimento Paulo Roberto Costa à Justiça Federal. A companhia justifica que não há "detalhes suficientes" em relação aos pagamentos, feitos por fornecedores e não pela própria estatal.

"Concluímos ser impraticável a exata quantificação desses valores", disse a presidente da empresa, Maria das Graças Foster, em carta a acionistas, sobre a dificuldade de medir o impacto da Lava-Jato.

Para "fundo abutre", é calote
A falta de informações precisas foi recebida pelos analistas com ceticismo. Eles classificaram o balanço como "desapontador". As ações preferenciais (PN, sem direito a voto) da estatal despencaram 11,21%, para R$ 9,03. Já os papéis ordinários (ON, com voto) caíram 10,48% (a R$ 8,63). Foi o maior tombo diário desde o dia 27 de outubro do ano passado. Assim, o valor de mercado da Petrobras encolheu ontem em R$ 13,9 bilhões. Em nova York, os recibos de ações (ADRs) caíram 11,95%, a US$ 6,56. A empresa informou um lucro líquido de R$ 3,087 bilhões no terceiro trimestre de 2014, queda de 38% em relação ao mesmo período do ano anterior. No acumulado de janeiro a setembro, os ganhos somaram R$ 13,439 bilhões, recuo de 22%.

- O comunicado com os valores de ativos superavaliados, em vez de explicar, gera mais dúvidas. Cria um novo problema. Porque a empresa não sabe dizer o tamanho do rombo da corrupção e tergiversa - disse Fernando Zilveti, especialista em Direito Tributário e professor da FGV-SP.

Em comunicado enviado à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) na madrugada de terça-feira, a companhia disse que considerou em sua análise 52 empreendimentos em construção ou em operação que somam R$ 188,4 bilhões - cerca de um terço de seu total de ativos. A escolha dos projetos foi feita com base em contratos de fornecimento de bens e serviços firmados entre a Petrobras e as empresas citadas na Operação Lava-Jato entre 2004 e abril de 2012. Segundo a estatal, esses projetos são passíveis de conter valores relacionados a atos ilícitos perpetrados por empresas fornecedoras, agentes políticos, funcionários da Petrobras e outros.

A estatal contabilizou em 21 projetos uma subavaliação de R$ 27,2 bilhões. No fim de dezembro, a petrolífera proibiu a contratação de 23 empresas que estariam envolvidas num suposto esquema de cartel para obtenção de contratos com a estatal. Na lista, há empresas como Andrade Gutierrez, Odebrecht, OAS, Queiroz Galvão e Camargo Corrêa.

A Petrobras admite que há erros nos valores de determinados ativos imobilizados, que não puderam ser corrigidos pela estatal, já que as investigação da Operação Lava-Jato estão em curso. Por isso, diz que esses "erros" não estão de acordo com as regras do International Accounting Standards Board (IASB, organização que determina normas internacionais de contabilidade).

A Aurelius Capital Management, dona de títulos da Petrobras nos EUA, diz que a companhia não está cumprindo as regras do IASB, uma exigência para a emissão de papéis nos EUA. "Apesar das recentes garantias, a Petrobras permanece em calote de seus títulos que seguem a legislação de NY. Esses títulos requerem que a Petrobras divulgue balanços financeiros que estejam de acordo com as regras de IASB", disse Mark Brodsky, presidente do fundo. O Aurelius é um "fundo abutre" (que investe em empresas e governos em dificuldade) e liderou no fim de dezembro uma campanha para que a estatal fosse notificada por irregularidades no balanço.

Segundo analistas, a Petrobras divulgou seu balanço sem as baixas para cumprir acordo celebrado em dezembro com alguns detentores dos seus título. Eles aceitaram que a empresa divulgasse o documento até o fim de janeiro sem aval do auditor. Se não cumprisse a promessa, os credores poderiam pedir antecipação de pagamento, abrindo a possibilidade de que o restante dos donos de títulos fizesse o mesmo, o que elevaria significativamente a sua dívida, de R$ 621,4 bilhões no fim de setembro.

Risco de antecipação de US$ 50 bi em dívidas
Para Karina Freitas, analista da Concórdia, uma quantidade maior de credores exige o balanço auditado. Uma parte deles, que detém mais de US$ 50 bilhões em títulos, quer que o documento referente a 2014 seja apresentado até o fim de maio. A data inclui o prazo de 120 dias após o fim do ano, determinado pela Securities and Exchange Commission(a SEC), a xerife do mercado americano, mais 30 dias acordados em contrato. Outros investidores contam com a divulgação até o fim de junho.

- Para o mercado, o balanço auditado do ano só será divulgado no fim de junho - disse Karine.

O Itaú BBA lembra que a ausência de baixa contábil pode provocar uma reação das agências de classificação de risco. "Tanto a Moody"s quanto a Fitch esperavam que os ajustes, ou ao menos parte deles, estivessem no balanço do terceiro trimestre".

A estatal não deu data para publicar o balanço com o aval da PricewaterhouseCoopers (PwC). Diz que isso será feito "no menor tempo possível".

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