quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

Rosângela Bittar - Caça-fantasma

• O ministério é de defesa e foi formado com meta e objetivo

- Valor Econômico

Algumas peças, poucas, não são definitivas, ficaram no posto para guardar lugar, como já está inclusive anunciado no caso da Integração Nacional, Meio Ambiente e Turismo. A maioria dos ministros nomeados e empossados, porém, não resulta de uma escolha aleatória. Dilma Rousseff fez uma equipe econômica para atuar e vencer a crise a partir da formação de um grupo de orientação oposta ao dos que comandaram o primeiro mandato, e para o restante organizou um ministério de defesa, de forma a começar o seu segundo mandato sem medo de fantasma.

O que mais deveria temer a presidente? A atuação política do segundo governo Dilma, tanto a que será própria do núcleo de cinco petistas que habitarão a Esplanada e o Palácio ao mesmo tempo, orbitando em volta da presidente, quanto a de cada ministro das demais áreas, terá o objetivo de defender Dilma Rousseff do impeachment. Para isso, é preciso antes defendê-la da criação da nova CPI da Petrobras. E precedendo essa decisão, evitar a eleição de Eduardo Cunha para a presidência da Câmara, um caminho certo para a nova CPI e dessa para o impeachment, fechando-se o círculo. É a equação das alquimias do Palácio.

Outras evidências surgem dessa distribuição dos cargos do Executivo. É um ministério contra o PMDB e sua capilaridade e força numérica. O ministro da Casa Civil articulou mais nomeações do que o vice-presidente da República, representante do partido na chapa da aliança de reeleição. A presidente moveu as peças do ministério, claramente, de forma a que os inimigos do PMDB ficassem bem e o partido ficasse mal.

Uma terceira constatação parte do fato de que a força numérica do PMDB talvez não seja tão fundamental, tendo em vista a estratégia que as nomeações revelam. Os ministros, todos, receberam os instrumentos de poder mas terão que entregar os votos. Foram, teoricamente, escolhidos por partidos, mas sem a preocupação de dilacerá-los, pois o que importa é a bancada de interesses que consegue administrar a bancada partidária.

Kátia Abreu, por exemplo, é amiga da presidente, que não titubeou a convocá-la apesar das reações do PMDB do Senado e do PT e movimentos sociais de um modo geral. Ela pode levar mais votos da bancada do agronegócio da Câmara e do Senado que levaria do PMDB. Patrus Ananias, que ontem mesmo fez discurso de posse com ideias aparentemente contraditórias com as do agronegócio, é garantia de satisfação interna para o MST e outros movimentos representados em vários partidos e não apenas no PT.

Se há algum sentido em levar a Igreja Universal ao Ministério do Esporte, em ano de Olimpíada, com um ministro já flechado por denúncia e processo, flagrado com malas de dinheiro vivo, é que mais do que a bancada do PRB, o que conta mesmo é a boa vontade e satisfação dos evangélicos do Parlamento e sua influência em outras bancadas partidárias.

A experiência de fazer o presidencialismo de coalizão via bancadas temáticas é um reconhecimento à nova correlação de forças que vão muito além dos partidos. Até Dilma já aprendeu, e nesta última campanha houve muito didatismo, que os partidos unem menos que os interesses específicos.

Afif Domingos lidera mais por ser do PSD ou por ser uma espécie de condestável do extenso mercado das associações comerciais que têm uma bancada que extrapola e muito o partido? A capacidade de Gilberto Kassab de fundar e fundir partidos, arregimentar migrações e votos também numa vasta clientela que armou como prefeito e também líder da Associação Comercial de São Paulo tem o reconhecimento da presidente, a quem ele servirá, como tal. O mesmo se pode dizer de Cid Gomes, que atuará mais voltado para a bancada da educação, extensa e intensa, do que ao seu pequeno Pros.

O PMDB está pulverizado em todos esses grupos, talvez parta daí a despreocupação em agradar ao partido como organização. Aos demais foram dados instrumentos de ação, ao PMDB, não. O PMDB está representado pelo baixo clero político, em funções de baixo clero administrativo.

Claro que a presidente, ao convidá-los, não encomendou votos contra o impeachment. Ao contrário, a conversa mais politizada até agora partiu do PT que, por enquanto, está pedindo votos apenas para a primeira etapa, contra Eduardo Cunha na presidência da Câmara.

A presidente, porém, está menos alheia do que se pode depreender a partir do estridente comando do ministro-chefe da Casa Civil. Ao convidar Aldo Rebelo para assumir o Ministério da Ciência e Tecnologia, disse-lhe que esperava uma participação significativa da Ciência, Tecnologia e Inovação no projeto de desenvolvimento do país. O mesmo ouviu Cid Gomes, conversa que incluiu os projetos prioritários em educação que vão se beneficiar dos recursos do pré-sal.

O que é para fazer na política está subentendido.

Dilma terá forças-tarefa, entre as quais a maior é a de coordenação política - Ricardo Berzoini (Comunicações), Jaques Wagner (Defesa), Miguel Rossetto (Secretaria-Geral), Pepe Vargas (Relações Institucionais) e Aloizio Mercadante (Casa Civil), todos frequentarão o Palácio sob a batuta da presidente que, em suas ausências, os deixará à mercê de Mercadante, contra quem já há reações irritadas passados apenas seis dias de novo mandato. Há a força-tarefa ruralista, a dos movimentos sociais, a dos negócios da educação, a das associações comerciais, a da saúde, e é por aí que a flauta vai tocar de ouvido.

Embora um ou outro ministro tenha aberto logo o jogo, condenando no discurso de posse a possível nova CPI da Petrobras - foi o que fizeram Eduardo Braga e Pepe Vargas -, a maioria está tentando tirar de sua atuação o caráter de salvação do mandato contra o já maior escândalo.

Há quem prefira considerar que Dilma montou um governo plural. Outros que o resultado final ficou mais à direita, conceito em desuso em formação de governo pela dificuldade de estabelecer diferenças, por exemplo, entre a Kátia de agora e o Geller de antes, entre Cid e Mercadante, entre Antonio Carlos Rodrigues e Alfredo Nascimento, entre Helder e Crivella, entre Eduardo Braga e Edison Lobão.

Na verdade é um ministério de defesa, em que cada ministro poderá usar seus instrumentos para dominar um grupo maior do que o seu partido. Dilma tem poder imperial. Se o Congresso não lhe dá o que quer para executar seu plano de governo, quando vier a defini-lo, tem a medida provisória, o decreto, a barganha com emendas, o veto. Só não tem como evitar o impeachment.

Nenhum comentário: