sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Febre do dólar – Editorial / Folha de S. Paulo

• Alta da moeda americana não é ruim em si, mas velocidade da mudança indica problemas no ambiente econômico

No Brasil, o valor do dólar é visto pela população como termômetro para verificar se a economia está com febre. Quando a moeda americana sobe demais, conclui-se que há problemas; quando o real se valoriza, confia-se que tudo vai bem.

Trata-se, naturalmente, de uma simplificação. O dólar caro tem vantagens, como recompor parte da rentabilidade perdida nas exportações, algo crucial para a combalida indústria brasileira.

A maior parte dos analistas parece concordar que o ambiente econômico de hoje não só favorece a perda de valor do real como também a torna desejável. A combinação de preços menores de matérias-primas vendidas pelo país, grande deficit nas contas externas e crescimento zero do PIB recomenda tal rearranjo.

O desconforto decorre antes da velocidade da mudança. Nas últimas semanas, a cotação do dólar disparou, passando de R$ 2,80. A escalada sinaliza deterioração da confiança, no caso atual por razões em grande medida internas.

Aumentou, por exemplo, a preocupação quanto à execução da nova política econômica, que se baseia no aperto do Orçamento e do crédito público para reorganizar as finanças do país. Assim o Banco Central terá facilitada sua missão de controlar a inflação, de modo que, adiante, os juros sejam reduzidos e a economia volte a crescer.

Em janeiro, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, anunciou cortes de gastos e alta de tributos que, juntos, somam R$ 50 bilhões. A cifra representava 70% do ajuste necessário nas contas para atingir a meta de superávit primário (o saldo de receitas e despesas antes dos juros) deste ano, de 1,2% do PIB.

Esse cálculo pressupunha deficit zero em 2014 e um cenário de estagnação econômica --duas premissas ora abandonadas. O saldo do ano passado se revelou negativo (um rombo de 0,6% do PIB), ao passo que as projeções mais recentes apontam para uma recessão. Se confirmada, o resultado seria uma arrecadação menor.

A queda da popularidade da presidente Dilma Rousseff (PT) e a sensação de que o Congresso dificultará a aprovação das medidas completam o quadro propício para a especulação. Daí a disparada do dólar e dos juros no mercado.

Especulações à parte, é no mínimo prematuro concluir que Levy não conseguirá cumprir a meta orçamentária. Por outro lado, a nova realidade política do Congresso, que buscará uma pauta mais independente do Executivo, exige uma mudança de atitude na coordenação política do governo.

Congressistas e sociedade devem ser convencidos de que o ajuste é necessário. Só assim será possível cumprir as metas --e baixar a febre.

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