terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

José Casado - Dinheiro na mão

- O Globo

A decisão do governo Dilma Rousseff de financiar a construção de térmicas a carvão na República Dominicana levou alegria ao Palácio Nacional, em Santo Domingo, e à sede da Odebrecht, na Praia de Botafogo, no Rio. Os seis mil quilômetros que separam os edifícios foram abstraídos no mapa de interesses dos governos e da empreiteira brasileira.

Dilma ajudou a revigorar a campanha do presidente dominicano Danilo Medina em sua batalha doméstica para mudar a Constituição, para poder disputar novo mandato em 2016.

E renovou o fôlego da Odebrecht em plena crise, detonada pelas investigações sobre corrupção na Petrobras, que expõe as construtoras em indigência de caixa e de crédito.

O empréstimo de US$ 550 milhões do BNDES Social à República Dominicana foi autorizado na terça-feira, 30 de dezembro. Negócio regular, mas peculiar. Em valor ultrapassa a soma do apoio dado pelo BNDES nos últimos 17 anos às exportações para países vizinhos como o Chile. Equivale à metade dos financiamentos do banco à Venezuela durante os governos Hugo Chávez e Nicolás Maduro, até setembro.

É pouco mais de meio bilhão de dólares para duas usinas térmicas a carvão. Créditos a esse tipo de indústria, altamente poluidora, estão praticamente banidos do cardápio de instituições internacionais, como o Banco Mundial.

No BNDES, a prioridade é a venda do "conteúdo nacional". O banco repassa os recursos diretamente à exportadora - no caso Odebrecht, em consórcio com a italiana Tecnimont e o empreiteiro dominicano Manuel Estrella.

Dinheiro na mão, subsidiado, não tem preço. Principalmente numa etapa em que empreiteiras se veem asfixiadas pela suspensão de pagamentos governamentais e pelas sequelas da própria ganância nos negócios com Petrobras.

É o motivo da romaria ao escritório paulistano de Lula: "A gente vai lá para o ex-presidente procurar a amiga dele ( Dilma) e dizer: "Amiga, veja o que você faz. Obrigação tem que pagar"" - contou o dirigente da UTC/Constran João Santana à repórter Andreza Mattais. O êxito com Lula é medido pelos repasses do BNDES.

Alguns sentem-se privilegiados, outros descartados. Na UTC/Constran, Camargo Corrêa, OAS e Mendes Júnior prevalece a ansiedade. Uma década de suas obscuras - às vezes, tenebrosas - transações com agentes públicos e líderes políticos pontuam as mais de 50 mil páginas de processos sobre a corrupção na Petrobras.

A Odebrecht emerge em dezenas. O ex-diretor da estatal Paulo Roberto Costa, por exemplo, confessou ter recebido US$ 31,5 milhões. A empreiteira nega, com veemência. Alguns dos seus concorrentes refletem sobre a autoincriminação, apostando na atenuação das penas.

Em abril devem sair as primeiras sentenças. Começará uma nova fase, a dos processos contra outras empreiteiras.

A régua para punição de empresários foi criada pelo Supremo Tribunal Federal no mensalão, ao estabelecer 40 anos em regime fechado para a banqueira Kátia Rabello, do Rural, e conceder o regime semiaberto ou prisão domiciliar aos políticos condenados.

Caso o juiz Sérgio Moro decida seguir o exemplo de rigor do tribunal superior com os empresários do mensalão, o Supremo ficará exposto à própria contradição na hora de sentenciar políticos envolvidos em corrupção na Petrobras.

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