segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

José Roberto de Toledo - Pátria especuladora

- O Estado de S. Paulo

Na campanha presidencial, as ações da Petrobrás caíam toda vez que subiam as intenções de voto em Dilma Rousseff (PT). O registro de uma pesquisa desencadeava um sobe e desce das cotações em 50 tons de especulação. Pouca gente ganhou muito dinheiro vendendo e recomprando Petrobrás. Mas não só Petrobrás.

Um pequeno grupo de empresas viu suas ações oscilarem na Bovespa na razão inversa da petroleira: os chamados "papéis Dilma". Se a presidente subia nas pesquisas, eles disparavam junto. Se caía, despencavam. As estrelas do pacote eram as donas de faculdades. Terá o mercado adivinhado que o lema do segundo mandato da presidente seria "Pátria educadora"? Não, só fez contas.

Desde que o governo federal começou a mudar as regras de acesso ao Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), em 2010, ser dono de muitas faculdades passou a ser o que há de mais próximo ao capitalismo sem risco no Brasil. O aluno assume um financiamento no Fies, e a faculdade tem a garantia de que receberá integralmente e na data certa o valor da sua mensalidade. Se o aluno não pagar o financiamento, o problema é seu, meu, nosso.

O negócio é tão bom que o Fies foi tomado de assalto - no bom sentido - por educandos e educadores. Desde 2010, o volume de recursos do Tesouro transferidos para os cofres das faculdades dobra todo ano: de R$ 1,1 bilhão, pulou para R$ 13,4 bi em 2014. Mas, como demonstraram os jornalistas Paulo Saldaña e Rodrigo Burgarelli, tanto dinheiro não acelerou o acesso de jovens à educação superior além da taxa histórica de crescimento.

O que aconteceu foi que as faculdades "securitizaram" os alunos que já tinham - usando incentivos criativos para que aderissem ao Fies, zerando assim a inadimplência das mensalidades. Alguns grupos se beneficiaram mais do que outros e ficaram com uma parte recorde de recursos públicos - desbancando empreiteiras e laboratórios no ranking de transferências do Tesouro.

Em 2014, o grupo Kroton/Anhanguera recebeu pouco mais de R$ 2 bilhões do governo federal. Nunca antes um grupo privado recebeu tanto dinheiro do Tesouro em tão pouco tempo. Tudo legal. É que a maioria dos seus estudantes está hoje garantida pelo Fies.

Essa agressividade foi recompensada também pelo mercado financeiro. Nove entre dez fundos de ações passaram a incluir a companhia em seu portfólio. Como resultado, as ações da Kroton tiveram uma valorização de mais de 500% entre março de 2012 e novembro de 2014. Ao mesmo tempo, o Ibovespa caiu 18%.

A Kroton foi a estrela da festa, mas não brilhou sozinha. Outros grupos educacionais também receberam centenas de milhões de reais do Fies e viram suas ações se valorizarem muito acima da média das outras empresas brasileiras ao longo dos últimos anos. Foram os casos da Gaec Educação e da Estácio Participações.

O champanhe começou a azedar, todavia, em 27 de novembro de 2014. Coincidentemente, essa data marca o pico de valorização das ações das três empresas Fies-dependentes. Desde então, caíram mais que a Petrobrás (com Lava Jato e tudo). O que aconteceu naquela quinta-feira que estragou a festa de Kroton, Gaec e Estácio? Dilma confirmou Joaquim Levy como ministro da Fazenda.

Precisando cortar gastos para equilibrar as contas, não deve ter sido difícil ao novo ministro perceber que o Fies era um ponto muito fora da curva. Para consternação do mercado e das faculdades, o Ministério da Educação impôs várias mudanças restringindo o acesso ao programa, no final de dezembro.

Desde então, o lobby dos Fies-dependentes educou Brasília. Para o contra-ataque, contatou a banda oposicionista do PMDB. Na quinta-feira, o governo reverteu parte das restrições ao Fies. O MEC só anunciou as mudanças no fim da tarde, mas, curiosamente, as ações da Kroton disparavam desde a abertura do pregão, logo pela manhã. Foram as que mais subiram naquele dia. Pátria educadora é isso.

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