quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Merval Pereira - Críticas ao distritão

- O Globo

A proposta do distritão na reforma eleitoral que a Câmara começará a debater depois do carnaval, ao mesmo tempo em que parece ter a preferência de uma maioria que vai se consolidando entre os parlamentares, tem adversários, especialmente entre os estudiosos de sistemas eleitorais como o cientista político Jairo Nicolau, professor da UFRJ.

Ele caracteriza a substituição do atual modelo de representação proporcional, no qual os votos dos candidatos de um mesmo partido ou coligação são somados, por um em que os mais votados são eleitos por seus votos individuais como sendo um modelo em que "todos concorreriam contra todos". Nicolau teme que esse modelo, que ele considera o pior de todos existentes, radicalize dois problemas do sistema representativo brasileiro: o hiperindividualismo e a hiperfragmentação.

"Os partidos terão o papel apenas de escolher os candidatos, particularmente os bons de voto, para concorrer. As campanhas serão um território sem nenhuma solidariedade e coordenação entre os partidos, no qual cada nome pede voto para si, sabendo que terá que ultrapassar os milhares de concorrentes", prevê.

A probabilidade de atrair quadros não formados nas legendas é bem maior que no atual sistema, avalia o cientista político. "Sem contar que esse sistema tenderá a sobrerrepresentar candidatos das áreas mais populosas e provavelmente elevará os gastos; quanto mais competitiva, mais os candidatos tendem a gastar".

Nicolau diz que o sistema já é tão personalizado que é difícil os eleitores entenderem que votam em uma lista. "Por isso, a transferência de votos de um puxador (seja ele o Jean Wyllys ou Enéas) para outros nomes espanta tanto". No distritão haveria um problema contrário, na visão de Nicolau: a incapacidade de os partidos coordenarem seus votos. "Imagina um líder sindical "sugando" os votos de outros sindicalistas menos conhecidos da chapa. O partido não pode pedir para os eleitores não concentrarem seus votos neste nome. Isto acontecia no Japão e era uma dor de cabeça para os dirigentes."

Nicolau ressalta que atualmente o distritão não é usado em nenhuma democracia tradicional. Os únicos que o utilizam são a Jordânia e o Afeganistão. O sistema, usado no Japão pós-guerra, foi abandonado após escândalos na década de 1990. "Diversos estudiosos apontaram o distritão japonês (e lá o país era recortado em pequenos distritos de até 5 representantes) com um dos principais responsáveis pelo clientelismo, pela corrupção eleitoral e pela fragilidade dos partidos".

O modelo de representação proporcional utilizado no Brasil, definido na Constituição, este ano faz 70 anos e foi usado pela primeira vez em 1945. O ex-deputado Alfredo Sirkis, que participou da comissão que fez a proposta de reforma que será a base das discussões, acha que o distritão "liquida definitivamente os partidos como instrumento ideológico-programático e consagra-os como são na política brasileira: ferramentas de participação em eleições e na ocupação de "espaços" de poder nas quais o personagem central é o político, e a política vista como uma carreira profissional".

Ele diz que, embora tenha se colocado contra essa visão da política, admite que "os partidos
programáticos/ideológicos dos anos 80 como o PT e o PV (e outros da esquerda) foram fagocitados pela cultura política (o PT como tragédia e o PV como farsa). Então, reconheço que o distritão é uma forma de assumir a política brasileira como ela é: altamente personalizada".
Sirkis acha, porém, que "não é evidente" que o distritão, embora seja o sistema que a opinião pública melhor absorva, por entrarem os mais votados e descartar as "caronas de legenda", consiga prevalecer. "Ele necessita de emenda constitucional e ferra o "baixo clero"".

Estudos feitos pelo DIAP, com números das eleições de 2010 e 2014, mostram que os principais beneficiários, com o distritão e com o fim das coligações proporcionais, nas duas alternativas são os 3 maiores partidos: PT, PMDB e PSDB. Entre os médios, PP, PR, PSB e PDT perderiam nos dois cenários. O DEM ganharia com o distritão e perderia com o fim das coligações, e o PTB empataria no distritão e perderia com o fim das coligações. O PSOL ganharia com o distritão. E perderiam nas 2 hipóteses o PTdoB, o PHS, o PRB, o PRB e o PSL.

Um comentário:

Anônimo disse...

Cada país tem sua experiência. A nossa diz que o atual sistema eleitoral não funciona.O voto distrital é uma tentativa para se experimentar.seja como for, dizer "reforma política" ainda é muito forte , pois deveria incluir também, a mudança no sistema de governo, adotando o semi presidencialismo.