sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Míriam Leitão - Sinais do crédito

- O Globo

Os sinais emitidos pela concessão de crédito estão preocupantes. Os dados de janeiro divulgados pelo Banco Central mostram que os empréstimos do BNDES despencaram e há uma forte retração nos financiamentos para empresas no crédito livre. Há linhas encolhendo mais de 60%. Os juros estão mais altos; os bancos, receosos; e as empresas, querendo evitar dívidas.

A mudança de postura do BNDES é a que mais chama atenção. O crescimento dos empréstimos nos últimos anos, promovido pela antiga equipe econômica, era insustentável, e agora a correção está muito forte. Para se ter uma ideia, a concessão de crédito para os investimentos despencou 64% de dezembro para janeiro. Em valores nominais, o tombo foi de R$ 21,9 bilhões para R$ 7,8 bi. Até mesmo na comparação com o mesmo mês do ano passado a redução é grande, de 43%.

Isso não é decorrente da decisão de suspender os repasses para o BNDES, porque o banco até 2008 viveu sem essas transferências, sendo financiado pelo FAT e pelo retorno dos empréstimos. Há hoje na economia brasileira um medo de emprestar e isso pega até o BNDES. A taxa de juros do banco para o investimento também teve uma forte alta, de 7,1% para 8,2%. Com a deterioração fiscal e o aumento da Selic, o Tesouro tem tido cada vez mais dificuldade de financiar essas linhas, que são subsidiadas. A indústria de máquinas já sente os efeitos desse aumento.

- Para os investimentos, os juros fazem parte do preço. Ninguém encomenda uma máquina ou outro bem de capital pagando à vista. É sempre via financiamento - explicou Lourival Júnior Franklin, chefe de gabinete da presidência da Abimaq, associação que representa a indústria fabricante de máquinas.

O chamado crédito livre, ou seja, aquele que não recebe nenhum tipo de subsídio, também está em forte queda para as empresas. Segundo Nicola Tingas, economista-chefe da Associação Nacional das Instituições de Crédito, Financiamento e Investimento (Acrefi), os números mostram que há um esfriamento muito grande do nível de atividade neste início de ano. A concessão para desconto de duplicatas caiu 28%; para desconto de cheques, 16%; e para antecipação de faturas de cartão recuou 32% sobre dezembro. Há quedas fortes também em relação ao mesmo mês do ano passado.

- As empresas estão faturando menos neste início de ano. Por isso, elas têm menos duplicatas, menos cheques e menos antecipação de cartão para fazer. Será muito difícil escapar de um PIB negativo neste primeiro trimestre do ano - afirmou o economista.

Tingas cita indicadores divulgados pela CNI, que mostram o menor nível de confiança dos empresários industriais desde 1999. Isso explica a menor propensão para endividamento. Quando a confiança cai, os empresários não investem e reduzem produção. O índice de intenção de consumo, medido pela CNC, também caiu ao nível mais baixo da série, que começou em 2012, reflexo da alta da inflação e de números menos favoráveis no mercado de trabalho. A alta dos preços reduz renda disponível, o risco de desemprego diminui o ímpeto de consumo. Ontem, o IBGE divulgou alta de 1% no desemprego em janeiro.

- Há estoques elevados, juros mais altos e um sentimento generalizado de confiança baixa. O noticiário é muito negativo, com notícias da Petrobras e da operação Laja-Jato. As empresas estão fugindo dos bancos, e os bancos sobem juros porque o risco de emprestar é maior. A Selic está mais alta - explicou Tingas.

A empresa que precisa tomar crédito para o dia a dia encontra linhas mais caras. As taxas cobradas no desconto de duplicatas subiu 3,9 pontos de dezembro para janeiro. Os juros da antecipação de crédito do cartão subiram 6 pontos. Os consumidores sentem o mesmo efeito. O cheque especial teve aumento de juros de 7 pontos, chegando a 208% ao ano. Até o crédito consignado subiu, seja para trabalhadores públicos ou privados.

Os efeitos da alta dos juros e do aumento do IPI provocaram uma forte retração no financiamento de veículos. Em janeiro, houve queda de 23% na concessão a pessoas físicas para a compra de carros, uma redução nominal de R$ 10,1 bilhões para R$ 7,7 bi.

As concessões de crédito para o consumo e para o investimento estão encolhendo ao mesmo tempo.

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