terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Quando o crime compensa – Editorial / O Estado de S. Paulo

Na semana passada, o coordenador da força-tarefa da Operação Lava Jato, procurador da República Deltan Dallagnol, e mais oito procuradores federais propuseram à Justiça Federal do Paraná 5 ações de improbidade administrativa contra 6 grupos econômicos e 28 executivos por danos à Petrobrás, no âmbito do chamado petrolão. Argumentam os procuradores que "empresas corrompem porque os benefícios são maiores do que os custos". Envolvem-se em esquemas de corrupção, portanto, com base em uma "decisão racional". Em outras palavras: o crime compensa.

Essa iniciativa dos procuradores federais paranaenses, cujo objetivo imediato é endurecer as punições às empreiteiras de obras públicas envolvidas no escândalo da Petrobrás, visa um alvo mais amplo que é o de criar condições para "reverter essa equação" do custo-benefício. E dessa perspectiva coloca em foco a questão essencial do tratamento que deve ser dispensado, do ponto de vista administrativo e civil, às pessoas jurídicas condenadas por práticas contra a administração pública.

Essa matéria é objeto da Lei 12.846, de agosto de 2013, conhecida como Lei Anticorrupção, que estabelece, em seu artigo 2.º, que "as pessoas jurídicas serão responsabilizadas objetivamente, nos âmbitos administrativo e civil, pelos atos lesivos previstos nesta lei praticados em seu interesse ou benefício", responsabilização que, nos termos do artigo 3.º, "não exclui a responsabilidade individual de seus dirigentes ou administradores".

O debate dessa questão é importante e oportuno porque, por razões de variada natureza - inclusive o indefectível apelo ao "interesse social" frequentemente usado como pretexto para tudo nos governos populistas -, transparece claramente, em setores oficiais afinados com os interesses das defesas das empreiteiras investigadas pela Lava Jato, uma tentativa de consagrar a tese de que é preciso punir dirigentes culpados, mas preservar as empresas a qualquer custo.

Dilma Rousseff, com a responsabilidade de sua investidura, proclamou em mais de uma oportunidade, inclusive na abertura da primeira reunião ministerial de seu segundo mandato: "Nós devemos punir as pessoas e não destruir as empresas. As empresas, elas são essenciais para o Brasil".

A afirmação da presidente da República pode ser interpretada como uma defesa da Petrobrás, que já no discurso de posse ela apontara como "alvo de um cerco especulativo de interesses contrariados", entre eles os daqueles que ambicionam "privatizar" a empresa.

Cada vez mais, porém, fica claro que - seja por acreditar na hipótese discutível, mas benevolente, de que sem as grandes empreiteiras para construir grandes obras o País para e milhões de trabalhadores ficarão sem emprego, seja porque interessa, politicamente, uma composição que iniba a potencialmente perigosa hostilidade dos grandes empreiteiros - o Palácio do Planalto e o lulopetismo não têm nenhum interesse em levar às últimas consequências a reiteradamente proclamada intenção de Dilma de "extirpar a corrupção, doa a quem doer".

Reforçam essa evidência as trapalhadas do ministro da Justiça na tentativa de explicar seus contatos com advogados das empreiteiras, a peregrinação de representantes dessas empresas ao Instituto Lula e, de modo inequívoco, o acordo de leniência com aquelas corporações que está sendo defendido, em nome do governo, tanto pela Controladoria-Geral da União (CGU) como pela Advocacia-Geral da União (AGU). O ministro Luís Inácio Adams - quem diria - entende que esses acordos não interferem na área penal e por isso não prejudicam o julgamento dos eventuais réus.

Entidades representativas de auditores e procuradores, no entanto, contestaram Adams por meio de nota oficial distribuída à imprensa no fim de semana: "O acordo tem, sim, considerável repercussão penal, com a extinção da punibilidade do crime de cartel por ato administrativo, o que impede o Ministério Público de oferecer denúncia na esfera penal".

A Lei Anticorrupção está aí para ser aplicada. Pois, como argumentam os procuradores federais do Paraná, só a punição rigorosa das pessoas jurídicas, doa realmente a quem doer, é capaz de "reverter a equação" que tem levado as empreiteiras a concluir que o crime compensa.

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