quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

Venezuela - Violência contra impopularidade

• Com aprovação na casa de 20%, Maduro aposta em cerco a opositores para mobilizar chavistas

Janaína Figueiredo – O Globo

BUENOS AIRES - O pano de fundo da nova crise política que paira sobre o Palácio Miraflores é a expressiva queda da popularidade do presidente Nicolás Maduro, consequência, principalmente, da gravíssima situação econômica que atravessa o país. Essa é a opinião de vários analistas políticos venezuelanos, que lembram, em momentos em que o governo intensifica sua ofensiva contra dirigentes da oposição, que as últimas pesquisas que circularam na Venezuela mostraram que a imagem positiva de Maduro rondava em torno de 20%. Até mesmo empresas de consultoria consideradas alinhadas com o chavismo, como a Hinterlaces, divulgaram dados que preocuparam o governo de Maduro. Em entrevista ao programa de TV apresentado pelo ex-vice presidente José Vicente Rangel, o diretor da Hinterlaces, Oscar Schemel, admitiu que sete de cada dez venezuelanos sentem-se "profundamente desesperançosos" com o futuro do país. A nova cruzada contra opositores, apontaram analistas locais, busca recuperar a iniciativa política perdida e fortalecer a frágil liderança de Maduro, dentro e fora do chavismo.

Ontem, o deputado opositor Julio Borges, uma das figuras de proa do partido Primeiro Justiça, peça central da Mesa de Unidade Democrática (MUD), continuava esperando a abertura de um processo por parte de congressistas chavistas, passo prévio para a cassação de seu mandato, consequente suspensão de imunidade e possível detenção. Como o prefeito de Caracas, Antonio Ledezma, preso quinta-feira passada e trasladado para a prisão militar de Ramo Verde, o mesmo lugar onde está detido Leopoldo López, presidente do partido Vontade Popular, Borges é acusado pelo governo de estar por trás de um suposto plano de golpe contra Maduro. A União Europeia expressou ontem preocupação pela perseguição a opositores venezuelanos e pediu ao governo de Maduro que respeite a liberdade de expressão e os direitos fundamentais.

Mas Maduro, que atingiu um piso de popularidade jamais alcançado por seu antecessor, Hugo Chávez, não parece disposto a recuar.

- Acabou-se... ou vão pela via legal ou irão para a prisão todos os que estão conspirando - declarou o chefe de Estado.

O governo insiste em denunciar uma suposta tentativa de golpe - pela 16ª vez desde que chegou ao poder, em abril de 2013. Se Borges tiver seu mandato cassado, será o quinto congressista da oposição a perder sua imunidade. Até mesmo intelectuais que apoiaram o governo Chávez, como Nicmer Evans, hoje integrante do movimento Maré Socialista, que optou pela dissidência desde que Maduro chegou ao poder, questionam o caminho escolhido pelo presidente. Para ele, o chefe de Estado está em seu pior momento pela "ausência de credibilidade de suas ações, de democracia dentro do partido, a desconexão com as necessidades das bases e o excesso de privilégios dos funcionários públicos".

- Maduro começou seu governo com uma aceitação herdada, mas sua falta de capacidade o desconectou do povo - enfatizou Evans.

Estudante morto pela polícia
O risco de novos cenários violentos é grande. Ontem, o estudante Kluiver Roa, de apenas 14 anos morreu, atingido por uma bala perdida da Polícia Nacional Bolivariana em San Cristóbal, estado de Táchira. O tiro teria sido disparado para dispersar uma manifestação contra o governo. No início do mês, o governo divulgou uma resolução que autoriza o uso de força letal para reprimir manifestações que alterem a ordem pública.

"O decreto que autoriza o uso de armas letais em manifestações deve ser revogado. Não basta investigar o que aconteceu", escreveu no Twitter Tamara Suju, diretora da ONG Foro Penal Venezuelano.

Na opinião da jornalista e analista política Argelia Ríos, com os ataques à oposição e aos estudantes, o governo está tentando provocar novas manifestações nas ruas, porque é onde tem mais chances de vencer a batalha.

- No ano passado, morreram 43 pessoas e quem ganhou foi o governo: a oposição ficou enfraquecida. O que querem agora é levar as pessoas para a rua, por isso tantas provocações - disse a analista, que teme que a perseguição a opositores se intensifique nas próximas semanas. - Vão deter Borges e podem ir muito além disso. Este é um governo fraco em termos de popularidade, mas não podemos esquecer que é quem tem o poder de fogo e a força.

Ciente dos riscos, a oposição pediu à Organização de Estados Americanos (OEA) que convoque uma reunião para discutir a delicada situação dos direitos humanos no país. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), ligada à OEA, expressou ontem sua "profunda preocupação" pela situação política venezuelana e a consequente vigência dos direitos humanos, em particular a prisão de civis em instalações militares. "A Comissão recorda ao Estado da Venezuela sua obrigação de garantir a vida, a integridade e a segurança de todas as pessoas privadas de liberdade, assim como condições de detenção conforme os padrões internacionais na matéria", disse a CIDH em comunicado.

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