quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Vinicius Torres Freire - Coletes à prova de dólar alto

• Empresas fizeram mais dívida externa, que "parece segura", mas pode haver gente nadando nua

- Folha de S. Paulo

As empresas brasileiras estão arrumadas para enfrentar uma desvalorização persistente do real? As informações mais brutas, os "dados agregados" a respeito de endividamento e proteção ("hedge"), dão indícios de que sim.

No conjunto parece haver cobertores para os passivos em dólar. Caso a caso, não se sabe bem. Balanços de empresas maiores aparentam prudência. Mas pouco se sabe de empresas que não têm capital aberto. Há certos empréstimos, feitos por subsidiárias no exterior ou "outros veículos offshore", sobre os quais há escassa informação ou regulação. É o que diz, por exemplo, o trabalho de Fabiano Rodrigues Bastos e colegas, publicado em janeiro pelo FMI.

De resto, sempre pode haver rolos ocultos, gente nadando pelada, o que se vai saber apenas se a maré baixar, como foi o caso dos derivativos cambiais de 2008, uma irresponsabilidade que levou grandes empresas brasileiras para o bico do corvo (e para as asas do governo).

No caso da Petrobras, o dólar alto como está fura os planos de não precisar completar o caixa neste ano. A petroleira disse em dezembro que, com o barril a US$ 70 (anda por volta de US$ 50) e o dólar a R$ 2,60, não precisaria tomar mais empréstimo ou fazer mais corte em 2015. Está mais difícil de dar certo.

Na América Latina, houve um salto do endividamento das empresas não financeiras entre 2009 e 2013, em parte estimulado pela abundância de capital barato no mundo.

No conjunto, as novas dívidas, mais em títulos, menos com bancos, teriam uma cara boa, além de prazos melhores, taxas fixas, muitas com "hedge natural" (empresas que faturam em dólar). A dívida cresceu mais do que receita e investimento, mas as empresas ficaram com mais caixa. Não parece haver alavancagem excessiva, o serviço das dívidas não é exagerado, dizem Bastos e colegas no trabalho para o FMI, que, no entanto, alertam para o "risco de complacência".

Nouriel Roubini fez um resumo um tanto alarmado de estudos recentes sobre dívidas e "cantos mal iluminados" das finanças corporativas latino-americanas. Quais os problemas para o Brasil?

Primeiro, o ajuste fiscal vai acabar com o dinheiro barato ou grátis oferecido pelos bancos públicos.

Segundo, preocupa a dívida mais obscura tomada por meio de subsidiárias no exterior e "outros veículos offshore". Por vezes, o dinheiro entra no país como investimento estrangeiro direto (em tese, investimento "na produção", em novos negócios etc.). Mas pode ser que as empresas levantem capital barato lá fora a fim de ganhar com os juros aberrantes daqui. Sem entrar na discussão dessas aparências que enganam, não se sabe se a especulação é prudente ou desmedida.

Terceiro, seria bom para a economia que o Banco Central deixasse o real se desvalorizar, reduzindo aos poucos o seu programa de "swaps" cambiais, pelo qual vendeu o equivalente a mais de US$ 100 bilhões. Apesar de recomendável, do ponto de vista macroeconômico, o enxugamento do programa de "swaps" poderia estremecer as finanças de empresas.

Quarto, há a crise legal e financeira da Petrobras, que bate fornecedores e no crédito externo das empresas afetadas.

O governo tem checado se há gente andando nua?

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