sábado, 21 de março de 2015

Arroubo orçamentário – Editorial / Folha de S. Paulo

• Congresso amplia fundo partidário, medida que, na contramão do que seria recomendável, incentiva a multiplicação de legendas

Em fevereiro, ao aprovarem o repasse obrigatório de recursos para emendas parlamentares, deputados e senadores já haviam demonstrado o quanto se pautam antes pelas próprias conveniências do que pelos interesses do país. Agora, ao votarem o Orçamento de 2015, deram um passo a mais no caminho da desfaçatez.

A peça que saiu do Congresso rumo à sanção presidencial reserva para o fundo partidário neste ano nada menos que o triplo do valor proposto pelo Executivo. O montante saltou de R$ 289,5 milhões para R$ 867,5 milhões.

O aumento, criticável em qualquer circunstância, torna-se ainda mais condenável quando se tem em mente que o governo busca aprovar medidas para reequilibrar as contas públicas. As iniciativas, como aumento de tributos e cortes de gastos, deveriam se distribuir por todos os setores da sociedade.

Sem que exista razão para isso, os parlamentares parecem julgar-se membros de um grupo especial, merecedor de todo tipo de regalias e imune ao racionamento financeiro.

Essa avidez por recursos públicos decerto não ajuda a recuperar a imagem do Congresso, deteriorada como em poucas vezes na história. Segundo pesquisa Datafolha feita nesta semana, 50% dos brasileiros consideram ruim ou péssimo o desempenho dos legisladores, e só 9% aprovam seu trabalho.

A esses dois argumentos conjunturais --a situação econômica do país e a baixa popularidade do Legislativo-- ainda se soma um terceiro motivo, estrutural, para censurar a ampliação do fundo partidário. Os efeitos da medida vão na contramão de um raro consenso de reforma política: a necessidade de diminuir o número de siglas.

Garantido pela Constituição de 1988, o fundo surgiu com vistas a fortalecer as legendas, assegurando sua diversidade e autonomia financeira. Seus recursos provêm sobretudo do Orçamento da União, mas também de multas aplicadas pelo Tribunal Superior Eleitoral.

Nos últimos anos, de forma discreta, os congressistas vinham incrementando essa fonte de receita. Se abandonaram o comedimento, foi porque a multiplicação de partidos na Câmara pulverizou as quantias distribuídas. Em 1994, havia 16 legendas representadas nessa Casa; o total passou a 22 em 2010 e chegou a 28 após o último pleito.

Deve-se considerar, além disso, que a Operação Lava Jato pode afugentar doadores. O fundo partidário, nesse caso, transforma-se, para as agremiações mais afetadas, numa espécie de seguro --pago com o dinheiro do contribuinte.

Se estivessem interessados em melhorar o sistema político, os legisladores poderiam ter aproveitado o momento de aperto para levar adiante discussões sobre uma cláusula de desempenho, a fim de que agremiações pouco representativas tenham direito a pouquíssimo tempo de TV e acesso limitadíssimo ao fundo partidário.

Fizeram o contrário, contudo, reforçando a percepção de que, no Brasil, criar partidos é sempre um ótimo negócio.

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