quarta-feira, 25 de março de 2015

Em 25 de março de 1922 nascia o PCB

Por sete décadas, os comunistas brasileiros protagonizaram grandes lutas e tiveram líderes como Astrojildo Pereira, Caio Prado Jr., Luiz Carlos Prestes, Giocondo Dias e Armênio Guedes. Nesta data histórica em que nascia um tradição de esquerda no Brasil, referenciamos a Armênio Guedes, falecido na semana passada, no dia 12, aos 96..anos. Este militante comunista é um símbolo do pensamento político que, após 1958, iria renovar o PCB e marcar a esquerda brasileira com uma cultura que valoriza a politica como instrumento de mudança e a democracia como forma de vida dos brasileiros.

Reproduzimos abaixo o artigo escrito por Raimundo Santos como introdução à coletânea de textos de Armênio Guedes chamada de "O pensamento político de Armênio Guedes", editada pela Fundação Astrojildo Pereira e a Editora Contraponto, em dezembro de 2012.

O marxismo político de Armênio Guedes

Estas notas introdutórias procuram desenvolver a proposição de que a identidade do PCB se refunda quando os pecebistas passam a valorizar a política a partir do suicídio de Getúlio Vargas, em 24 de agosto de 1954 e, sobretudo, no tempo subsequente ao relatório sobre a Era Stalin, apresentado por Nikita Kruschev ao XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética (PCUS), no começo de 1956.{1}

A feição de “esquerda positiva” (expressão cunhada por Santiago Dantas, no imediato pré-64), com que os comunistas irão ser vistos, vai se apoiar em uma elaboração que surge naqueles anos de instabilidade e crise profunda do movimento comunista internacional. As novas ideias despontam no PCB, através de textos publicados na imprensa pecebista, por vários militantes envolvidos na controvérsia sobre o stalinismo, dentre eles Armênio Guedes, “a figura que mais influiu na orientação política do partido durante várias décadas”, como diz o veterano comunista Marco Antônio Coelho (COELHO, 2010).

A renovação desses anos, que levará o PCB cada vez mais à atua- ção pública sem reservas e a exercer função nacional, começa após o 24 de agosto de 1954, quando os comunistas viram desmoronar sua “tática radical” e “sectária” (usando termos de época) do Manifesto de Agosto de 1950. Essa tática tinha por objetivo a derrubada do “governo de traição nacional”, palavra de ordem dirigida a Dutra e ainda repetida em 1954 contra Getúlio, cujo governo, sob cerrada oposição de direita, o próprio presidente pôs término com o ato extremo do suicídio. Então, levado pelos fatos, o PCB muda de rumo alinhando- -se à reação antigolpista{2}. Na eleição de 3 de outubro de 1955, os comunistas apoiam a coligação PSD-PTB e vivem o movimento do general Teixeira Lott, de 11 de novembro, que assegurou a posse de Juscelino, no início de 1956.

Esse tipo de experiência abre ao PCB o caminho para uma prática de responsabilidade política, como certa vez a chamou Hélio Jaguaribe, reclamando, no entanto, do contraste entre a postura construtiva dos pecebistas e sua doutrina (o isebiano certamente aludia ao marxismo-leninismo) que não lhe era homóloga (JAGUARIBE, 1977, apud MARÇAL BRANDÃO, 1992). Referindo-se à militância comunista no Brasil entre as décadas 1950-1970, o próprio Armênio Guedes registra outra dimensão da longa presença do seu partido na vida nacional: “Pode-se agora avaliar, com muita clareza, o papel desempenhado por ela na educação e na formação de uma boa parte dos quadros que estão hoje ocupando postos de direção na vida política do país” (GUEDES, 2000). Esse é o partido que o país guarda na memória, hoje valorizado como fonte do pensamento democrático do campo marxista brasileiro e de uma cultura política ainda levada muito em conta por vários ambientes de esquerda.

O realismo político que emerge no PCB dos anos 1950 – no início da década, sob forma dispersa nas dissidências de comunistas que resistiam a cumprir consignas desproporcionais ao momento adverso do governo Dutra (cf. CAVALCANTE, 1983) e fruto da crise de 1954 – não é suficiente para levar o partido desde o seu redirecionamento após o 24 de Agosto até a afirmação de um caminho peculiar à revolução no Brasil. A nova política do PCB, anunciada, em março de 1958, pela resolução do Comitê Central, conhecida como Declaração de Março, tem por base as proposições renovadoras vindas dos debates sobre o XX Congresso do PCUS. No entanto, essa reorientação que levaria o PCB adiante não advém da direção partidária, como se pode ver na sua postura nos meses seguintes ao suicídio de Getúlio. Referimo-nos às teses por ela propostas ao IV Congresso, realizado entre novembro de 1954 e fevereiro de 1955, que ratificaram (as teses foram aprovadas por unanimidade, cf. VINHAS, 1982) a diretriz da derrubada do “governo de traição nacional”, tática, como veremos com detalhe mais adiante, distanciada da realidade nacional e sem qualquer validade.{3} Recordemos, todavia, que, na discussão sobre o stalinismo no PCB, não foi pequena a oposição (de algumas organizações intermediárias e áreas militantes) à vertente renovadora, campo ao qual, desde o seu primeiro momento, pertencem os dois autores – Armando Lopes da Cunha e Armênio Guedes – recenseados na presente introdução, principalmente Guedes.

A ação formulativa da nova estratégia nasce da confluência de dois eventos de forte repercussão no PCB: o 24 de Agosto, pondo em crise sua orientação antiga, e o XX Congresso do PC soviético, cujas revelações erosionam os seus princípios marxistas-leninistas. Os quadros renovadores não se deixam subsumir à luta pela defesa desses princípios que exauria o PCB, sem lhe indicar rumo. Ao contrário, associam suas reflexões à circunstância de sentido democratizante que começara a se afirmar por força do episódio de agosto de 1954. Desde tal ponto de vista, eles procurarão ver, nas conjunturas da situa- ção política das duas crises (a nacional e a dos PCs), as possibilidades de o PCB vir a ter presença positiva no país. Eles veem o dinamismo na vida nacional do pós-54 e o abalo nas práticas e na ideologia comunistas como os dados do problema posto ao PCB, daí começando a se envolver com um labor formulativo visando chegar a uma orientação que reativasse o partido.{4}

Observemos que, com as novas ideias, o PCB passa a dispor de duas fontes que substantivavam sua tática, recebidas, entretanto, de modo diferenciado. A primeira e mais antiga, digamos, mais de tipo “programático” (mas não só), era oferecida por Caio Prado Jr.,
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cujo pensamento já se conhecia pela publicação dos seus livros clássicos Evolução política do Brasil (1933), Formação do Brasil contemporâneo (1942) e História econômica do Brasil (1945). Influente no sindicalismo camponês praticado pelos comunistas desde os primeiros anos 1950 (ver PCB, 1952, e SANTOS; CARVALHO COSTA, 1997), o aporte do historiador não é considerado no programa do PCB. Teria sido de muita valia a apropriação das teses a respeito da singularidade brasileira (PRADO JR., 1933; 1942; 1945) e especialmente do reformismo reestruturador da economia, tal como é exposto no seu livro Diretrizes para uma política econômica brasileira, de 1954.{5}

Entretanto, àquela época, o reformismo caiopradiano é visto como uma versão do nacional-reformismo (termo com que a direção do PCB expressa sua reserva ante a discussão isebiano-cepalina), no caso, à controvérsia sobre o tema posto na ordem do dia daqueles anos 1950: as reformas de estrutura, mais precisamente, as diretrizes da “política econô- mica brasileira” (como se vê, o historiador, não por acaso, pôs esse nome no seu livro de 1954).{6} As análises dos seus artigos sobre a realidade brasileira divulgados pela Revista Brasiliense tampouco foram levadas em conta nas diretrizes para o trabalho político dos comunistas, mesmo sendo contribuição igualmente extraída da sua teoria da formação social brasileira, inclusiva, portanto, das dimensões econômica e social, do Estado e da política (por exemplo: PRADO JR., 1956a, 1956b, 1962; 2007).

Em relação à segunda fonte, a das ideias renovadoras gestadas na controvérsia sobre o XX Congresso, acima referidas, registremos, por enquanto, que elas têm melhor recepção no PCB, embora experimentem resistências internas, mas não como as que encontrava Caio Prado Jr. Aliás, essas formulações revisionistas não se referem às proposições do intelectual paulista, diferentemente – não há porque não fazer a comparação – da elaboração do caminho italiano para o socialismo anunciado também em 1958, na qual o pensamento gramsciano exerceu muita influência (TOGLIATTI, 1958; 1966). Anotemos também que o desaproveitamento da obra de Caio Prado Jr. por parte das duas alas do partido – os renovadores e os círculos dirigentes – deu-se naquela época e depois, na segunda renovação pecebista dos últimos anos 1970 e começo da década de 1980.

O insucesso do historiador no seu partido aumenta o interesse em ver como as ideias renovadoras são legitimadas e acolhidas em uma cena partidária sob tensão latente entre a “conciliação” (termo usado em textos pecebistas) dos círculos dirigentes com a antiga mentalidade e a necessidade de eles próprios movimentarem o PCB por meio de orientação atualizada. Todavia, ao não se desenvolverem de forma progressiva, as novas teses formam intelectualmente áreas reduzidas, não sendo apropriadas no partido como um corpus seminal ao qual pudesse se referir um amplo contingente de militantes.

A divulgação pela imprensa pecebista dos escritos de diversos militantes renovadores entre outubro de 1956 e outubro de 1957, ao tempo que os dispôs à leitura de todo o partido, permite ver, no exame intertextual, o tipo de incorporação das suas proposições à Declaração de Março e aos documentos do V Congresso de 1960 (teses e resolução final). Nesse cotejo, notamos que essa absorção é efetiva, construtiva (dos novos lineamentos do PCB) e revela desencontros na elaboração da sua direção, como se pode ver se estendermos a comparação a alguns documentos posteriores.

Com efeito, o texto final do V Congresso de 1960 e outras resolu- ções trazem, nas suas diretrizes, teses da Declaração de Março. Essa associação prática entre as novas referências dispostas ao PCB e as linhas políticas desses documentos, norteadoras da atuação com que os comunistas são identificados, às vezes tem sido chamada de pecebismo contemporâneo.{7}  A expressão alude, por um lado, ao distanciamento da nova política de 1958 em relação ao determinismo doutrinário (ainda incompleto, como se vê na presença da teoria da contradição de Mao Tsé Tung nos textos de 1958 e do V Congresso) e, por outro, à natureza política que as diretrizes e as ações do PCB vão ganhando, justamente à medida que, na formulação do partido, reduz-se a força do marxismo-leninismo como lente de leitura da realidade. Nascido em meados dos anos 1950, o pecebismo contemporâneo não recebeu reflexão sistemática no interior do PCB, a não ser em tempo bem mais recente.{8}

A concretização da “revolução brasileira”
Passemos a apresentar a nova política, a partir de dois artigos de Armênio Guedes. Escrito no contexto dos debates sobre o XX Congresso do PCUS (1956-57), o primeiro deles, Algumas ideias sobre a frente única no Brasil, do final de 1957, apareceu no segundo dos seis números da revista Novos Tempos, editada nessa época por alguns renovadores; e o outro, Uma ação positiva das forças nacionalistas, foi publicado no jornal Voz Operária, três meses após a Declaração de Março de 1958. Armênio Guedes é o principal expositor das proposi- ções inovadoras e também quadro importante no processo de conversão do PCB em partido propriamente político, qualidade protagonizada pelos militantes mobilizados por uma concepção de via revolucionária (suas principais proposições) que propiciara a refundação pecebista na segunda metade do anos 1950.

Desde essa época, o nome de Guedes vem sendo identificado com a valorização da política no agir da esquerda marxista e leninista. Sua escrita, que não é muito extensa, ora pode ser vista nos jornais comunistas e em passagens dos documentos do partido, ora encontrada em revistas de esquerda para as quais escrevia artigos, inclusive na grande imprensa, como o Jornal do Brasil e o Jornal do Commercio no qual publicou texto sobre a crise do socialismo dos anos 1980.

É notável ver como dois traços permanecem no pensamento de Guedes – a previsão de cenários e a perspectiva de ação. Nas análises de conjuntura, campo do seu labor, o pecebista tanto procura guardar distância em relação ao tempo largo da doutrina como, nos momentos difíceis, sempre se opôs ao desespero imediatista, como costuma dizer ao relembrar a fase mais dura do regime de 1964 e a fragmenta- ção das esquerdas dessa época. A congruência das suas ideias pode ser observada nos escritos dos anos 1950 antes citados, na Resolução Política do Comitê Estadual do PCB da Guanabara de março de 1970, de sua autoria (cf. GUEDES, 1981), aqui também resenhada, no artigo O impasse político e a saída democrática (GUEDES, 1980) e ainda em outros textos, alguns deles também reunidos na segunda parte deste volume.

O caminho político da “revolução brasileira” desenhado por Guedes nos anos 1957 e 1958 provém de cometimento partidário, como, de resto, as formulações de comunistas desse e de outros tempos. No entanto, Guedes chama a atenção pelo ponto de partida que o distingue como formulador em meio ao clima de turbulência doutrinal que então paralisava o PCB. Ele vai adotar no tocante à relação entre a teoria e a prática – nevrálgica para o marxismo – o critério da prática política. Desde este prisma, Guedes pensa em uma tática que incida na conjuntura vivida pelos atores reais e aponte para um tempo da “revolução brasileira” diverso do tempo que aparecia em consignas ainda vigentes no PCB. O que o singulariza é o fato de sua elaboração trazer a ideia de revolução no Brasil para o “tempo presente”, tendo como perspectiva um horizonte relativamente próximo. Ou seja, ele refere sua construção formulativa à circunstância do pós-24 de Agosto, procurando divisar cenários em relação aos quais o protagonista pudesse fazer cálculo razoável e extrair referências para a ação.

As presentes notas enfatizam, na elaboração de Guedes, o ponto de vista político com o qual o autor põe atenção na vida nacional que à época tensionava o PCB. O analista centraliza o olhar na esfera pública, buscando onde os comunistas poderiam convergir com outras vertentes, começando pelas áreas que haviam se diferenciado no contexto do suicídio de Getúlio em oposição aos grupos conservadores que disputavam o controle da cena de governo.

Nos seus textos, Guedes termina por expor uma narrativa que envolvia a compreensão da circunstância e seus movimentos de mais alento, análises das conjunturas daquela situação política (1954-58) e diretrizes para a ação. Guedes parte da ideia de que apenas com o domínio do terreno seria possível balizar a prática partidária para que ela fosse atinente à realidade e eficaz. Ao lermos essa narrativa, estamos diante de uma imagem – construída no interior do PCB – da concretização da revolução no Brasil, isto é, da descrição de um processo revolucionário já em andamento naquele tempo presente em que ele dispõe suas ideias ao PCB.

No entanto, os textos de Guedes precisam ser associados a Armando Lopes da Cunha, um dos primeiros comunistas a se posicionar na imprensa partidária sobre o Relatório Kruschev, indo além da disputa principista que encobria a questão posta ao PCB: a revisão completa da sua tática. Lopes da Cunha observa que a tática que precisava mudar até ali se centrava na concepção de que “o processo de desenvolvimento do país e a conquista da sua plena independência só serão (seriam) possíveis após a derrubada do ‘atual governo’ (Dutra, depois Vargas – RS), visto como expressão pura e simples do regime de latifundiários e grandes capitalistas serviçais dos imperialistas norte-americanos” (LOPES DA CUNHA, 1956). Na crítica às concepções e prática do seu partido, esse autor realça a questão do estagnacionismo econômico, segundo ele, exagerada nos anos da Guerra Fria (o perigo de o Brasil tornar-se colônia dos Estados Unidos) e que ainda amparava aquela antiga diretriz mantida no IV Congresso, de dezembro de 1954:

Não há mais dúvida de que o país pode se desenvolver e caminhar rapidamente para sua independência nacional sem a prévia derrubada do ‘atual’ governo, e não há mais dúvida simplesmente porque isto está acontecendo sob nossos olhos. A necessidade de modificarmos nossas concepções programáticas é portanto patente, como patente é também que muito se pode avançar no sentido da independência e do progresso, bem como da própria modificação do governo, nos quadros da atual Constituição (...) (IBIDEM).

Lopes da Cunha extrai dessa proposição duas outras, interligadas:

Passaremos a ter que apresentar soluções positivas para os problemas brasileiros e deixaremos de criar dificuldades para a unidade de ação em prol da independência como por vezes tem ocorrido por estarmos imbuídos das mencionadas ideias programáticas que condicionam a tática estreita, sectária e exclusivista”(IBIDEM).

Podemos trazer do texto de Lopes da Cunha (escrito no governo JK) os seguintes pontos que vão compor orientação oposta à do IV Congresso: a) o reconhecimento do avanço capitalista no país;9 b) a tática das “soluções positivas”; c) a possibilidade de mudar os rumos do governo existente (e/ou ganhar apoio para formar um novo governo de frente única, como dirá, depois, Guedes); e d) a valorização da Constituição de 1946.

Guedes voltará a esses pontos de Lopes da Cunha para pensar em uma movimentação revolucionária por meio da “ação política” (expressão dele) nas conjunturas da circunstância do pós-54. Vale dizer, ação política eficaz se encaminhada conjuntamente com agrupamentos políticos (e sociais). A proposição do autor é a de que a coligação que vinha se configurando nos anos seguintes à crise de 1954 como Frente Nacionalista, ao se desenvolver, poderia propiciar transformações reformistas no país. Aliás, nesse tempo, a ideia de renova- ção nacional como um processo de mudanças estruturais – devemos acentuar este registro – não era exclusiva do nosso militante pecebista nem difundida apenas pelo PCB da Declaração de Março. Ela já estava em discussão em uma cena intelectual pública bem mais ampla do que a área de influência do partido, na qual, como Caio Prado Jr., vários outros autores não comunistas entendiam a “revolução brasileira” ou “pré-revolução brasileira”, no dizer de época de Celso Furtado, como reforma do capitalismo.

Guedes se torna o mais visível dos publicistas das novas ideias que obtém êxito no seu partido (ainda que parcial), possivelmente pela natureza da sua narrativa (referenciada ao mundo real brasileiro) nortear – por seus termos propriamente formulativos – ações práticas. Ele inclusive fez parte da comissão preparatória da Declaração de Março de 1958, composta por Giocondo Dias, Alberto Passos Guimarães e Mário Alves (GORENDER, 2011). No entanto, é plausível dizer que, em março de 1958, quando formalmente se encerraram os debates sobre o XX Congresso, Guedes não conta, no interior do PCB, sobremaneira na cúpula partidária, com o apoio dos renovadores ativos em 1956 e 1957, conquanto um grande número deles havia se marginalizado do partido. Hoje, quando consultado, Armênio Guedes se refere a Armando Lopes da Cunha como sendo um dos integrantes do que ele chama de “Sinédrio”, dando a entender que naqueles anos existia um grupo de quadros dispostos ao empreendimento renovador.

À medida que a controvérsia sobre o XX Congresso ganhava dimensão pública pelas páginas da imprensa partidária, as críticas da tática comunista (dissociada do mundo real) vêm dificultar, se tanto se pode dizer, o caminho livre à já aludida compulsão a resolver a questão do dogmatismo através de uma correição por meio dos princípios marxistas-leninistas. Esta crença aparece em textos publicados nos jornais pecebistas nos quais os seus autores intentam centralizar a discussão no tema partidário, sobremaneira nos desvios organizacionais (centralismo, mandonismo etc.), superáveis mediante revigoramento ideológico e reestruturações. Com esta mentalidade, segundo os argumentos de Lopes da Cunha e Armênio Guedes, o PCB continuaria à margem do Brasil dinâmico à vista de todos.

Contracorrente àquela propensão, os dois quadros intelectuais não submergem no mundo interno da doutrina. Pelo contrário, percebem que o choque de realidade provocado pelo suicídio de Getúlio e pelas revelações do XX Congresso, de um lado, e a compreensão do curso político que se firmara com a posse de JK (1956), de outro, precisavam ser processados em termos de uma orientação ao modo da via democrática ao socialismo do PCI. {10} Com o olhar centrado na circunstância do pós-24 de Agosto, aqueles pecebistas subiram à super fície em busca de uma tática que habilitasse, como diz Lopes da Cunha no texto acima citado, o PCB a movimentar “imensas forças dispostas a combater o imperialismo norte-americano e impulsionar o progresso do país”. Armando Lopes da Cunha e Guedes veem que a grande questão da “revolução brasileira” era justamente a frente única, então tida por eles (e muitos outros militantes pecebistas e não pecebistas) como a formação que podia – este é o seu realismo – adquirir presença efetiva na vida nacional e assim reunir energias para viabilizar metas parciais da revolução no Brasil.

Essa valorização da frente única não constitui um giro menor ou desvio direitista dos comunistas. A ativação da convergência pluriclassista era vista pelo Iseb, o PCB pós-58 e outros ambientes politico- -intelectuais, como condição para que o desenvolvimento do país prosseguisse num rumo progressista – com a reforma do capitalismo – em circunstância democratizante por meios institucionais (governo eleito, política econômica, leis etc.).{11}

Em Algumas ideias sobre a frente única no Brasil (1957), Guedes esboça o caminho da “revolução brasileira”, sem mobilizar dissertação sobre sua circunstância nacional, como fazem os grandes autores lidos no campo pecebista (Marx, Engels e Lênin).12 Guedes parte da crítica do dogmatismo predominante na mentalidade comunista e se debruça sobre a circunstância do ator revolucionário, realizando um movimento elaborativo de marxismo político. Para ele (e também para outros pecebistas da época), o dogmatismo não era apenas um descaminho devido à perda dos princípios doutrinários, mas um modo de pensar interposto à compreensão da realidade que ainda determinava a ação dos comunistas. 

No entanto, para Guedes, a abertura de vistas no PCB daquele momento de crise teórico-prática importava quebrar o elo principal do circuito das ideias marxistas-leninistas com as quais se movia o partido brasileiro no plano elaborativo. Um novo tipo de prática só adviria se a prática (tática) resultasse de uma elaboração intelectual com fins militantes referida ao mundo real, isto é, se resultasse de um cometimento destinado a incidir na política existente. Tal construção se contrapõe à tática sem referência na realidade efetiva, fixada por meio de uma formulação na qual a relação entre a teoria e a prática era mecânica, ou seja, unidas através da própria doutrina. Aqui reside o que, no marxismo, diferencia uma ação praticista da ação teoricamente orientada;13 no caso, balizada pela compreensão da circunstância pós- 24 de Agosto, mais precisamente, da situação política subsequente (1954-58) e suas conjunturas até aquele tempo presente em que Guedes apresentava suas análises políticas.

Com efeito, na narrativa composta pelos seus dois textos (em Algumas ideias sobre a frente única no Brasil, de 1957, e Uma ação positiva das forças nacionalistas, de 1958), Armênio Guedes vai referir a “revolução brasileira” àquela nova época da segunda metade dos anos 1950. Desvencilhado do longo prazo da doutrina, ele retém dos processos políticos (e econômico-sociais), então em andamento, movimentações relevantes à revolução reformista, buscando possibilidades de ação na conjuntura. Poder-se-ia dizer que o emblema posto a Guedes, nesses anos imediatamente anteriores à Declaração de Março, é o nexo 1954-55, conjuntura marcada por muitas tensões e pela presença de setores políticos e sociais, aos olhos do analista, dispostos cada vez mais a se mover em sentido progressista.{14}

Nos textos de Guedes, o tema da frente única “em ligação com a atual situação” (sic) lembra Duas táticas da social-democracia russa (1905), de Lênin. A leitura do artigo Algumas ideias sobre a frente única no Brasil evoca o texto clássico no sentido de que sua narrativa se assemelha à “teoria” organizadora das forças da revolução burguesa contida no livro de Lênin (LÊNIN, 1905; 1975).{15} Nesse sentido, a “terceira frente de luta” da formulação de Guedes16 – a crítica do dogmatismo – consiste em desimpedir o caminho no PCB para uma “teoria organizadora” das forças da “revolução democrático-burguesa” no Brasil, no caso, uma larga movimentação pluriclassista em condições de redirecionar, de forma gradual e em termos democráticos, o desenvolvimento capitalista por meio de reformas estruturais (começando por “soluções positivas” e “medidas parciais”, no dizer dos comunistas, após 1958), como também pretendiam – já marcamos este ponto –, sob outros registros, o Iseb, o trabalhismo e áreas cepalinas.

No texto de 1957, Guedes anuncia o primeiro passo do seu cometimento: “O dogmatismo no seio do PCB impediu-nos de refletir, no pensamento político, a realidade do país”. É deste ponto de partida, distante da mentalidade doutrinária, que o autor avalia a política nacional à procura de possibilidades de ações conscientes (em tanto referidas ao mundo real) para o seu partido. Ações conscientes que levassem os comunistas a ter influência efetiva na mobilização pelas “reformas de base”, como ficaram conhecidas as mudanças no governo de Jango, cuja discussão se expande pelo país, à medida que crescia o movimento nacionalista como corrente de opinião.

Guedes apresenta uma tática oposta às diretrizes ainda oficiais no PCB, nestes termos: “Esta tática (a nova – RS) necessita cada vez mais do conhecimento da realidade (ela é essa própria realidade, mais a vontade de transformá-la refletida no pensamento político do movimento), é fruto da concepção do peculiar de cada revolução” (GUEDES, 1957).

A partir dessa ruptura com o dogmatismo, ele mostra a dissocia- ção entre a realidade e a tática que então norteava os comunistas ao tempo que expõe sua percepção da nova circunstância nacional. O formulador relembra ações do PCB vistas por ele (e também por outros publicistas do seu partido) como desconexas em relação ao mundo real: “Era impossível ter uma tática elaborada. A tática foi rebaixada à condição de mera agitação; partir das denúncias e, através apenas da propaganda, ganhar as massas para as lutas decisivas, para a mudança do regime. Nunca se levou em conta a importância de participar do movimento real” (IBIDEM). Guedes tem uma apreciação do período pós-24 de Agosto mediada por um ponto de vista prático-consciente, motivado pelo propósito de convencer o seu PCB a participar do “movimento real” (sic). O ponto do autor é o de que só esse tipo de olhar voltado para a realidade externa aos muros do partido abriria as vistas dos comunistas em relação à dinâ- mica da vida nacional da época e os levaria à revisão de toda sua orientação.

Recorrendo à distinção leniniana das formas “evolutiva” e “revolucionária” da revolução, Guedes chama a tática do IV Congresso de 1954 (todavia presente no PCB em 1957) de “tática radicalista” conquanto contemplava apenas a forma “revolucionária” do processo brasileiro. O autor aponta a visão dos que haviam formulado esse tipo de tática: “Por desconhecer a realidade, inspirada tão só pelos objetivos finais, o PCB realizou sempre (tomando-se para exame do pro- O marxismo político de Armênio Guedes 35 blema um longo período) uma política voluntarista, com ignorância ou desprezo das leis objetivas” (IBIDEM).

Essa tática “radicalista” revela um doutrinarismo que se justifica a si mesmo, como ilustraria a passagem das diretrizes do Manifesto de Agosto à orientação do IV Congresso. Quando a conjuntura muda após o 24 de Agosto, os formuladores do partido, amparados pela doutrina, sem se concentrarem na compreensão da realidade, propõem outra tática de igual natureza à do Manifesto de 1950, ou seja, doutrinária e dogmática. É este círculo doutrinarista que impede o PCB de atuar como um partido de ação política, de participar da vida política realmente existente no país. No texto de Guedes, há uma passagem expressiva daquele tipo de elaboração e do seu desdobramento: “Por desconhecer a realidade e abstrair os caminhos peculiares, o Partido tirava sempre os seus elementos táticos dessa premissa – uma estratégia a curto prazo” (IBIDEM). Vale dizer, lançar-se a ações determinadas por um olhar (doutrinário, “estratégico”) posto no “longo período”, esperando obter, no curto termo, metas relativas aos “objetivos finais”. Sem interpretar a situação política que se abrira em 1954 (aqui se vê a importância das noções de “etapa” e “conjuntura” e para que serve trabalhar com previsão do tempo próximo), os formuladores da tática antiga desconsideram, como reclama Guedes, a participação do seu partido no “movimento real”, sua responsabilidade de agir (consciente) em um momento bem determinado.

Com tais proposições, ele chega ao cerne da questão comunista: enquanto o PCB se guiava pela doutrina, a vida política real daquele tempo, digamos parafraseando o famoso teorema gramsciano, era movida pelos fatos. O impasse significa que o ator brasileiro se encontrava incapacitado de delinear cenários a partir dos quais pudesse calibrar sua atuação prática e depois aferir suas consequências. A propósito dessa atuação invertida sob a “estratégia a curto prazo” (dirigida pela doutrina, alheia à conjuntura), o autor diz: “Daí (o PCB-RS) não dar importância às formas de aproximação, transitória (lei de todas as revoluções), não procurar investigar o específico de nossa revolução, a relação entre a luta democrática geral e a luta pelas transformações radicais” (IBIDEM). 

E continua a exposição, seguindo Lopes da Cunha: “Não resolvendo esta questão (associação das mudanças mais avançadas à progressiva democratização do país – RS), não podia (o ator de vanguarda) solucionar uma outra, derivada: a luta pela mudança de governo como forma, caminho, para a mudança de regime” (IBIDEM). A partir dessa proposição passa a ser possível, no campo pecebista, alcançar uma concepção da “revolução brasileira” como uma estratégia radicada em um nexo entre a democracia política e as reformas do capitalismo.

Nesse seu texto de 1957, ao se referir à ideia de frente única que os comunistas tinham, Armênio Guedes particulariza o seu ponto de vista. Sob a “estratégia a curto prazo”, sem a importância que lhe atribui, a frente única era concebida “em torno de pequenas reivindicações, tendo como fito ganhar as massas para a luta pela derrubada do regime” (IBIDEM). O que deveriam ser ações iniciais com as quais os comunistas obteriam gravitação (se operassem em convergência com outras vertentes), naquela “estratégia a curto prazo” são ações com fisionomia revolucionária (metas distantes) formuladas sob determinação doutrinária. Continua ele, em seu artigo: “Faz-se frente única (ex.: nas últimas eleições em São Paulo), a fim de obter vantagens para o movimento (melhores condições para sua agitação e propaganda etc.) com vistas a um objetivo remoto e não para mudar o tipo de governo. A ideia central dessa política é a da relação entre a frente única limitada e a frente democrática de libertação nacional” (do Manifesto de Agosto e ideia ainda remanescente no IV Congresso de 1954-RS) (IBIDEM).

O prisma por meio do qual ele vê a frente única – que o leva a realçar ações não episódicas entre diversos atores existentes na cena pública – aponta para uma articulação de construção progressiva e de grande alcance: “O objetivo não deve ser apenas a frente única por reivindicações parciais; deve visar a ação política pela criação de um governo de frente única anti-imperialista (ou nacional-democrática ou antientreguista ou que nome tenha)” (IBIDEM). O novo que, assim colocada, a questão da frente única trazia era abrir oportunidade à esquerda e demais correntes nacionalistas e democráticas para chegarem a ter presença efetiva na cena nacional. Na conjuntura do ano do seu texto (1957), Guedes divisava espaços para iniciativas e movimentações, cujos desdobramentos poderiam se constituir, em futuro não distante, em uma aproximação à “revolução brasileira” na sua primeira etapa (“nacional e democrática”, como a chamariam os documentos pecebistas): “A frente limitada se funde com a frente única geral (nacional) e a ela se subordina, tendo como objetivo criar, nos quadros do regime, um novo tipo de governo” (IBIDEM).17

Visualizada pelo publicista a “revolução brasileira” em andamento de 1954 em diante, convém agora perquirir outras passagens desse mesmo texto de 1957 com vistas a aferir em que medida seu registro etapista ainda se expressava ligado à ideia do advento de uma fase do processo propriamente revolucionário (uma segunda etapa pensada sob a força do repertório comunista, marcada por objetivos mais radicais e outras condições institucionais). Ou, se a sua narrativa sobre uma ampla ativação político-social referida a “soluções positivas”, a “medidas parciais” e à formação de um novo governo de frente única, “nos quadros do regime” (voltaremos a este ponto) e por eleição, de fato perfila uma via política para a revolução no Brasil. 

Acerca desta projeção, diz Guedes: “Será, talvez, um governo que levará a democracia, à medida que ela avance, a ter de encarar necessariamente a questão das transformações revolucionárias.” E segue com esta passagem: “Será, antes de tudo, um governo de luta contra o imperialismo norte-americano (antientreguista) e democrático. Isso significará o coroamento da luta pela frente única nacional”. Continua Guedes: “E tal governo, nascido de um poderoso movimento de massas (em que o proletariado seja a força decisiva), será um governo que não restringirá a atuação do proletariado, mas, pelo contrário, terá nele um dos seus pontos de apoio, abrindo o caminho para a ampla democratização da vida do país e tomando medidas firmes contra o imperialismo norte-americano e os restos feudais no campo. Parece-me que se criam, no momento atual, condições objetivas para um tal governo: de um lado, o choque dos interesses da burguesia com o imperialismo norte-americano; de outro, o aumento da força do proletariado e das massas trabalhadoras em geral” (IBIDEM).18

Na narrativa de Armênio Guedes, ligar a “revolução brasileira” à “atual situação política” importa situá-la na circunstância democratizante aberta pelos acontecimentos do 24 de Agosto (1954-58). Buscar atualidade à revolução, levando em conta a experiência acumulada, requeria, em primeiro lugar, concentrar o trabalho partidário nos ambientes que se aproximavam em movimentos na esfera pública, como o da coalizão eleitoral de 1955, e pôr particular atenção nos estratos referenciados (dizendo ao modo da época) pela burguesia nacional; setores que chegaram a ter representantes no governo de composição heterogê- nea de JK (diferenciados da ala entreguista). Por sua vez, esta participa- ção no governo conferia atualidade às reformas na medida em que o agrupamento de vanguarda (o PCB) buscasse, por meio de iniciativas conjuntas com grupos convergentes na frente única, defendê-las ante o próprio governo e fora dele. E, em terceiro lugar, dar importância ao sentimento antigolpista no 24 de Agosto e às ações a favor das eleições de 1955, principalmente para garantir o seu resultado, implicava em passar a ter um novo olhar sobre a questão da defesa da Constituição.

Pensar sobre aquele nexo 1954-55 induzia a valorizar o processo de democratização então em curso, pois, à medida que as liberdades prosseguissem – este é o principal pressuposto da nova política pecebista – alargar-se-iam espaços para o PCB estimular a Frente Nacionalista tanto a se fortalecer como a pressionar o governo JK. O regime democrático-liberal encerrava processos, especialmente os eventos eleitorais, através dos quais os protagonistas suscitariam mais energias, pensando no futuro próximo. Em suma, na concepção aqui exposta, a “revolução brasileira” dependia de um condicionamento de ordem geral que a singulariza em relação ao leninismo revolucionário de 1905: o “desenvolvimento normal dos acontecimentos”, de que fala Engels.19

Um horizonte como esse, nem distante nem traçado pela doutrina, mas prefigurado a partir da vida política ativada pela presença de atores reais, movida pela disputa no interior do governo JK entre grupos da burguesia (que procuravam controlar a “política econômica”) e classes latifundiárias (“incapazes de manter o seu monopólio nos postos do aparato estatal”), no entanto, não significava certeza histórica, pois, ao se configurar na realidade efetiva, poderia colocar os atores e seus publicistas diante de processos e momentos diversos.

Armênio Guedes diz que, nesse tempo nacional-democrático, os protagonistas dispunham de oportunidades para intervir naquela conjuntura (desde a posse de JK) e angariar forças para o futuro pró- ximo favorável à “revolução brasileira”: a) era possível “transformar o atual governo, alterando sua composição em favor das posições nacionalistas”; e b) havia a possibilidade “menos imediata, porém mais provável de formar um governo desse tipo como resultado das eleições de 1958 e de 1960” (GUEDES, op. cit.); oportunidades interligadas num processo progressivo, a mais próxima associada à outra seguinte e mais decisiva – a eleição presidencial.

Ao invés de aplicar a doutrina na definição da linha política, Guedes reúne na tática de um partido comunista duas referências expressivas do sentido daqueles tempos democrático e nacional-cepalinos. A primeira consiste em uma ideia de concretização da “revolução brasileira” por meio da ação política (de um conjunto de atores) a um só tempo “atual”, efetiva (possibilidade de realização de metas parciais) e conseguinte (pois conectada a cenário previsível) e a outra, um tipo de prática visando impulsionar contingentes da frente nacionalista e democrática a se mobilizarem como protagonistas de um processo de redirecionamento do capitalismo, conquanto mantida sua livre atividade no regime democrático.20

Até aquele momento do governo de Juscelino (e do primeiro artigo de Guedes, 1957), os comunistas já haviam passado por experiências que os induziam à política. O PCB estivera e estava (em 1957) diante de processos e conjunturas que o requeriam como ator político. O 24 de Agosto, a eleição de 1955, o movimento antigolpista de 11 de novembro e, em 1956, a posse de JK (eventos que lhes traziam o tema da defesa da Constituição e do sistema liberal-democrático) levavam os comunistas a perceber que a situação política (ainda instá- vel) desse tempo (1954-57), de fato, abria caminho à concretização da “revolução brasileira”. 

As medidas reformistas propostas para aquela etapa nacional e democrática, justamente por serem parciais, poderiam reunir apoios crescentes e ter encaminhamentos a nível de governo e por meio de lei (assim de maneira mais sustentável) desde que o sistema político se ampliasse – esta também é condição indispensável para a via revolucionária aqui apresentada – com o crescimento da organização dos grupos populares e a presença das suas representações na esfera pública, inclusive governamental.

Em seu segundo texto, de junho de 1958, Armênio Guedes vai realçar outro ponto da questão pecebista, do modo de agir do PCB contemporâneo, já aludido por Lopes da Cunha: o papel das iniciativas na construção do caminho gradualista-revolucionário (ações tempestivas, soluções positivas, medidas reformistas progressivas). No artigo Uma ação positiva das forças nacionalistas, Guedes nos fala da ação política em um instante preciso. O autor fixa sua atenção em uma conjuntura, sob o governo JK, na qual as forças nacionalistas e democráticas operavam em instante bem determinado, tendo à frente as duas eleições que se avizinhavam.

O articulista refere-se novamente ao tema das “condições objetivas” da revolução na etapa nacional-democrática, mas desta feita através do prisma da atuação na política corrente. Sem exagerar o pequeno tamanho do seu partido, Guedes recusava reticência em relação ao agir no curtíssimo prazo, do qual esperava impulso à “revolução brasileira”, associando-o à movimentação que tivesse o campo reformista. Seu relato sobre o agir por ocasião de uma reforma ministerial em 1958 – no momento em que setores da frente única pressionavam Juscelino para alterar a orientação do governo – registra expectativa de que tal ação não só abria oportunidade para o encaminhamento de “medidas firmes contra o imperialismo e os restos feudais” como permitia ampliar o apoio à tese da formação, por via eleitoral, de um novo governo mais definido. O analista observa que essa pressão transcorria em um instante de tensão entre as alas nacionalistas e entreguistas no seio do governo.

Guedes avalia o embate, no interior do governo de JK, como um momento “que tende a se prolongar por algum tempo”. Ao ver na reforma ministerial (daquele instante; do governo JK) uma dimensão “constante” (sic), ele estava indicando que o protagonista, que fizesse previsão e trabalhasse com perspectiva, não só não se desobrigava ante a cena política posta à sua frente, como deveria agir com vistas a potenciar as ações conjuntas das vertentes da frente única em função de outras iniciativas de mais alento.

Nesse ponto, o autor se refere a uma outra observação de Lênin sobre o processo revolucionário na qual o clássico russo diferencia os “períodos de calmaria” dos “momentos de tensão”, ora lembrada por Armênio Guedes ao operador político para que pusesse atenção na linha por onde passava a resolução daquela disputa. Nos tempos de tensão, retendo um ponto que continuará em suas análises políticas, Guedes diz em seu texto: “As forças em choque adquirem contornos mais definidos e, o que é mais importante, ampliam ou restringem suas fileiras”. Para ele, essa questão da expansão ou perda dos apoios se apresenta sob o ponto de vista das posturas dos atores situados em condições objetivas, tanto nas suas análises de momento de acumulação de força (governo JK) como em época desfavorável (os anos duros do regime de 1964).

Naquele tempo do texto (junho de 1958), o governo JK vivia um “momento de tensão”, com o presidente sob pressão (dos imperialistas norte-americanos “para quebrar a reação nacional contra seus planos de escravização”) e também era interpelado por correntes da frente única críticas aos “aspectos negativos” do governo, ao mesmo tempo que lhe exigiam “medidas positivas”. Guedes faz este registro: “Não sabemos se este período terminará com a recomposição ministerial em curso. E é difícil, por isso, dizer quem saiu ou sairá fortalecido do atual choque, se os grupos entreguistas ou o movimento nacionalista” (GUEDES, 1958).

É preciso realçar que, nesse episódio, para Armênio Guedes, não era certo que as forças nacionalistas obtivessem êxito por mero voluntarismo nem que a disputa pela orientação do governo tivesse seu desenlace ali mesmo. Esta é a nota dele: “Os últimos acontecimentos não levam à dedução de que uma das forças em choque já esteja em condições de impor uma decisão definitiva, isto é, empolgar o governo e imprimir sua fisionomia à política interna e externa do país” (IBIDEM). Não cabia esperar das previsões do analista desfecho do embate sem espaço para a ação política dos atores e a incerteza.

Ele falava de certezas, no entanto, relativas: “Não há dúvida que, historicamente, as reais possibilidades de avanço são das forças nacionalistas. Mas as possibilidades só se tornarão algo real pela ação consciente das forças sociais de vanguarda” (IBIDEM). O envolvimento com a conjuntura levaria o PCB a agir como um partido político: “Daí a necessidade de destacar no conjunto da ação política concreta aquilo que é positivo e que representa, muitas vezes, o ponto de partida para uma direção política acertada, ou que, pelo menos, constitui um importante elemento de uma tal direção” (IBIDEM).

Neste ponto, ele está aludindo ao traço “novo e positivo” daquela pressão das correntes nacionalistas: a forma coordenada que a movimentação da frente única então ia assumindo. O analista tem em mente a atuação “fora e dentro do aparelho estatal ” (sic), pondo atenção nas iniciativas de caráter convergente que “ajudavam a esclarecer amplos setores populares sobre o sentido real das questões importantes do momento” (IBIDEM). No artigo de 1957, Guedes descreve a “revolução brasileira” na etapa nacional e democrática a se concretizar por meio de uma convergência de protagonistas bem diferenciados. Pelos traços por ele apresentados, o caminho brasileiro requeria mobilização e largueza de vistas, por um lado, para associar as medidas parciais à discussão na opinião pública dos temas nacionais, buscando consensos necessários à sua efetivação, e, por outro, para suscitar apoio ativo aos movimentos seguintes. 

No outro texto de 1958, Guedes traz o tema da colaboração entre atores para uma conjuntura concreta, realçando a função construtiva das correntes da frente única (desde logo o agrupamento pecebista) e as oportunidades para difundirem suas “ideias claras” e “soluções positivas” aos pequenos e grandes problemas. Ele procura divisar naquele momento determinado ações que viessem favorecer o processo reformista, sua atenção indo de uma reforma ministerial até “formas superiores de luta” (usando aqui expressão de um conhecido sociólogo do Rio de Janeiro), as eleições de 1958 e 1960.

Em suma, nesse artigo de junho de 1958, Armênio Guedes observa que já existiam premissas políticas “essenciais” para a formação de um governo nacionalista e democrático, fazendo a ressalva nada desimportante de que era “necessário vencer grandes e fortes resistências que se opõem a isso”. Para enfrentá-las, ele insiste na capacidade de iniciativa do ator chamado a identificar o “aspecto positivo” (o “ponto de partida”), nos quais os protagonistas mais ativos deviam pôr um “esforço permanente” (sic). Acrescenta a esta observação sobre a militância em frente única: “Não se trata de impor formas rígidas de organização, o que seria impossível, pois estancaria o movimento, mas de elaborar ideias claras, ter soluções concretas para enfrentar as grandes e as pequenas questões da luta anti-imperialista e, nesse processo, ir estruturando a convergência em bases sólidas. Uma medida que impulsionaria esse esforço organizativo seria talvez a realização de reuniões de contato, em que seriam debatidos problemas do movimento nacionalista e estabelecidas as respectivas soluções” (IBIDEM). 

Essa “linha mestra”, como ele se refere à diretriz, não era tarefa para o futuro distante, mas atual e de realização progressiva, pois já tinha lugares dos mais indicados: as duas eleições de 1958 e 1960. Nestas “formas superiores de luta”, a participação dos comunistas não seria questão menor nem subordinada (sublinhemos este ponto dele) a interesse partidista, mas empenhada na vitória das candidaturas da frente única como passos em direção a um processo mais amplo.

As ideias e formulações anteriormente descritas compõem uma narrativa da “revolução brasileira” e o que seria, repetindo a expressão de Guedes de 1957, o “pensamento político” pecebista. Mesmo que de trajetória descontínua e o PCB não as recolhesse plenamente, elas incidiriam no seu modo de ser, ensejando um estilo de pensar e de agir característico, pois, a partir de março de 1958, os comunistas iriam atuar no plano da política ganhando desenvoltura cada vez maior e desempenho como esquerda positiva.

Política de frente única, democracia e Constituição
A refundação pecebista dos anos de 1956-58 não teria se consolidado na Declaração de Março se não tivesse sido mobilizada uma narrativa sobre a “revolução brasileira”. Ela não adviria de um revigoramento marxista-leninista e de mudanças nas estruturas organizativas. Ao contrário, com tal narrativa, o PCB se tornaria mais livre em relação aos determinismos doutrinários ainda fortes; mais livre para otimizar na conjuntura espaços democráticos e iniciativas dirigidas tanto à ativação da frente única como à estruturação do “movimento sindical e camponês”, lugar não só de autodefini- ção popular como terreno propício para criar instituições da República. O exemplo é o bem-sucedido sindicalismo camponês, pois aí estão os sindicatos rurais distribuídos pelo país e a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), esta inclusive por muitos anos marcada por orientação de origem caiopradiana-pecebista (SANTOS, 2007). 

A refundação pecebista tampouco se limita ao momento da resolução de 1958. Ela se desdobra em mudanças bem observáveis a partir dos tempos de JK: o PCB se converte em um ator reformista em colaboração efetiva com outras vertentes político-sociais e setores de governo em mobilização unitária. Nesse processo, ele vai assumir caráter de partido propriamente político, afirmando cada vez mais vocação para atuar na democracia representativa enquanto quadro institucional das sociedades pluralistas.

O período de democratização política da segunda metade dos anos 1950 requeria daquele PCB uma produção intelectual-formulativa que lhe fosse homóloga. Armênio Guedes se torna o mais expressivo dos seus autores, porquanto manteve sua publicística de marxismo político no interior do seu partido.

Na sua narrativa, ele expõe os contornos de um caminho político da “revolução brasileira” cujas conexões principais entre teoria e prá- tica iriam dar outro perfil ao PCB nos anos posteriores à Declaração de Março: 1) a militância na frente única passa a ser permanente, levando os pecebistas a darem nova dimensão à política tal como é conhecida, alcance este compreensível à medida que eles se envolvessem com instituições e processos democráticos; 2) para que a ação partidária, nessa última acepção da política, viesse a influir no mundo efetivo, o seu protagonista (o PCB) já não podia agir ao modo dos revolucionários das revoluções burguesas dos Oitocentos e das revoluções russas de 1905 e 1917 que lhe serviam de modelo; e 3) o êxito na transformação do capitalismo, mediante o reformismo da “pré- -revolução brasileira” que ocupa a cena política dos primeiros anos 1960 (que ia de medidas parciais até reformas de estrutura), demandava dos atores muito empenho para que os acontecimentos seguissem curso normal, como dissera Engels, falando da Alemanha e do socialismo do final do século XIX. Essas conexões prático-refundadoras também iriam convencer o PCB a atribuir importância à rela- ção entre as mudanças e a vigência de uma Constituição legítima e democrática. Esse nexo se converte em referência dos comunistas com o correr do tempo.

Nos acontecimentos do 24 de Agosto, levado pelos fatos, o PCB se movimentara na defesa da Carta de 1946 (e da democracia representativa), mesmo que, então, não lhe reconhecesse função positiva no processo revolucionário. A Declaração de Março repete a tese de Armênio Guedes, formulada na conjuntura do governo JK, da formação de um novo governo de orientação reformista mais definida “nos quadros do regime”, acrescentando-lhe uma referência a mais (o termo “vigente”), ficando assim a fórmula: “nos quadros do regime vigente” (sic), mas não menciona a Carta de 1946.21 Em agosto de 1961, a mobilização pela posse do vice-presidente João Goulart, após a renúncia de Jânio Quadros, pôs a questão da legalidade constitucional novamente no centro de uma conjuntura instável, tensionando a frente única na sua defesa. Recordemos também o movimento, no tempo de Jango, pela ampliação do sistema político mediante reformas asseguradoras de direitos civis e sociais, em particular a do direito à reforma agrária (revogação do preceito daquela Constituição que garantia o pagamento em dinheiro das indenizações).

Durante os governos militares, a estratégia da frente de oposição e reconquista das liberdades estende o movimento democrático brasileiro até o momento alto da convocatória de uma Constituinte. Ademais, no PCB, a concepção de resistência ao regime de 1964 por meio da política coexiste com uma outra formulação comunista da época indicada pela bibliografia como marca do pecebismo contemporâneo: a via pacífica ao socialismo. Como uma possibilidade de acesso ao socialismo, a via pacífica foi admitida em 1956 no XX Congresso do PCUS e reafirmada na reunião dos 81 PCs, realizada em Moscou, em 1960.

Há duas posturas que são de grande valor para o constitucionalismo do campo pecebista: o envolvimento sem reservas com os trabalhos da Constituinte de 1987/88 e a compreensão da Carta cidadã de Ulisses Guimarães, no dizer de Luiz Werneck Vianna, como concretização da revolução democrática brasileira. A Constituição viera não só organizar a vida do país sob vigência plena do Estado democrático de Direito como dispor à “generalidade da população” (expressão sempre repetida por Caio Prado Jr. ao se referir às mudanças sociais) um quadro de referência programático no sentido dos novos tempos. Recentemente, realçando essa segunda dimensão da Carta de 1988, Werneck Vianna chamou a atenção para o fato de que, por primeira vez nas nossas Constituições (desde a de 1824), a Constituição de 1988 anuncia, como compromisso da República, o “princípio do justo” (cf. VIANNA, 2011).22

A nova política na segunda renovação pecebista
Ao término da discussão sobre o XX Congresso do PCUS, em 1957, o PCB dispunha de uma orientação já distante da antiga mentalidade marxista-leninista. Aperfeiçoada pela Resolução de 1970,23 ela ressurge, nos últimos anos dessa década, em um novo movimento de atualização pecebista, à frente do qual estavam dirigentes, dentre eles, Armênio Guedes, militantes e jovens intelectuais. Era o tempo do exílio de vários membros do Comitê Central e quadros comunistas que o PCB decidiu manter no exterior para preservá-los da repressão concentrada na sua direção.

Era também o tempo do eurocomunismo, a discussão sobre o nexo democracia-socialismo protagonizada por alguns PCs um pouco mais de 10 anos depois do fim da Primavera de Praga, em 1968. Enquanto os PCs italiano, espanhol e francês (não apenas estes, mas ainda os PCs japonês e mexicano) buscavam redimencionar suas estratégias nacionais com vistas a um tipo novo de socialismo – pluralista, com vigência das liberdades políticas e sem o domínio do partido único –, numerosos intelectuais, sobremaneira europeus, discutiam o tema da natureza não democrática do sistema político dos países socialistas. Aliás, por essa ocasião, Norberto Bobbio já havia interpelado os comunistas italianos a propósito da ausência de instituições democráticas no socialismo. Bobbio abrira o debate teórico sobre as consequências da centralidade do marxismo nas questões do poder e do partido, dirigindo aos intelectuais do PCI indagação incisiva: “Existe uma teoria marxista do Estado?” Para ele, o marxismo não tinha nem poderia ter uma ciência política, devido ao seu teorema da extinção da política na futura sociedade homogeneizada (a respeito deste último tema, ver COLLETTI, 1979).

Essa discussão não repercute entre os comunistas brasileiros como a crise de 1956. Ela tampouco levaria o PCB a renovar sua política no VII Congresso, realizado no começo dos anos 1980, mesmo ante a evidência de que sua identificação com o socialismo da URSS e o marxismo-leninismo constituíam entraves à evolução do pensamento pecebista. Entretanto, os novos renovadores, como os dos anos 1950, concentrarão suas formulações na circunstância nacional, tomando como referência o sentido democrático da resistência ao regime de 1964. A valorização dessa política de frente única para renovar o PCB teve suas primeiras manifestações em resoluções do partido elaboradas nesse tempo de exílio e textos publicados na Voz Operária (edições mensais de 1977 a 1978).

À hora da controvérsia sobre a questão democrática trazida particularmente pelo PCI e da anistia de 1979, o PCB dispunha de duas linhas elaborativas. Uma primeira provinha de militantes, como Armênio Guedes, que desenvolviam o pecebismo – então muito imbricado com a própria estratégia de oposição ao regime de 1964 – como uma orientação de mais alento, válida para os próximos tempos da transição.24 A outra linha podia ser localizada em jovens intelectuais que intentavam reelaborar a política da resistência democrática em termos de uma concepção de socialismo fundada em estudos mais contemporâneos sobre o país. Nossa “ocidentalização” (o conceito com que Gramsci se refere às formações complexas, mobilizado no Brasil nessa época) avançara muito na década de 1970, evidenciando cada vez mais o dissídio entre a complexificação da sociedade brasileira e a democratização.

Essas linhas tinham em comum o nexo entre a tese da “democratização radical da vida nacional” (cf. Declaração de Março) e uma nova ideia de socialismo, ainda que suas argumentações partissem de pontos de vista diferentes (a mais antiga, a de Armênio Guedes, de marxismo político, e a outra, de intelectuais atentos àquela discussão europeia e possuidores de uma nova interpretação do Brasil). Anotemos que a Voz Operária publicou, em 1978, um artigo chamado “A questão democrática” (TEIXEIRA, 1978) que trazia o tema democrático referido à “socialização da política” e à “articulação entre a democracia representativa e formas cada vez mais complexas de democracia de base” que representa, diz o autor do texto, “a inversão completa de uma tendência hoje dominante na história brasileira” (IBIDEM). E registremos ainda que, na passagem dos anos 1970 à década de 1980, o estudo de Luiz Werneck Vianna sobre a modernização “pelo alto” no contexto de 1930 começa a ser visto como referência da questão democrática do nosso tempo. Em 1976, o autor havia publicado Liberalismo e sindicato no Brasil,25 livro no qual expunha suas reflexões sobre o padrão de constituição da ordem capitalista e a institucionalidade política do país. Por essa ocasião, Vianna já tinha seu interesse voltado para a circunstância da “modernização conservadora” dos anos 1970 (VIANNA, 2004).

As novas proposições chegaram à opinião pública mediante as entrevistas de Armênio Guedes ao Jornal do Brasil, em julho e outubro de 1979, por meio de pequenos artigos de jovens intelectuais publicados em um periódico de São Paulo, chamado A República, nos quais o tema da democratização aparece (lembrando a nota de Sodré já referida, cf. SODRÉ, 1962) como um processo de reversão da modalidade “prussiana” de imposição do capitalismo brasileiro (KONDER, 1980). 

As ideias renovadoras também aparecem em textos publicados nos primeiros números da Voz da Unidade, o semanário editado no Brasil logo após a anistia e ainda na sua Tribuna de Debates preparatória do VII Congresso, como, por exemplo, Força e fraqueza das Teses, de Leandro Konder (KONDER, 1981) e o artigo de Luiz Werneck Vianna Sobre a tática e a estratégia das Teses. Neste texto, do começo dos anos 1980, Werneck Vianna mobiliza sua leitura dos dois ciclos da modernização brasileira e formaliza a tese da centralidade da democratização política do país em uma estratégia renovada no PCB (VIANNA, 1981). 26

Esse momento era o momento da divisão na direção do PCB. A oposição pública de Prestes à linha política proveniente da segunda metade dos anos 1950 e da Declaração de Março iria condicionar a postura dos quadros do Comitê Central interessados na atualização pecebista. O desfecho da divergência será a saída de Prestes da Secretaria-Geral do PCB e de renovadores da cúpula partidária, bloqueando, às vésperas da realização do VII Congresso (1981-82), os espaços daquelas duas tendências renovadoras no interior do partido.

Entretanto, as teses de atualização pecebista são vistas restritivamente como sendo uma versão “politicista” da estratégia e da tática do PCB. Por ocasião da realização do VII Congresso, reclamava-se dos seus autores o fato de não terem realçado os temas da dependência e do imperialismo.27 Ao contrário dessa apreciação, o politicismo das novas ideias expressava um modo de atuar com sentido político característico do pecebismo, traço que acompanha todo o pensamento de Guedes.

Todavia, o sentido da discussão sobre a importância estratégica da democracia política foi afirmada no PCB depois, no começo da década de 1990, no seu último congresso, ainda que, na resolução final do evento, ela também apareça intercambiável com a noção de democracia de massas, proveniente de Pietro Ingrao (INGRAO, 1980). Acrescente-se a recepção do reconhecimento da democracia como valor universal (proposição anunciada em 1977, em Moscou, por Enrico Berlinguer, dirigente do PCI), posta na cena intelectual das esquerdas por Carlos Nelson Coutinho, em 1979, como referência-chave do socialismo brasileiro (COUTINHO, 1979).

Entretanto, as duas linhas formulativas, oferecidas ao PCB para que ele desenvolvesse sua política de orientação democrática, são passagens intermitentes na elaboração partidária.28 No VII Congresso, realizado em 1981-82, a maioria do Comitê Central e quadros seus atentos à necessidade de uma renovação do partido não se decidiram (não seguiram o exemplo de Alberto Passos Guimarães nos idos dos anos 1950), no momento propício imediato à anistia de 1979, a elaborar uma nova Declaração de Março que incorporasse as proposições da segunda renovação pecebista que então se desenhavam. A ocasião era oportuna e o PCB contava com aquele grupo de intelectuais militantes, de estudo e elaboração sistemática.29

O caminho político e democrático
O caminho político esboçado por Armênio Guedes diferencia-se do modelo da revolução russa de 1905, descrito por Lênin em Duas táticas da social-democracia russa, pois aqui o publicista não dispunha de referências para esperar uma ativação camponesa de tipo revolucionário. O curso modernizante dos anos 1930 não contara com pressão de baixo, vinda de um mundo rural de subalternidade prolongada e acesso difícil e lento à pequena propriedade.30 Tínhamos, então, um campesinato “sem vínculo com a sociedade mercantil”, usando aqui anotação de Werneck Vianna em uma passagem do seu livro na qual ele se refere aos agrários daquele período modernizador (VIANNA, 1976); “vínculo” este que, segundo Lênin, na Rússia do começo do século XX, impulsionara o campesinato, em processo de diferencia- ção econômica e social, à movimentação revolucionária.

No entanto, conhecemos, de meados dos anos 1950 até o fim da tentativa nacional-reformista do pré-64, mobilização e associativismo rural importantes, mas sem a rebeldia do campesinato russo (PASSOS GUIMARÃES, 1960a). Esse “despertar camponês”, como tem sido chamado, em grande medida sob liderança partidária (PCB) e organizado sob a forma estável do sindicalismo (ao modo caiopradiano até certo ponto, como se verá adiante) apontava para rumo diverso da ativação camponesa do modelo lenineano, conquanto as diretrizes que o PCB desenvolvia no “movimento camponês” (expressão de época) não visava torná-lo base para ações revolucionárias de fins rupturistas, mas assentar os rurais, por meio de uma reforma agrária (redistributivista), como seres produtivos em novas sociabilidades (para este último ponto, ver PRADO JR., 1964; 2007).

A modernização dos anos 1930 já foi associada à circunstância que Gramsci, para além do Risorgimento, divisa como própria das modernizações burguesas da “Era de revoluções passivas” que se seguiram à Revolução de 1789 (GRAMSCI, 2002, p. 85).31 Aqui, diz o autor de uma das melhores interpretações da revolução burguesa dos anos 1930, ela fora levada adiante por uma coligação liderada por oligarquias de origem agrária. Em aliança com setores médios de extração urbana, o bloco conservador-revolucionário soube potencializar sua ação por meio da conquista do Estado (VIANNA, op. cit.), figura da tradição brasileira de função reitora da sociedade civil, como observou Gilberto Freyre (FREYRE, 1965). O Estado apresenta-se como instrumento novo conquanto o seu uso já não se limita aos interesses pretérito-rurais, mas expande suas atividades para dar passagem, no decurso daquela década, ao moderno-industrial. As elites que se assenhorearam do poder em 1930 (um grupo mais recessivo que o setor aburguesado da produção agrária) obtêm êxito no seu empreendimento, mantidas baixa a movimentação dos grupos sociais, a tutela organizativa dos contingentes populares urbanos e a imobilização dos rurais despossuídos (VIANNA, op. cit.).32

Essa modernização avançaria sem classe econômica produtiva, ativismo social e pressão vinda do mundo rural, pois, como também insiste Caio Prado Jr., nosso campesinato era um contingente que não se espalhava pela “generalidade do país”. Aprofundar em sentido democrático as modernizações realizadas pressupunha que, nas condições brasileiras, os publicistas e os agentes renovadores levassem muito em conta os nexos entre o moderno e os constrangimentos à mudança social (o atraso, especialmente rural, e a dependência). Em meados dos anos 1950, o processo modernizador “pelo alto” seguia diferenciando o país, entretanto, sem desenvolver uma estrutura social e uma institucionalidade correspondentes a uma formação capitalista, como na experiência europeia.

Entende-se, em Armênio Guedes, que o alcance estratégico da ação do partido de vanguarda dessa época consistia justamente em suscitar a presença ativa das classes inovadoras e progressistas nas diferentes esferas da vida nacional. Daí que superar a dispersão, a pouca coesão das classes e estratos sociais e o seu baixo protagonismo constitui a tarefa das tarefas a ser resolvida por meio da tática de frente única e no campo da política, vale dizer, em espaços nos quais o ator revolucionário tinha, com grande margem de liberdade, capacidade de iniciativa: no terreno da convergência de ações com outras forças e no plano organizacional.33

Esse tema da debilidade dos grupos sociais não só esteve no centro das preocupações de Caio Prado Jr. e de Passos Guimarães,34 como, desde 1958, nos textos pecebistas, ele vem acompanhado da questão democrática. Pode-se dizer que há compreensão não economicista da “revolução brasileira”, uma concepção que não esperava sua concretização como consequência da lógica histórica das contradições econômicas e classistas, embora tal expectativa todavia estivesse em algumas passagens da Declaração de Março. Segundo a narrativa de Armênio Guedes, os comunistas teriam que despender enorme esforço para agrupar um bloco democrático-reformista, visando incidir na política e nas esferas pública e governamental. 

Compreende-se também que a democracia representativa e seus processos (partidos, embates políticos, eleições etc.) constituíam condição para o acesso a governo(s) e à implementação de políticas orientadas às mudanças. Durante o decênio 1954-64, o PCB viu-se tensionado a desenvolver prática distinta da de um partido voltado para a conquista do aparato de poder. Em um tempo agitado, como os três anos anteriores a abril de 1964, os pecebistas teriam de agir como esquerda positiva, não obstante haver compulsão revolucionária em setores da militância e da sua direção (SEGATTO, 1995). 

O PCB precisaria desempenhar-se, por assim dizer, ao modo de um “intelectual coletivo”.35 Ele era chamado a tornar-se um ente inovador ativo e levar adiante cometimentos que iam desde a representação das classes subalternas e suas organizações (sindicatos e diversas formas de associativismo); das posturas construtivas na frente única em vários níveis (político, social, parlamentar, eleitoral, de governo) até atua- ções em outras áreas estruturantes da vida nacional, como nas frentes intelectual e da cultura, para citar duas delas, nas quais os comunistas iriam exercer papel relevante por conta do seu trabalho continuado em instituições permanentes.

Ante os desafios daqueles tempos, principalmente o de tudo fazer para que a democratização prosseguisse, os pecebistas e seus aliados mais ativos e lúcidos da frente única (relembremos o nome de Santiago Dantas) não puderam evitar que as tensões se estendessem a setores da sociedade brasileira cada vez mais amplos, acelerando o colapso de um sistema político que não conseguia incorporar à vida nacional crescentes demandas (CARVALHO, 2001; 2002).

O golpe de Estado provoca, em uma cena intelectual de desconcerto político, uma discussão sobre dois temas cruciais para a oposição ao novo regime: de um lado, o do potencial mobilizatório das classes sociais estratégicas da “revolução brasileira” derrotada em 1964 e, de outro, o papel da política no movimento de resistência aos governos militares.

A literatura que se ocupa dessas questões visava, indireta ou diretamente, incidir na postura dos agentes oposicionistas na nova circunstância. Nos anos de chumbo, observamos duas posições bem contrastantes quanto às possibilidades de oposição: de um lado, estaria a de Florestan Fernandes quando desenha, para aquele momento, um cenário por demais sombrio, e de outro, a do publicista Armênio Guedes apresentando, no seu texto de 1970, já mencionado, uma visão mais aberta. Enquanto o sociólogo da USP divisa um tempo fechado à atividade dos atores, o olhar mais atento de Guedes leva a uma estratégia oposicionista por meio da política, terreno onde os protagonistas, com todas suas restrições, teriam iniciativas para se movimentar e vir a criar um campo de resistência ao regime de 1964.

Em relação ao primeiro tema do protagonismo social, recordemos que, logo após a destituição de João Goulart, jovens intelectuais do meio universitário tornaram-se referência crítica ao atingirem, nas suas reflexões, a tese isebiano-pecebista da ativação das classes inovadoras (a burguesia nacional e a classe operária; e, a partir de 1967, os novos contingentes da pequena burguesia urbana, cf. PCB, 1967b). Inclusive, anteriormente, em 1962, alguns deles, reunidos por Florestan Fernandes no chamado Grupo da USP (FERNANDES, 1962), seguindo suas indicações, já haviam se voltado para o estudo da potencialidade dos atores no processo de mudanças sociais.

O resultado da missão são publicações, cujos títulos mostram endereçamento crítico aos fundamentos da “revolução brasileira” do pré-64. Citemos duas de Fernando Henrique Cardoso: Empresário industrial e desenvolvimento econômico no Brasil (1964) e Política e desenvolvimento em sociedades dependentes: ideologias do empresariado industrial argentino e brasileiro (1971; edição em francês, 1969) e o livro de Octávio Ianni, Estado e Capitalismo. Estrutura social e industrialização no Brasil de 1965 (IBIDEM). Também há textos dessa época referentes à autonomia e força mobilizatória das classes populares urbanas, como os artigos de Francisco Weffort (Estado e massas no Brasil, de 1965; Le populisme dans la politique brésilienne, de 1967, e Classes populares e desenvolvimento social, originariamente mimeografado, em 1968, pelo Ilpes, de Santiago do Chile, depois reescrito e republicado conjuntamente com a versão em português daquele texto no livro O populismo na política brasileira, de 1978 (PÉCAUT, 1990).

Após o Ato Institucional nº 5 (AI-5), Florestan persiste no antigo tema dos atores, de onde buscara, no tempo do Grupo da USP, proposições de reforma do desenvolvimento econômico (FERNANDES, op. cit.) e expõe, sobremaneira nos ensaios Anotações sobre o capitalismo agrário e mudança social no Brasil (1973) e A revolução burguesa no Brasil (1975),36 sua interpretação da revolução burguesa, entendida justamente como assimilação do padrão de civilização moderno por uma sociedade (suas classes e grupos sociais). No entanto, aqui, na periferia capitalista, ela moderniza o país aprofundando a “dependência dentro da dependência” (dos padrões colonial e neocolonial), constituindo um tipo de capitalismo que ele chama de “capitalismo dependente” e uma ordem social tendente à autocratização, nisso lembrando o caminho prussiano observado por Lênin na Rússia do começo do século XX.

Segundo Florestan, aqui era muito limitada a assimilação dos dinamismos econômicos e socioculturais do padrão capitalista de desenvolvimento. Havíamos tido um processo de revolução burguesa de baixa “concentração de elementos revolucionários”, como diz ele, referindo-se tanto aos estratos altos com pouca disposição a inovar e romper com o ancien régime (FERNANDES, 1975), como ao baixo protagonismo dos grupos sociais, em particular dos contingentes populares (FERNANDES, 1973). Florestan observa que a modernização diferenciara nossa estrutura social, mas sua ordem social competitiva é bem diversa da que se conhecera com o capitalismo avançado e a implantação do seu regime de classes sociais. No Brasil, a ordem social competitiva incorpora os estratos subalternos de maneira restritiva, absorvendo em certa medida aqueles que movimentam algum grau de associativismo, deixando de fora sobretudo os despossuídos rurais, que se expandiam reproduzindo sua grande dispersão e inorganicidade e “sofrem o capitalismo como uma espécie de hecatombe social”37 (IBIDEM).

Esses são os traços do capitalismo brasileiro e da sua ordem social que Florestan descreve, em 1973, no citado ensaio sobre o mundo rural.38 No contexto do AI-5, já teria se concluído a autocratização completa do sistema político. No dizer do seu discípulo José de Souza Martins, para Florestan, aquele tempo era um tempo em que se fecharam as “possibilidades históricas” (MARTINS, 2006). Com essa caracterização da circunstância, o sociólogo passa a ter a visão pessimista que põe em dúvida a efetividade da resistência ao regime de 1964. Certamente ele não daria atenção aos atores oposicionistas que diziam haver, nas classes e grupos sociais, energias capazes de interromper o processo de endurecimento do regime nos anos de chumbo.

Nem acreditaria nos movimentos daqueles que, nesse tempo, buscavam subir à superfície por meio de atividade difícil, visando alcançar o ponto alto das liberdades, com as quais um protagonismo plural – este era o seu cálculo estratégico – novamente viria pôr à prova sua capacidade de mudar os rumos das coisas.

Como vimos nos seus textos dos anos 1950, Armênio Guedes refere os constrangimentos às mudanças sociais (antigos e novos) e à possibilidade de o agrupamento de vanguarda dar vida a uma “tática realista” e criatividade que potencializasse uma concertação pluriclassista.39 No caso da circunstância que começa com a destituição de Jango, o cometimento passa a ser o de construir uma articulação a partir dos contingentes afastados das esferas governamentais e, portanto, distantes da implementação das reformas.

As correntes derrotadas em 1964 logo procurariam sair do imobilismo, em primeiro lugar, as que atuavam no mundo político, campo no qual, mesmo cerceado, por meio de iniciativas, elas podiam se mover. Postos na defensiva, os antigos e novos e diversificados aliados iriam se ativar, conquistando espaços para desenvolver, com avanços e recuos, um movimento democrático contra o regime de 1964. O PCB não só extrai energias da frente única, como sobretudo pratica e defende, nos momentos de desânimo de áreas aliadas, o caminho gradualista e expansivo da resistência como se estivesse amalgamando sua própria identidade.40

Sob o registro da política, a análise de Armênio Guedes da conjuntura dos anos de chumbo delineia aquela perspectiva. A interdição da democratização, em 1964, não significa o fim do pensamento aqui referido, como as críticas ao PCB, que não foram poucas, chegaram a dar por suposto. Ao contrário, a Resolução Política do Comitê Estadual do PCB da Guanabara, embora conhecida em áreas restritas, em virtude da repressão, tem muito a ver com a estratégia da oposição.41

Nesse texto de 1970, tão emblemático quanto os seus escritos dos anos 1950, o labor de Guedes consiste em analisar a conjuntura do pós- 68. Novamente o seu cometimento é propiciar aos atores (ao seu partido e por meio dele às correntes diversificadas das oposições) pontos de referência para atuação nos anos mais violentos do regime de 1964. Como os textos de 1957 e 1958, a resolução de março de 1970 surge em uma época em que o fracasso da Primavera de Praga ainda repercutia no campo intelectual (tendo recebido apoio inclusive de militantes comunistas). No entanto, essa discussão sobre a natureza não democrática do socialismo real não será considerada nesta menção ao documento pecebista conquanto Guedes concentra sua análise na conjuntura.

O redator da Resolução do PCB da Guanabara avalia a trajetória dos governos militares e detém-se nos quase dois anos de chumbo subsequentes ao AI-5. Guedes via no acirramento do autoritarismo um “avanço do processo de fascistização” da ditadura de 1964 (sic). Argumentava que a tendência reacionária (em 1970, ela ainda podia aumentar), no entanto, vista em perspectiva, desde a caracterização do regime,42 podia ser barrada. Neste ponto chave, ele se colocava na contracorrente das teses que davam como consumado o fechamento completo do sistema político, incluídas as dos grupos radicalizados, principalmente jovens, que, então, protagonizavam ações armadas.

Ao analisar as marchas e as contramarchas da ditadura, Guedes põe atenção nas áreas de conflito que, segundo ele, ampliavam-se com a exarcebação da natureza do regime em várias direções (liberdades, instituições políticas, economia nacional, intelectualidade e cultura). O publicista via nos “males do regime” as possibilidades de oposição, quer seja contestação manifesta, de caráter parcial (em relação a um ou a mais aspectos da ação do regime), quer seja latente. Atento aos movimentos da conjuntura, ele observa que, à medida que avançava a tendência fascistizante, crescia a insatisfação e o regime perdia apoios no mundo político, o que era um dado dos mais importantes.

O analista busca identificar o “aspecto positivo” e o “ponto de partida” de um instante ou dimensão de um atrito que suscitasse iniciativas e ações continuadas. Segundo sua previsão, em torno dessas linhas de resistência, reunir-se-iam grupos e correntes políticas, sociais e culturais cada vez mais numerosas, cujos movimentos se afirmariam até adquirir dimensão nacional, nessa medida passando a expressar “o espírito de rebeldia brasileiro” (sic). Em virtude do ponto de vista militante em que se situava (diferentemente dos autores pessimistas que não dispunham deste tipo de conexão formulativa), Armênio Guedes termina apresentando às oposições os lineamentos de uma estratégia de desenvolvimento progressivo – assim nesta ordem – de “resistência, isolamento e derrota” do então (1970) poderoso regime militar.

Aí está, resumidamente, a estratégia de oposição descrita por Guedes. Aliás, nove anos depois, em um tempo em que já eram muitas as recep- ções de Gramsci no Brasil, ele admite, à hora da anistia de 1979, a comparação do caminho da resistência democrática à tese gramsciana da “guerra de posições”. Essa alusão, contudo, não reflete influência de Gramsci relevante nas suas ideias políticas inclusive nas dos anos 1980.

Entretanto, subsiste a questão, já posta em relação aos textos de 1957 e 1958, que ora necessita ser retomada: saber até que ponto, na sua formulação de 1970, aquela “guerra de posições”, proposta por Armênio Guedes como construção progressiva de um largo arco de correntes oposicionistas, ainda era uma tática pensada em termos de uma ideia da frente única nucleada pela aliança operário-camponesa.43 Esse é o tema da hegemonia, central no marxismo – hegemonia de classes em ação revolucionária (como em Lênin) ou hegemonia (classista) ampliada por conquista progressiva de consensos (em Gramsci) – posto em evidência nos anos do eurocomunismo. Enquanto o PCB acompanhava a questão sem se voltar para ela como controvérsia também sua, o PCI a considerou chave para a discussão sobre o socialismo pelo menos desde a década de 1970 até há bem pouco tempo.44 Guedes também escreveu sobre a crise do socialismo, no entanto, são os textos de análise da política brasileira os que mostram os traços peculiares do seu pensamento nos anos 1980.

A referência à centralidade da aliança operário-camponesa na frente única esmaeceria em áreas intelectuais e políticas ligadas à tradição pecebista, à medida que novas reflexões vieram mostrar que temos uma estruturação social muito diferenciada e realçar que somos uma formação social com rica articulação sociocultural. Estas dimensões são traços da sociedade brasileira complexificada a serem considerados devidamente no labor “formulativo” dos ambientes de raiz pecebista (adquirindo, assim, valor permanente), sendo exemplos o largo e variado associativismo, cada vez mais transclassista e a extensa opinião pública e os meios de comunicação livres. O sistema político com democracia representativa (partidos, eleições, liberdades, três níveis de parlamento, governos políticos) passou a ser reconhecido nessas áreas como valor irrenunciável; o pluralismo cultural igualmente ali visto como potencial civilizatório e assim por diante. Em tal clima político e intelectual aberto, a democracia política foi ganhando – se não para outros grupos de esquerda marxista, para as vertentes de origem pecebista remanescente hoje no PPS e fora dele – significado universal, ou seja, condição para um reformismo progressivo, democrático (de conquistas extensivas à “generalidade do país”, usando a expressão caiopradiana) e sustentável conquanto desenvolvido no Estado democrático de Direito.

Nestes tempos avessos a qualquer tipo de narrativa, a recusa à ação política teoricamente orientada pode encerrar os perigos do “mero ativismo” e “saltos no vazio sem se conhecer suas consequências”, como, já distante da filosofia da consciência, tem advertido Habermas.45 O pensador alemão se refere à possibilidade de uma “fecunda simbiose” entre teoria e prática que evite o abismo entre o “ideal” e o “possível” – “sem adiar nada para o final dos tempos” (IBIDEM). Num campo de esquerda que aceite sem reservas o Estado democrático de Direito, usando proposição do mesmo Habermas, não se dispensa, mas, ao contrário, se requer tanto explicitação dos fins do agir como sua avaliação e sobremaneira racionalidade interdiscursiva no ambiente político.

Para finalizar as presentes notas, interessa dizer que o cânone da ação consciente aqui descrito liga as duas construções – a do imediato pré-Declaração de Março de 1958 e a da matriz da revolução passiva – que aparecem no campo pecebista em tempos distintos. A propósito deste ponto, vale referir, por ser exemplar, o já citado publicista Luiz Werneck Vianna, nos primeiros momentos da transição democrática, com seus textos de época que enfatizam o tema da intervenção tempestiva do ator (VIANNA, 1983; 1986). No caso de Armênio Guedes, que publica textos sobre a transição democrática por toda a década dos anos 1980, chama a atenção sua permanente defesa da “ação política” (lúcida) com vistas a pôr em movimento um protagonismo pluriclassista na vida nacional. Ele propõe uma frente única que incida de modo eficaz nos momentos aqui aludidos: nos distantes anos 1950, uma concertação que reúna energias visando reestruturar em sentido democrático a modernização do país; e, nos tempos do pós-64, uma convergência que levasse à recuperação das liberdades democráticas.

Hoje, quando já não se põem as vistas em uma sociedade futura pertencente ao mundo da doutrina, o mesmo Armênio Guedes, não faz muito, como que voltando à questão da frente única (é uma conjectura sugerida pelo fato de, alguns anos atrás, ele nos pedir para encontrar o seu artigo Algumas ideias da frente única no Brasil, de 1957), parece querer voltar a ver a extensão das suas ideias de quase um pouco mais de meio século atrás, à parte o repertório usado naquela época. Em um programa Roda Viva, da TV Cultura de São Paulo (2008), referindo-se ao “caminho democrático ao socialismo” do PCI, afirmou, em tom, digamos, bem consciente do tempo em que estamos (mas também com olhar retrospectivo) que o que os comunistas italianos haviam trilhado, de fato, era um caminho democrático para a democracia.

Notas

1 Os Partidos Comunistas (PCs) foram abalados pelo informe de Kruschev. Por essa ocasião, alguns deles, como é o caso do Partido Comunista Italiano (PCI), se afastaram do marxismo-leninismo da URSS e passaram a tomar como referência de suas estratégias as circunstâncias nacionais. No Brasil, em 6 de outubro de 1956, os debates eclodiram nos jornais comunistas à revelia da direção partidária. Nos dias seguintes, vários intelectuais (Dalcídio Jurandir, Jorge Amado, Isaac Akcelrud, Moacir Werneck de Castro e outros) publicaram cartas exigindo a abertura da discussão. Na controvérsia, se defrontaram dois campos: os “abridistas” (do debate) ou renovadores e os “fechadistas”, temerosos de que o revisionismo da discussão descaracterizasse o PCB (SANTOS, 1988).
2 Há dois documentos do PCB do imediato pós-24 de Agosto que trazem a nova postura: o “Manifesto do Comitê Central: a ditadura de Café Filho”, de 01/09/1954 e “Comunistas e trabalhistas ombro a ombro na luta contra o inimigo comum”, de 12/10/1954 (SANTOS, op. cit.).
3 Há inclusive registro do apelo da direção à prevalência da doutrina, no estudo do terreno no qual atuaria o protagonista pecebista. Elias Chaves Neto reclama do fato de ter sido interpelado, em 1955, por tentar ver a circunstância brasileira, em um artigo publicado na Revista Brasiliense, recorrendo a Caio Prado e não aos princípios marxistas-leninistas (CHAVES NETO, 1977).
4 A Declaração de Março de 1958 contou com a mediação de Alberto Passos Guimarães, intelectual atento aos acontecimentos brasileiros, e sobretudo com a presença de Prestes na reunião do Comitê Central, decisiva para sua aprovação
5 Citemos uma passagem do livro em que o historiador define sua Economia Política, em contraste com a ânsia daqueles tempos por "produção e produtividade”: “As minhas reservas são relativas ao destaque que lhes é dado, sem a consideração que a meu ver deveria ser preliminar ou, pelo menos conjunta e no mesmo plano, da questão do consumo e do mercado. No caso brasileiro, e entre os dois polos do mecanismo econô- mico, a produção e o consumo, a oferta e a procura, escolheria o segundo como ponto de partida e baliza do assunto” (PRADO JR., 1954, in: PRADO JR., 2007, p. 147). Esta referência para um programa de reformas do capitalismo permanece inconclusa no próprio Caio Prado Jr. e no seu partido (esse livro está a merecer uma reedição).
6 A controvérsia sobre o desenvolvimentismo é uma das mais interessantes que este país já conheceu. O historiador não só publica, em 1954, Diretrizes para uma política econô- mica brasileira, como a seguir, em 1955, cria a Revista Brasiliense dirigida justamente àquela cena intelectual.
7 Ainda não têm sido objeto de estudo específico, nos documentos pecebistas, as seções da “tática” e das “nossas tarefas” e de outros tópicos dedicados à ação partidária, a suas insuficiências e efetividade. Nesse sentido, são muito interessantes os informes de balanço dos congressos, especialmente o do VI Congresso (PCB, 1967b).
8 A propósito, Alberto Aggio faz o registro formal, no campo pecebista, do sentido teorizante da ensaística de Luiz Werneck Vianna sobre a maturidade e a orientação política do PCB (AGGIO, 2011).
9 Em 1958, a Declaração de Março chamaria tal desenvolvimento capitalista nacional de “o elemento progressista por excelência da economia brasileira”, cf. PCB, 1958; ver o seu texto no apêndice deste volume.
10 No começo dos debates sobre o stalinismo, a imprensa partidária divulgou alguns materiais do PCI sobre o XX Congresso, em particular de Togliatti, que já apresentavam aquela concepção dos comunistas italianos.
11 Na parte final do seu livro de 1962, Sodré menciona um “estudioso” (sic) (Lênin) que o leva a ver a modernização brasileira como constituição da ordem burguesa ao “modo prussiano” (sic) (SODRÉ, 1962, p. 357). Nesse autor está sugerida a ideia da democratização como reversão da revolução burguesa “pelo alto” (Lênin) no Brasil. Sodré refere-se deste modo ao nexo entre revolução e democracia política: “A defesa do regime democrático, no processo da Revolução Brasileira, não se prende, assim, ao supersticioso respeito a uma legalidade qualquer, mas na compreensão de que a democracia é o caminho apropriado ao seu desenvolvimento. Não interessa ao nosso povo, evidentemente, uma legalidade qualquer, mas o regime democrático efetivo cujo conteúdo esteja intimamente ligado ao desenvolvimento de alterações econô- micas, políticas e sociais capazes de afetar profundamente o país e corresponder ao avanço das forças produtivas que impõem modificações radicais nas relações de produção” (IBIDEM p. 404).
12 Os dois primeiros são exemplares por seus excursos sobre a revolução na França e na Alemanha, e o último, por suas dissertações sobre a Rússia da passagem ao século XX e a Revolução de 1905. Como anotamos anteriormente, entre nós, Caio Prado Jr. fundamentava a teoria da “revolução brasileira” tanto na interpretação da nossa formação social (a ser exposta em quatro volumes, sendo A Revolução Brasileira, de 1966, além dos três já mencionados, o último livro) como também nos seus artigos divulgados pela Revista Brasiliense sobre temas econômicos, sociais e políticos (cf. SANTOS, 2001).
13 Em Marx, o critério de validação da teoria assim está posto na tese sobre Feuerbach nº 8: “Toda vida social es esencialmente practica.Todos los mistérios que inducen la teoria al misticismo encuentran su solución racional en la practica humana y en la compreensión de esta practica” (Cf. MARX, 1845; 1978). (Os grifos são do autor do presente texto; para o tema, ver VÁZQUEZ, 1980).
14 A ideia daquele tipo de atenção em uma determinada conjuntura é sugerida por uma passagem dos Cadernos do cárcere, na qual Gramsci se refere ao que chama de “nú- cleo 1848-1849” da revolução burguesa italiana (o Risorgimento). O clássico diz que os acontecimentos desses anos, “‘dada a sua espontaneidade’, podem ser considerados como típicos para o estudo das forças sociais e políticas da formação social italiana” (GRAMSCI, 1974, p. 125). Aliás, recorde-se “1945” como emblema das análises políticas caiopradianas do pré-1964 e a oposição democrática ao regime de 1964 como referência da tentativa de renovação do PCB da segunda metade dos anos 1970, assim aludida no terceiro tópico destas notas.
15 Como se sabe, Lênin analisa o processo revolucionário de 1905 sob a chave das vias das revoluções burguesas em países retardatários. Para ele, o capitalismo pode se desenvolver ao modo prussiano, se conduzido por uma aliança reacionária de classes altas urbanas e rurais ou ter curso farmer-progressista (de desenvolvimento capitalista rápido, europeu, e erradicação do ancien régime), caso ocorra uma eclosão revolucionária vinda de baixo. Inevitável a modernização, era mais provável que na Rússia se consolidasse a modalidade conservadora, dado o seu andamento já adiantado. No entanto, não estava excluída aquela segunda via por meio de uma ativação popular e camponesa que viesse derrocar o ancien régime czarista (LÊNIN, op. cit.).
16 Aquela expressão é de Engels e aparece em Que fazer? A menção lenineana se deve à distinção de Engels das três frentes da luta da classe operária alemã (a mais teórica do seu tempo) e não apenas duas: a frente da luta econômica, a frente da luta política e a frente da luta teórica (LÊNIN, 1902; 1975). O recurso a Engels ampara a tese lenineana da função teórica do partido revolucionário como portador (externo à classe operária) da “consciência social-democrata” (então, social-democrata equivalia a revolucionário) indispensável ao encaminhamento consequente das outras ações operárias (VÁZQUEZ, op. cit.). Ademais, recorde-se que Que fazer? e Duas táticas são textos dos mais expressivos desse último tipo de frente de luta ao interior dos grupos revolucionários russos, escritos em meio a inúmeras acirradas polêmicas que ocupam todas as páginas desses livros.
17 Em seu artigo, acima citado, Armando Lopes da Cunha se refere àquela meta como “modificação do governo nos quadros da atual Constituição”. No texto de Guedes, como se vê, não há referência à Constituição. A tese da formação de um novo governo “nos quadros do regime” pode estar expressando restrições à Carta de 1946, por suas insuficiências quanto à vida democrática. (Note-se que, no seu artigo de 1958, Guedes também vislumbra hipótese de a frente única alterar a composição do governo de JK, possibilitando a implementação de medidas reformistas, como se verá logo adiante).
18 A passagem acima “o coroamento da luta pela frente única nacional” sugere o advento de uma frente única de outra natureza? Citemos ainda este trecho: “Então, cabe mais uma vez perguntar: participando de tal governo, ou apoiando-o, o proletariado e seu partido perdem de vista a necessidade de forjar a aliança operária e camponesa? É evidente que não. Ao contrário, ao lutar por semelhante governo, o proletariado busca criar as condições que possibilitem o estabelecimento de relações definidas com o movimento camponês, apoiando-o firmemente. O proletariado pode assim assumir a direção da revolução democrática do campesinato” (GUEDES, 1957). Aqui aparece o tema do “democrático” da fórmula etapa “nacional e democrática”. Alusivo à dimensão das liberdades, da ampliação do sistema político e da importância da Constituição, ou se refere à estrita questão camponesa na revolução? De qualquer modo, como veremos no último tópico, a “revolução democrática do campesinato” não será levada pelo PCB a uma ativação camponesa como no modelo leniniano.
19 Para Engels, aquela era a condição das revoluções do fim do século XIX, no contexto das modernizações europeias “pelo alto” (sic). Seria um novo tipo de “revolução da maioria” (sic), diversa das “revoluções da minoria” do ciclo revolucionário de meados dos Oitocentos. O clássico pensava em uma via ao socialismo (cuja “ditadura do proletariado” assumiria a forma de uma “república democrática”, cf. Engels, 1894) válida na Alemanha modernizada (desenvolvimento econômico, sindicalismo, avanço eleitoral da social-democracia etc.) (ENGELS, 1895; 1975). Engels menciona o “método democrático” (sic) e eleições, após ele e Marx terem reconhecido que o capitalismo não havia se desenvolvido como uma revolução radical transformadora de todas as dimensões da vida social, como escreveram em O Manifesto Comunista (MARX; ENGELS, 1847-1848; e especialmente 1850 e 1895; 1975).
20 No seu opúsculo Duas táticas da social-democracia russa, Lênin prevê, no caso da Revolução de 1905, após a derrubada do czarismo, um desfecho em que poderia surgir uma “série de governos” provisórios (sic) conforme crescesse a ativação sociorevolucionária. Todavia, no transcurso dessa eclosão vinda de baixo, o marxista russo divisava o desencadeamento da revolução democrático-burguesa propriamente dita quando se instalasse a “ditadura revolucionária democrática do proletariado e do campesinato".
21 Logo depois do 24 de Agosto, em seu artigo inaugural da Revista Brasiliense, Política de união nacional, já aludido, o caiopradiano Elias Chaves Neto anuncia esta proposição: “A defesa da Constituição é, portanto, o ponto básico de uma política que visa resolver os problemas dos quais depende a nossa prosperidade” (CHAVES NETO, 1955).
22 Lê-se na atual Constituição: “Art. 3º. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária ...”), preceito que não é formalismo de técnica jurídica.
23 Naquele documento, Guedes apresenta sua concepção da estratégia de resistência ao regime de 1964 a partir da política, visão que diferencia a resolução pecebista de outras teses oposicionistas da época. Mais adiante, mencionaremos alguns pontos desse seu texto
24 Ver o artigo de Armênio Guedes Construir uma saída para a crise, eis a tarefa atual para as forças democráticas (1978), incluído na segunda parte deste volume.
25 O livro de Vianna chama particular atenção por suas remissões aos clássicos do tema da revolução burguesa não clássica: a Lênin, especialmente a Duas táticas da social-democracia russa (1905) e a O programa agrário da social-democracia russa, de 1907 (mais precisamente à noção de via prussiana) e a Gramsci e sua interpretação da revolução burguesa na Itália dos Oitocentos, o Risorgimento, como uma revolução passiva.
26 Depois, na linha de pensamento de Vianna, explicita-se uma formulação, próxima à de Guedes, “que se expressaria com todo o vigor na decidida reavaliação dos aspectos propriamente institucionais das estruturas democrático-liberais do Estado, e numa articulação das forças heterogêneas geradas pela ação modernizadora dos militares no Brasil, a partir do espaço da política” (cf. ZAIDÁN; SANTOS,1985; 1992 e 1996).
27 Essa reação relembra aquela que se teve em áreas pecebistas (cf. MATTOS, 1962), às vésperas de 1964, quando Caio Prado Jr. falara da necessidade de partidos fortes para sustentar as “reformas estruturais” desse tempo (reformas, aliás, que ele achava de grande porte a exigir apoio político muito sólido). Pessimista quanto à força do movimento nacionalista da época, o historiador inclusive chegaria a aludir a uma reorganização partidária (cf. PRADO JR., 1962; 2007).
28 Uma observação à margem: o pesquisador interessado no pensamento pecebista é levado a recorrer a elaborações de autores como Caio Prado Jr., Passos Guimarães, Armê- nio Guedes e Luiz Werneck Vianna, para citar os principais.
29 Esses intelectuais, que se tornaram conhecidos na segunda metade dos anos 1970 e primeiros anos da década de 1980, sim, tinham condições para conformar todo um campo de interpretação do Brasil com possibilidades formulativas para o tempo da transição (lembrando o sentido da obra de Caio Prado Jr.); campo depois chamado por um deles de matriz da revolução passiva.
30 Ao se estabelecer, nos primeiros tempos da Colônia, com anterioridade à emergência dos “camponeses antigos” (sic), o grande domínio territorialista estendera sobre os rurais uma enorme sombra de dependência (PASSOS GUIMARÃES, 1963). O escravismo (escravismo em era moderna), imposto manu militari, marca por longo tempo a força de trabalho trazida de fora para mover uma produção agrá- ria que tampouco mantinha nexo relevante com a vida dos homens rurais livres. A pequena propriedade se constitui no contexto de processos migratórios bem avançado no século XIX (IBIDEM).
31 Gramsci se refere a uma modalidade de revolução passiva de todo um período, cujas modernizações teriam características diversas das revoluções clássicas (Inglaterra). No caso da França, ele ressalta o “espírito jacobino, audaz, temerário”, decisivo nessa experiência (espírito ausente nos revolucionários do Risorgimento). O autor marxista o associa à larga hegemonia da França na Europa, à existência de um centro urbano como Paris e “à centralização conseguida na França por obra da monarquia absoluta”. Gramsci descreve essa via de revolução passiva atentando à evolução das classes criadas no decurso do desenvolvimento industrial (o caso alemão) “com o alcance do limite da hegemonia burguesa” e “a inversão de posições das classes progressistas” (com respeito às classes antigas). Tal inversão induzira a burguesia a não lutar “até o fim contra o velho regime, mas a deixar subsistir uma parte da sua fachada sob a qual oculta o domínio efetivo” (IBIDEM).
32 Florestan Fernandes faz menção a Gramsci no seu ensaio sobre a “revolução encapuzada” brasileira, A revolução burguesa no Brasil, de 1975. Depois se conhecem no país outros usos de Gramsci, em sua grande maioria sem a centralidade que a noção de revolução passiva tem no autor pecebista.
33 A tese proposta ao V Congresso (1960) para orientar o trabalho agrário (reafirmando a Declaração de Março) ilustra bem: “Entretanto, o movimento camponês se ressente de grande atraso e é muito baixo o seu nível de organização. A fim de impulsionar a organização das massas do campo, é necessário atribuir uma atenção primordial aos assalariados e semiassalariados agrícolas. Em virtude de sua condição social de proletários ou semiproletários, como também do seu grau de concentração, os assalariados rurais são mais suscetíveis de organizarem-se em sindicatos que podem constituir as bases iniciais para a mobilização das massas camponesas. Esta mobilização exige, igualmente, que se parta das condições atuais do movimento camponês e se tomem por base as reivindica- ções mais imediatas e viáveis como a baixa das taxas de arrendamento, a prorrogação dos contratos, a garantia contra os despejos, o pagamento do salário mínimo, a legitimação das posses etc. (...)” (PCB, 1960, p. 73). Alberto Passos Guimarães, citando o texto lenineano de 1907, apresenta esse sindicalismo camponês como uma “revolução agrária não camponesa” (imaginada por Lênin em um país em que a agricultura já estivesse “amalgamada” à economia capitalista) “que não revolucione as relações agrárias que afetam em especial os camponeses e não destaque estes entre as forças sociais, sequer ativas, executoras da revolução” (PASSOS GUIMARÃES, 1960b). Aqui ela começaria no contexto de um “grande movimento social” dos assalariados e semiassalariados sob forma sindical. Essa ativação para mobilizar camponeses desdobraria a revolução agrária não camponesa (no início voltada para a destruição dos vestígios feudais, escravistas) em ação propriamente camponesa em torno da reforma agrária (IBIDEM). (A expressão ”grande movimento social” é de Caio Prado Jr. que a usa não como tática para alcançar camponeses, mas para se referir ao associativismo trabalhista de “empregados agrícolas”, estratégico do começo ao fim da revolução agrária).
34 Ver PRADO JR., 1933 e 1942; e para o ator burguês, 1945 e 1977; e para o campesinato, PASSOS GUIMARÃES, 1960a; 1996; e 1963.
35 A alusão àquele conceito é sugerida apenas no sentido da amplitude das ações do partido a que Gramsci se refere como “intelectual coletivo”, conquanto requerido pela circunstância das sociedades complexas do seu tempo. Esse ator iria dirigir uma revolução que exigia, como condição para a conquista do poder, construir hegemonia diruptiva da ordem por meio de uma "guerra de trincheiras" (sic) nas inúmeras agências da sociedade civil (GRAMSCI, op. cit.). A respeito do tema, uma anotação à margem: para compreender o novo tipo de estruturação social dos anos 1930, Gramsci ampliara sua teoria social com o conceito de Bloco Histórico, mais inclusivo de dimensões da vida social que os modelos de modo de produção e de formação econômico-social (PORTANTIERO, apud SANTOS, 1978).
36 Referiremo-nos particularmente ao artigo de 1973 por ele ter sua publicação mais pró- xima à circulação do citado texto de Guedes (1970).
37 Essas populações rurais “não possuem qualquer possibilidade de utilizar a ordem social competitiva para resguardarem seus interesses”. Para elas, a ordem social competitiva está praticamente “morta”, “no que tange a processos de suas relações positivas com as funções classificadoras do mercado interno e com as funções estratificadoras do sistema de produção capitalista” (FLORESTAN, 1973, p. 195). A esses “condenados do sistema” (sic) só lhes restava o “único caminho” das “migrações internas” (e as “pontes” que eles criavam com os polos “modernos”), tornando tal tipo de “mobilidade espacial e socioeconômica” em “técnica de redefinição das posições e das situações de classe” (IBIDEM).
38 Lê-se no texto: “Por paradoxal que pareça, as ‘forças da ordem’ e de ‘defesa da paz social’ identificam-se com a sobrevivência indefinida das iniquidades econômicas, sociais e políticas que são incompatíveis com o ‘capitalismo maduro’” (IBIDEM, p. 198). Em uma passagem anterior, Florestan anota que, na ponta dos despossuídos, os “condenados do sistema”, havia a apatia, a acomodação passiva, “produtos da desmoralização coletiva de uma ordem ultrarrepressiva” (IBIDEM, p. 196).
39 As Teses para o V Congresso (1960) anunciavam aquele lineamento deste modo: “A experiência da vida política brasileira tem demonstrado que as vitórias anti-imperialistas e democráticas parciais só puderam ser obtidas pela atuação em frente única de várias forças interessadas na emancipação e no progresso do país. A alian- ça destas forças resulta, portanto, de uma exigência da própria realidade objetiva” (PCB, 1960, p. 61).
40 A propósito da relação entre a política e a cultura no tema do partido, Norberto Bobbio diz: “Cultura ya no fuera o contra el partido, sino dentro o por medio del partido” (BOBBIO, 1993, p. 273). O comentário do autor vem por conta da sua referência à visão gramsciana do partido como um “crisol de la unificación de la teoria y de la practica” (IDEM).
41 É desse momento uma resolução do Comitê Central do PCB sobre o papel dos entendimentos políticos na resistência democrática (“nos mais diferentes níveis”, cf. PCB, 1971). Há também um outro texto pecebista que registra as articulações e ações parciais (“moleculares”, na linguagem gramsciana) contra o regime de 1964 nas esferas sindical e associativa.
42 A resolução do Comitê Central do PCB, de maio de 1965, dizia que 1964 não podia ser considerado apenas como um golpe de Estado, mas como uma mudança na forma de dominação estatal (cf. PCB, 1965; 1982). Guedes repete esta caracterização na resolu- ção ora recenseada
43 Na análise de conjuntura da Resolução da Guanabara, a passagem alusiva a um cená- rio mais distante é a relativa à estratégia “limitada da fase atual” (1970) da luta contra o regime de 1964, e a que registra que o erro da sua diluição na “tática quase cotidiana” seria evitado “desde que subordinemos as ações de resistência ao objetivo central da frente única nacional e antiditatorial” (GUEDES, 1970). A estratégia de “resistência, isolamento e derrota” da ditadura levaria ao entendimento entre as correntes da oposição visando o “Compromisso nacional com a democracia”, como diz ele no texto de 1978 (GUEDES, 1978).
44 A ideia de frente única pode ser vista em três referências importantes. Primeiro, está posta em O Manifesto Comunista, nas suas páginas finais. Depois pode ser acompanhada nas Frentes Populares antifascistas e especialmente após o golpe sangrento no Chile (1973), no “compromisso histórico” concebido por Berlinguer como convergência das principais vertentes políticas da Itália daqueles anos de Aldo Moro (comunistas e democratas-cristãos). O Partito Democratico (PD) italiano de agora se distancia do seu partido-raiz, o PCI, e da fórmula novecentista da união entre correntes heterogê- neas para a “luta contra o adversário”. O PD, como disse Walter Veltroni, indica outra direção: será possível obter consensos e “modificar as relações de forças eleitorais” na Itália apenas com uma “profunda inovação política e programática”, cuja credibilidade exige ainda “testes de competência para governar.” O autor se refere à necessidade de o PD dispor de melhor “oferta política” como base para a concretização, por via eleitoral, de uma “grande aliança na sociedade italiana, uma aliança com o país” (VELTRONI, 2008; ver SANTOS, 2009).
45 Velasco Arroyo observa que, no âmbito da teoria da ação comunicativa, Habermas se propõe superar o marco da “filosofia da consciência” – à qual se filia o modelo marxista e leninista do partido portador da consciência revolucionária “de fora” à classe operária –, testando no tema da relação entre teoria e prática as possibilidades das suas teses da ação comunicativa. Longe das grandes certezas da filosofia da história, Habermas elabora uma estratégia intelectual “que possibilita a colocação não voluntarista de propostas construtivas” (cf. VELASCO ARROYO in: HABERMAS, 1999).

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