terça-feira, 3 de março de 2015

Míriam Leitão - Não foi só a chuva

- O Globo

A crise de energia é grave, tem várias causas, pesará violentamente sobre o bolso do consumidor, tirará competitividade da economia. A falta de chuvas apenas revelou o que foi construído pela incompetência e erros sequenciais do governo na gestão elétrica. Tenho defendido isso aqui há dois anos. Um estudo detalhado da ONG Amigos da Terra mostra como esta crise poderia ter sido evitada.

A Amigos da Terra lança esta semana um estudo que é resultado de um ano de trabalho. Com atualizadas ferramentas de comunicação, vídeos e produtos da web, o grupo apresenta o resultado de estudos e entrevistas com especialistas no tema. Apesar de falar dos problemas, a mensagem é positiva: "o desafio da escassez pode nos tornar eficientes."

Entre as principais 16 economias do mundo, diz o estudo, o Brasil é o penúltimo em eficiência energética. Segundo o estudo, o risco agora é que, diante da dramaticidade da crise, o país pode acabar errando ainda mais ao tomar medidas imediatistas. O objetivo do estudo é fomentar o debate para, quem sabe, ao enfrentar a crise, o país possa corrigir as distorções que a produziram.

Segundo dados do Balanço Energético Nacional, citado pela Amigos da Terra, "as perdas na transmissão e distribuição representam o terceiro maior consumidor de energia elétrica do Brasil, depois da indústria e das residências". As perdas representam um volume de energia que é o dobro do consumo de todo o setor público do país, "de hospitais a escolas, de iluminação pública a tratamento de água". Esse é um ponto a se tocar imediatamente. Em outra parte do estudo, fala-se do absurdo que é o padrão de eficiência energética dos eletrodomésticos brasileiros. Mesmo o melhor do selo Procel é menos eficiente do que os equipamentos em outros países.

A origem da crise é contada no estudo de forma didática, ponto a ponto. O primeiro é o que está no título da coluna. Não foi culpa só da chuva. Claro que a seca torna o problema pior, mas ele foi criado pelas decisões do governo. O pior tiro na culatra foi o governo ter tomado "medidas drásticas" para incentivar o consumo de energia, ao reduzir o preço. Diz que, com o "conceito de modicidade tarifária", o governo "agiu de forma populista, com preços insustentavelmente baixos no curto prazo, que agora acabam disparando para pagar o rombo criado".

O estudo atribui à falha regulatória o fato de as termoelétricas terem sido remuneradas com preços acima do seu custo. A empresa que mais lucrou com isso foi a Petrobras. Ganhou R$ 1 bilhão num período de apenas nove meses fornecendo energia a preços mais altos.

"Não foi por falta de aviso", diz o estudo ao falar das megausinas hidroelétricas que estão atrasadas e tiveram aumentos de custos. "Por estarem na Amazônia, problemas logísticos, ambientais, fundiários, trabalhistas, sociais e de engenharia se multiplicaram." Acham que tudo isso era previsível, o governo foi alertado, mas subestimou os custos criando a falsa ideia de que a energia dessas usinas é barata. Lembra que todos ignoraram, principalmente o BNDES.

O estudo lembra que essas usinas são a fio d"água. Escolha feita para supostamente atender os ambientalistas e que foi criticada por vários do setor elétrico. A vantagem ambiental seria não fazer grandes lagos e, portanto, reduzir o impacto no meio ambiente. Não funcionou assim, porque o impacto ambiental que afeta o entorno da usina, muito além da área alagada, continua a acontecer.

O trabalho critica o planejamento energético. Primeiro, por não existir um verdadeiro planejamento. Segundo, porque a única decisão que é sempre repetida é continuar ampliando a dependência das hidrelétricas, que já fornecem hoje 70% da energia do país. Lembra que os estudos científicos mostram alterações nos regimes de chuvas. Como complemento, o governo usa as termoelétricas que emitem gases de efeito estufa. Ou seja, ao planejar, fez "mais do mesmo", quando deveria ter olhado para as novas fontes, como fotovoltaica, biocombustíveis, biomassa, eólica, "alternativas que reduziriam o risco". Em outros pontos tratados, o estudo mostra que esta é uma crise que poderia ter sido evitada com boa gestão na área energética.

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