quinta-feira, 16 de abril de 2015

Depois de preso, Vaccari se afasta do PT

Prisão de Vaccari agrava crise no PT

• Partido sai em defesa de Vaccari; Planalto silencia sobre o caso para se afastar da crise

- O Globo

SÃO PAULO, BRASÍLIA e CURITIBA - Horas depois de ser preso na 12ª fase da Operação Lava-Jato, o tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, pediu, na tarde de ontem, o afastamento de suas funções no partido, que anunciou sua saída. Foram apontadas como justificativas para a prisão dele sua permanência no cargo, considerada pelo juiz Sérgio Moro como arriscada para o futuro das investigações do esquema de desvios da Petrobras, seu envolvimento em irregularidades cometidas na Cooperativa Habitacional dos Bancários (Bancoop) e movimentações financeiras atípicas de seus familiares. A notícia da prisão de Vaccari chegou bem cedo ao Palácio do Planalto, que preferiu não se posicionar oficialmente sobre o caso. O objetivo do governo é se distanciar das denúncias envolvendo o agora tesoureiro afastado do PT.

No fim do mês passado, Vaccari se tornou réu na ação penal aberta na Justiça Federal do Paraná por corrupção, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. Mesmo assim, resistia na tesouraria do PT. Em seu despacho, Moro escreveu que "o mundo do crime não pode contaminar o sistema político-partidário" e ressaltou que a manutenção de Vaccari em liberdade oferecia "um risco especial" às investigações em curso. Além disso, o juiz apontou que uma gráfica pertencente a dois sindicatos ligados ao PT e à CUT teria sido usada por Vaccari para lavar dinheiro desviado da Petrobras. O fato derrubaria a tese que vem sendo defendida pelo tesoureiro e por outros dirigentes petistas de que as empresas envolvidas no escândalo da Petrobras teriam feito apenas doações legais ao partido.

Além de Vaccari, preso por volta das 6h, quando saía de sua casa, na Zona Sul de São Paulo, para fazer uma caminhada, sua mulher, Giselda Rousie de Lima, também foi ouvida. Na residência do casal, a polícia cumpriu um mandado de condução coercitiva e a obrigou a depor. A cunhada do tesoureiro, Marice Correa de Lima, também teve mandado de prisão temporária decretado, mas até as 21h de ontem não havia sido localizada.

Os investigadores detectaram vários depósitos suspeitos nas contas da mulher, da cunhada e também da filha de Vaccari, Nayara de Lima Vaccari. Segundo o procurador do Ministério Público Federal Carlos Fernando dos Santos Lima, eles são indícios de "lavagem de dinheiro". Dois apartamentos - um em nome da cunhada e outro em nome da filha do tesoureiro - teriam sido usados no esquema.

De acordo com relatório da Receita Federal encaminhado à força-tarefa da Lava-Jato, foi detectado um significativo aumento patrimonial de Nayara, que é médica, entre 2009 e 2014. Nesse mesmo período, a filha de Vaccari não declarou nenhum rendimento, à exceção de uma bolsa de residente em Medicina por dois anos. Mesmo assim, seus bens saltaram de R$ 240 mil para mais de R$ 1 milhão. Entre 2006 e 2014, circularam pela conta dela R$ 1,6 milhão, dos quais 32,7% não tinham origem identificada, segundo dados do MPF.

PT defende conduta
O procurador Santos Lima comparou a função exercida por Vaccari no PT com a desempenhada pelo doleiro Alberto Youssef no PP, outro partido apontado como integrante do esquema de corrupção detectado na Petrobras.

- A posição de João Vaccari é muito semelhante à de Alberto Youssef porque ele é um operador de um partido político no esquema da Petrobras - afirmou.

O representante do Ministério Público Federal citou ainda a ação que Vaccari responde na Justiça paulista por irregularidades supostamente cometidas por ele como presidente da Bancoop entre os anos de 2005 a 2010.

- A característica de reiteração criminosa dele é bem clara, até num tom de desafio às instituições. Já há indícios concretos da reiteração de crimes em fatos semelhantes, crimes contra o sistema financeiro, corrupção, desvio de recursos. O fato de (haver) uma ação penal em curso em São Paulo contra ele não o intimidou em nada - disse Santos Lima.

A prisão de Vaccari agravou a crise no PT e fez com que o presidente da legenda, Rui Falcão, reunisse-se às pressas com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na tarde de ontem. Os dirigentes da sigla mantêm o discurso de que o partido está sendo vítima de uma perseguição política por parte das autoridades responsáveis pela Lava-Jato. Vem desse sentimento o temor de que outras figuras de destaque da legenda, como os ex-ministros José Dirceu e Antonio Palocci, possam também vir a ser presos nas próximas semanas.

Ao anunciar o afastamento de Vaccari, em nota redigida pela corrente majoritária do partido com o crivo de Lula, o PT respaldou o tesoureiro e manteve a linha de enfrentamento com os investigadores da Lava-Jato. Na nota, o partido afirma repudiar e considerar injustificada a prisão de Vaccari, já que ele vinha prestando todo os esclarecimentos solicitados pelos responsáveis pela investigação. Em nota, o PT reafirma a confiança na inocência do tesoureiro, "não só pela sua conduta frente à Secretaria Nacional de Finanças e Planejamento, mas também porque, sob a égide do Estado Democrático de Direito, prevalece o princípio fundamental de que todos são inocentes até prova em contrário".

No comunicado, o PT diz ainda que Vaccari pediu o afastamento de seus funções por "por questões de ordem práticas e legais". Segundo petistas, no pedido enviado à Executiva, Vaccari pede apenas um afastamento temporário, o que significa que ele poderia voltar ao posto se for solto. "O Partido dos Trabalhadores expressa sua solidariedade a João Vaccari Neto e sua família, confiando que a verdade prevalecerá no final", conclui a nota.

O teor do comunicado provocou descontentamento entre os próprios dirigentes petistas.

- A nota defende o tesoureiro. Não defende o PT. Vamos propor ao Diretório que defenda o PT - explicou Carlos Árabe, representante da Mensagem na Executiva.

Está marcada para hoje reunião da Executiva e, amanhã, do Diretório. Ambas em São Paulo.

Oficialmente, o Planalto não se manifestou sobre a prisão de Vaccari, mas auxiliares da presidente Dilma Rousseff disseram ontem que a detenção do tesoureiro do PT era algo previsível e que a preocupação agora em Brasília é separar o governo federal das denúncias envolvendo Vaccari. Ainda segundo assessores da presidente, desde que surgiram as primeira denúncias relacionadas ao ex-tesoureiro, Dilma defendia internamente que ele se licenciasse do partido para poder se defender. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no entanto, resistia ao afastamento, mas teria mudado de opinião há alguns dias.

Temendo que a prisão contamine o governo, a equipe de Dilma adotou o discurso de que, nas campanhas de 2010 e 2014, Vaccari não participou diretamente da arrecadação de recursos. No ano passado, o responsável pelas finanças da campanha presidencial foi o atual ministro Edinho Silva (Secretaria de Comunicação Social). Em 2010, foi o ex-deputado José de Fillipi Júnior. É fato, no entanto, que o Diretório Nacional do PT, que tinha contas administradas por Vaccari, fez vários repasses à campanha.

Coube ao ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, a tarefa de avisar a presidente Dilma sobre a prisão do tesoureiro do PT, mas, publicamente, ele não quis fazer comentários. Reafirmou apenas que espera que tudo seja devidamente esclarecido.

O vice-presidente e articulador político do governo, Michel Temer, reforçou, por sua vez, o discurso de que a prisão de Vaccari não tem nenhum vínculo com o Executivo:

- Isso é uma questão da Justiça. Não tem nenhuma conexão com o governo.

Segundo o secretário de Comunicação do partido, José Américo, o nome do novo tesoureiro deve ser escolhido até amanhã, mas há dificuldade de encontrar alguém disposto a ocupar o cargo. Dois dos quatro últimos titulares acabaram presos - além de Vaccari, Delúbio Soares foi condenado no mensalão. Segundo Américo, a ausência de um tesoureiro dificulta o funcionamento do partido, razão pela qual o novo nome deve sair até sexta-feira.

A corrente Mensagem ao Partido, a segunda maior dentro do Diretório Nacional do PT, defende a adoção de uma saída preventiva: o afastamento imediato de todos os dirigentes investigados por crimes como o de corrupção. Segundo lideranças dessa tendência, isso incluiria o líder do PT no Senado, Humberto Costa, que responde a inquérito no Supremo Tribunal Federal (STF) por suposto envolvimento em irregularidades na Petrobras. Essa proposta de afastamento consta de documento que a Mensagem entregou à Direção Nacional para ser apreciada durante o congresso do partido, em junho.

O advogado de Vaccari, Luiz Flávio Borges D"Urso, disse que deve impetrar hoje habeas corpus em favor de seu cliente, por entender que a prisão foi injusta e sem base jurídica.

- Não há nenhum elemento fático. O que temos é a palavra de delatores - disse D"Urso, para quem todas as doações de recursos angariadas pelo tesoureiro para o PT foram feitas de forma legal, com prestação de contas à Justiça Eleitoral.

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