terça-feira, 14 de abril de 2015

João Cabral de Melo Neto - A palo seco

(Trechos)

Se diz a palo seco
o cante sem guitarra;
o cante sem; o cante;
o cante sem mais nada;
se diz a palo seco
a esse canto despido
ao cante que se canta
sob o silêncio a pino

O cante a palo seco
é cantar num deserto
é o cante mais só:
devassado de sol;
é o mesmo que cantar
num deserto sem sombra
em que a voz só dispõe
do que ela mesma ponha.

O cante a palo seco
é um cante desarmado:
só a lâmina da voz
sem a arma do braço;
que o cante a palo seco
sem o tempero ou ajuda
tem de abrir o silêncio
com sua chama nua

A palo seco existem
situações e objetos:
Graciliano Ramos
desenho de arquiteto,
as paredes caiadas,
a elegância dos pregos,
a cidade de Córdoba,
o arame dos insetos.

Eis uns poucos exemplos
de ser a palo seco,
dos quais se retirar
higiene ou conselho:
não o de aceitar o seco
por resignadamente,
mas de empregar o seco
porque é mais contundente.

Quaderna (1959), João Cabral de Melo

Nenhum comentário: