sexta-feira, 10 de abril de 2015

Marta Suplicy - Patinação

- Folha de S. Paulo

Não é no gelo nem em pista. É no governo mesmo. Toda semana quero mudar de assunto e não consigo. Esta semana não foi a bola que entrou redonda no Planalto e saiu quadrada, mas a trapalhada foi de tal tamanho que virou vexame.

Ação que humilhou um ministro, que soube por meio de um site que estava sendo demitido, um convite ao futuro ocupante sem conversar com seu partido, o que propiciou o não aceite público do convidado. E, para finalizar, usar da prerrogativa presidencial de extinguir um ministério e nomear o vice-presidente como responsável pela interlocução política do governo sem dar os passos básicos que antecedem tal operação. Inclusive no Legislativo. Nunca antes o país presenciou tanta falta de jeito e perda de oportunidades de fazer o erro reverter em aprendizado e benefício.

A seguir a patética --e inacreditável-- entrevista de Pepe Vargas aceitando o "apelo" da presidenta para assumir a Secretaria de Direitos Humanos e logo sendo interrompido na coletiva por um telefonema. Volta acabrunhado para dizer que não havia confirmação. No final do dia ocorre a nomeação. Foi de um constrangimento que ninguém merece. Nem nós.

Logo após passamos a ter a dimensão do desacerto. O vice não aceita mais o ministério, somente a incumbência do trabalho de interlocução. Saíram todos descontentes, como sempre.

Nos ombros do vice repousa agora imensa responsabilidade. Mas qual é o significado do vice-presidente, que também é presidente do maior partido aliado, ser incumbido da tarefa de fazer a articulação política do governo? Temer já entrou na roda em momentos de apuro nas relações entre seu partido e o governo.

Mas é diferente de assumir as negociações com o Congresso como um todo. Não que não possua o talento necessário. Ele já conversa bem com todos os segmentos e ter-se mantido há anos na presidência do PMDB, com tantos caciques, comprova suas habilidades.

Temer pode obter um bom resultado, o que facilitará a aprovação das MPs de ajustes que o governo necessita. Entretanto o resgate da credibilidade perdida pela figura da presidenta dificilmente ocorrerá. Na hora em que tenta um atalho de governabilidade via Temer, Dilma continua fugindo da responsabilidade da autocrítica, sem fazer a repactuação sincera com a sociedade.

Melhorando a relação com o Congresso não sei quão "feliz" ficará a presidenta, e seus próximos, com o aumento de poder do vice e de seu partido. Já entregou a economia e agora com a terceirização da política, como reagirá com a mudança efetiva do eixo do poder?

Em patinação, fazer piruetas e saltos, sem talento ou treino adequado, costuma ser muito arriscado.

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Marta Suplicy é senadora (PT-SP)

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