terça-feira, 14 de abril de 2015

Míriam Leitão - O risco latino

- O Globo

Nos últimos 15 anos, a América Latina foi beneficiada pelo forte crescimento chinês e pela valorização das matérias-primas. Soja, minério de ferro, cobre, petróleo, tudo subiu de preço, aumentando exportações, gerando superávits no balanço de pagamentos e fortalecendo a arrecadação dos governos. Agora, a região terá que se adaptar a um cenário mundial menos favorável.

Pareceu fácil durante muito tempo, porque inverteram-se os termos de troca, como dizem os economistas. O que a região exporta aumentou de preço. O boom das commodities ajudou Venezuela e Colômbia, que exportam petróleo; Brasil, que exporta minério de ferro e alimentos; Argentina, que exporta um pouco de tudo; Chile, que vende cobre. Tudo isso, em grande parte, subiu puxado pelo crescimento chinês. Depois da crise de 2008, as emissões monetárias dos países ricos e o esforço da China para evitar a queda abrupta mantiveram as matérias-primas em alta.

O crescimento chinês, que chegou a 14% no melhor momento, em 2007, está em torno de 7% este ano e deve diminuir nos próximos. Isso significa menor consumo de commodities, principalmente as metálicas, o que é um problema para vários países da região. A diretora-gerente do FMI, Christine Lagarde, avisou em entrevista a um jornal peruano que o tempo de vagas gordas acabou e que a hora é de reformas.

O Brasil já está sendo afetado pela forte queda do minério ferro. Somente este ano, há redução de 30% nos preços internacionais da matéria-prima. Em 12 meses, o tombo chega a 60%. Depois de passar de US$ 180 em 2011, a tonelada está sendo negociada na casa de US$ 48. Ontem, o Citigroup escreveu em relatório que os preços podem cair para US$ 30 até 2020. Por esse cenário adverso, a agência de classificação de riscos Standard & Poor"s (S&P) avisou que pode colocar sob revisão negativa o rating da Vale e de outras sete mineradoras pelo mundo.

A S&P revisou de 2,1% para 0,8% a previsão de crescimento do PIB da América Latina este ano. Praticamente todos os países tiveram números reduzidos, desde a estimativa feita há três meses. A Venezuela teve um corte de seis pontos percentuais, de alta de 1% para queda de 5%. A trapalhada política e econômica do governo Nicolás Maduro ficará mais grave com a forte queda do preço do petróleo. O Brasil teve a segunda maior revisão negativa, de 0,8% de alta para retração de 1%, enquanto a Argentina teve um corte de 1% para 0,5%. Esses são os três países latino-americanos com piores perspectivas para 2015.

Mas até as economias que cresceram fortemente nos últimos anos estão sendo afetados pela conjuntura internacional. A Colômbia, que cresceu 4,8% em 2014, deve ter seu ritmo reduzido para 3,5%, segundo a S&P. O principal produto de exportação da Colômbia é o petróleo. O Chile e o Peru reduziram o ritmo no ano passado, com altas de 1,6% e 2,6%, respectivamente, e este ano devem melhorar um pouco, para 2,5% e 3,6%. O México, que tem uma relação mais forte com a economia americana, deve crescer mais em 2015, 3%, do que os de 2,1% de 2014.

O Brasil se tornou um problema, porque é o maior PIB da região e está estagnado. Isso afeta a maioria das economias da área. A ameaça de alta dos juros americanos também torna o crédito mais caro e mais restrito para todos os países. Num efeito circular, a desaceleração na América Latina é também um problema para a indústria brasileira porque a maior parte das nossas exportações de manufaturados tem como destino países do Mercosul, principalmente a Argentina.

O Brasil deveria ter aproveitado o bom momento para estabelecer mais mercados para os mais variados produtos brasileiros. Foram muitos os avisos de que a dependência da China e de alguns produtos estava grande demais. O comércio com os Estados Unidos encolheu. O Brasil não fechou acordos comerciais com nenhum país relevante. E precisa mais do comércio exterior para financiar seu déficit e reduzir a pressão cambial. Os governantes acharam que o ciclo duraria para sempre.

Mesmo estando com todas essas dificuldades, a América do Sul perdeu a oportunidade da reunião de cúpula das Américas. A maior parte do tempo foi gasta por presidentes como Rafael Correa, do Equador, ou Nicolás Maduro, em diatribes ideológicas contra os Estados Unidos. A mesma briga que Cuba encerrava por ser obsoleta.

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