segunda-feira, 27 de abril de 2015

Vai sair do meu, do seu, do nosso – Editorial / Època

• O acintoso aumento do fundo partidário, sancionado por Dilma por pressão do PT e outros partidos, mostra como o sistema de financiamento político é mais público do que privado

Vai sobrar para o pobre contribuinte brasileiro, já castigado por uma escorchante carga tributária que ultrapassa os 37% do PIB nacional. Em tempos de Operação Lava Jato, que revelou o duto entre as doações para os partidos políticos da base do governo e os superfaturamentos e propinas nos contratos da Petrobras, está faltando financiador na praça para os partidos políticos. Capitaneados pelo PT, maior prejudicado pelo escândalo, os partidos encontraram a solução para seus problemas financeiros no Orçamento da União. Vão tirar "do meu, do seu, do nosso", na antológica definição do ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga, o dinheiro para cobrir o buraco em suas contas, aberto pelo sumiço dos doadores e agravado pela entressafra eleitoral Com o apoio do relator-geral da proposta de Orçamento de 2015, senador Romero Jucá (PMDB-RR), eles conseguiram aumentar as verbas do fundo partidário, que destina recursos públicos para a manutenção dos partidos políticos, para R$ 867,6 milhões. A cifra representa três vezes o valor da proposta inicial encaminhada pelo governo ao Congresso Nacional.

Enfraquecida politicamente, a presidente Dilma Rousseff se curvou à pressão dos partidos, mesmo tendo de encaminhar um ajuste fiscal, que está impondo à população alguns cortes dolorosos e uma recessão na economia. Sancionou o acintoso aumento do fundo partidário, quando tinha a opção de vetá-lo e depois editar uma medida provisória, estabelecendo um valor menor. A justificativa de assessores do Palácio do Planalto é que Dilma não queria se desgastar com os partidos no momento em que precisa reunir apoios no Congresso para aprovar as medidas que compõem o ajuste fiscal Na verdade, a sanção foi mais uma trapalhada política do Planalto. O aumento dos recursos do fundo partidário é uma desfaçatez em um período de aperto e é mais um motivo de desgaste para a corroída imagem da presidente e dos partidos da base do governo. Feito o estrago, o vice-presidente Michel Temer, em suas atribuições de novo articulador político do governo, tentou remediá-lo. Temer disse que a presidente poderia contingenciar (leia-se bloquear) os recursos do fundo - medida incabível, porque a lei, com o objetivo de preservar os partidos de oposição de retaliações por parte do Executivo, estabelece que o dinheiro dos partidos não pode ser contingenciado.

Apareceram então as divergências internas no PMDB (leia mais sobre as divergências no partido na entrevista de Henrique Eduardo Alves, na página 46). Procurando afastar-se da decisão desastrosa, encaminhada por um aliado, Romero Jucá, com quem costuma ter alinhamento automático, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), criticou a sugestão de Temer, mas preferiu concentrar seus ataques em Dilma. "A presidente fez o que havia de pior. Sancionou um aumento incompatível com o ajuste fiscal e disse que vai contingenciar. Fez as duas coisas ao mesmo tempo e errou dos dois lados", disse Renan. Segundo o presidente do Senado, Dilma "deveria ter vetado o aumento, como muitos pediram. Aquilo foi aprovado no meio do Orçamento sem que houvesse um debate suficiente". Em meio ao quiproquó, em que alguns peemedebistas se queixaram de que estavam assumindo um ônus político que cabia ao PT, o PMDB soltou uma nota oficial em que anunciou que não usará parte dos recursos do fundo partidário de 2015.

Até por seu lado rocambolesco, o episódio é revelador de vários aspectos da conjuntura política em Brasília. O governo Dilma está tão aturdido politicamente que toma medidas que acredita que apaziguarão seus aliados no Congresso, mas na verdade os atiça. Mesmo com a nomeação do vice-presidente Temer, alguns peemedebistas não perdem uma oportunidade para tripudiar sobre a presidente, como fez Renan. Os "profissionais" do PMDB também estão dando cabeçadas entre si, o que mostra que o maior partido do Congresso continua a ser uma confederação de lideranças regionais, em que cada uma tenta levar a sigla para a defesa de seus interesses imediatos. Por fim, a controvérsia em torno do fundo partidário mostra quão enganosa é a bandeira da exclusividade do financiamento público, levantada pelo PT - que, numa tentativa de limpar sua imagem, anunciou que não aceitará mais doações empresariais. Desde a aprovação da Lei dos Partidos Políticos, em 1995, o fundo partidário tem tido vários incrementos. O valor reservado no Orçamento de 2015 para o fundo ultrapassa em quase R$ 700 milhões o que a lei estabelece como piso mínimo de recursos que o Estado deve transferir para os partidos políticos. Essa conta não inclui o espaço de propaganda no rádio e na TV para os partidos políticos, que é uma despesa também bancada pela União e que costuma ser a mais onerosa nas democracias. Ou seja, o sistema de financiamento político brasileiro é cada vez mais público que privado, ao contrário do que faz crer a campanha dos petistas pela reforma política.

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