quinta-feira, 21 de maio de 2015

Bernardo Mello Franco - O morto e os muito vivos

- Folha de S. Paulo

Nem José Mojica Marins, o lendário Zé do Caixão, seria capaz de inventar essa. Com a Lava Jato na cola de aliados, o presidente da CPI da Petrobras anunciou a exumação do cadáver de um ex-deputado. O objetivo, explicou, era investigar se o paranaense José Janene realmente morreu de infarto, em 2010.

Hugo Motta, o peemedebista que comanda a CPI, levantou uma suspeita de outro mundo. O finado, ou supostamente finado, teria simulado a própria morte para fugir da prisão. Seria o último e mais espetacular golpe de um político que conseguiu inscrever seu nome nos dois maiores escândalos da última década: o mensalão e o petrolão.

"A viúva disse que o caixão chegou lacrado e existem fortes indícios de que ele possa estar vivo. Ninguém viu Janene morto", disse Motta. "A suspeita é que ele possa estar vivo. Seria um personagem a ser trazido para a CPI", prosseguiu, acrescentando que o ex-deputado poderia estar escondido na América Central.

A teoria foi ironizada até por deputados do PP, o partido de Janene. "Sou um fã do Sherlock Holmes, li 53 livros do Arthur Conan Doyle, que escrevia coisas assim. Mas nunca vi nada parecido na política", me disse o catarinense Esperidião Amin.

"É uma fantasia que só desmoraliza a classe política. O Janene morreu no Incor, que é um hospital respeitado e jamais participaria de uma fraude", afirmou Paulo Maluf. "Aliás, você sabe quem fez o Incor? Foi o governador Maluf que fez", emendou.

O circo só foi desmanchado no fim da tarde, quando a viúva de Janene foi localizada por repórteres. Ela desmentiu o presidente da CPI e disse que a suspeita nunca existiu: "É absurdo, estou enojada. Esse trabalho perdeu a credibilidade", desabafou.

Se a história era tão frágil, por que Motta lançou a ideia da exumação? "Isso fez a gente passar o dia todo falando sobre um morto", constatou o deputado Júlio Delgado. "Mas serviu para tirar o foco dos investigados, que estão muito vivos."

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