segunda-feira, 18 de maio de 2015

Denis Lerrer Rosenfield - O Brasil e os partidos

• Se essa primeira etapa de aprovação do ajuste fiscal não for levada a cabo, se ela não for seguida de iniciativas subsequentes de crescimento responsável, o próprio Brasil pode ser o maior prejudicado

- O Estado de S. Paulo

O país vive uma grave crise e, no entanto, os partidos políticos estão se comportando como se só os seus interesses propriamente partidários estivessem em jogo. As questões nacionais passam a segundo plano, servindo apenas de pretexto para os jogos cada vez mais brutos de poder. Governistas atuam como se oposição fossem, enquanto a oposição age como o PT de antanho, renegando, inclusive, as suas próprias ideias. É como se o país tivesse de testar o abismo para logo recuar. Destaca-se, neste cenário, o PMDB que, mal ou bem, está contribuindo decisivamente para a aprovação das medidas provisórias do ajuste fiscal, absolutamente necessário enquanto etapa preliminar do saneamento das contas públicas.

O PT, a partir dos dois últimos anos do governo Lula e dos quatro do governo Dilma, levou o Brasil a uma situação econômica e ética insustentável. A tal “nova matriz econômica”, eivada de posições estatizantes e esquerdizantes, conduziu ao descontrole da inflação, ao PIB negativo, às contas fiscais em desajuste extremo e, agora, ao desemprego. Neste meio tempo, apoderou-se cada vez mais da máquina estatal, colocando-a a serviço dos seus interesses partidários e eleitorais, como se só isso valesse. O país, enquanto bem maior, bem coletivo, não entrou neste cálculo, sendo apenas um meio de consecução dos objetivos propriamente partidários. A conta desta irresponsabilidade finalmente chegou e o partido, assim como o seu governo, tem imensas dificuldades em reconhecer os seus próprios erros. Continua apostando no marketing e em discursos de esquerda cada vez mais radicais, como se aqui se encontrasse a sua saída.

A esquizofrenia partidária, neste contexto, só tende a aumentar. Sua expressão mais manifesta consiste na oposição que o PT faz a seu próprio governo, tendo chegado, inclusive, inicialmente, a rejeitar demagogicamente as medidas do ajuste fiscal, condição mesma para que o país saia de seu atual atoleiro. Comporta-se como se o governo não fosse seu, como se essas medidas fossem coisas apenas do ministro Joaquim Levy, um “neoliberal”. Note-se que “neoliberal” significa, no atual contexto, a qualificação de uma política que tem como objetivo colocar as contas em dia. Ser neoliberal significa tão somente ser responsável. A esquerda perdeu o discurso.

O PSDB, que deveria ser o partido líder da oposição, não faz melhor figura. Adotou a atitude do PT de antanho, vindo a criticar as medidas de ajuste fiscal como se essas fossem prejudiciais ao país. Ora, essas medidas seriam muito parecidas com as que Aécio Neves viria a implementar caso tivesse sido eleito. É bem verdade que as medidas seriam mais abrangentes e teriam também um forte componente de crescimento. Em qualquer caso, um ajuste fiscal deveria ser feito. Neste sentido, os tucanos são contraditórios consigo mesmos, vindo a renegar o que eles mesmos defendiam na disputa eleitoral. Exercem uma oposição irresponsável, apostando também no fracasso. Acontece que um fracasso das atuais medidas econômicas, mais do que uma disputa partidária, mostrar-se-ia extremamente daninho para o país. É como se os partidos brasileiros não tivessem a menor noção do significado de “oposição responsável”, voltada para o bem coletivo. Cada um olha apenas o seu próprio umbigo!

O PMDB, apesar de seus conflitos internos e a voracidade fisiológica de boa parte dos seus membros, está se saindo melhor do que os seus partidos concorrentes. Graças às novas funções de articulação política assumidas pelo vice-presidente Michel Temer, o partido está se colocando como aquele que melhor expressa os interesses nacionais. Sua atitude de defesa do ajuste fiscal, coerente com uma posição governista e reconhecendo, implicitamente, os erros que foram cometidos, sinaliza para uma postura voltada para o bem coletivo, embora possa, evidentemente, usufruir dos seus dividendos políticos em caso de êxito. O vice-presidente tem clara consciência de que a não aprovação dessas medidas poderia vir a criar um quadro econômico e político extremamente maléfico para o país. Reconhece os limites do jogo político, reconhece aquilo que o país pode ou não suportar. E um downgrade das agências de avaliação de risco poderia ser insuportável!

O enquadramento do PT é um fato também novo nestes 12 anos de governos petistas. O partido sempre se comportou como se o governo fosse exclusivamente seu, colocando os demais partidos aliados em uma posição claramente subalterna. Agora, tentou fugir de suas responsabilidades e foi enquadrado. Procurou, mesmo, votar contra o ajuste fiscal como se não fosse coisa de seu governo, jogando, como se diz, para a plateia. Foi obrigado a fechar questão pelo vice-presidente e pelo PMDB que, por sua vez, teriam ameaçado não levar essas medidas de ajuste fiscal à votação. Forçado a recuar, o PT terminou aprovando essas mesmas medidas com as quais professa não concordar. A desorientação é total. Na hora decisiva, teve medo das consequências de sua irresponsabilidade. Foi impelido a ser governo, apesar de si mesmo.

Ocorre, porém, que o país não pode ficar a mercê das vicissitudes desses mais distintos posicionamentos partidários. Se essa primeira etapa de aprovação do ajuste fiscal não for levada a cabo, se ela não for seguida de iniciativas subsequentes de crescimento responsável, o próprio Brasil pode ser o maior prejudicado, o que significa dizer que o ônus recairá sobre o conjunto dos cidadãos. O país não pode ficar refém das disputas partidárias, como se essas fossem um mero jogo de substituição de posições. O governo age como se não tivesse sido oposição e a oposição age como não se tivesse sido governo. É como se contassem somente os interesses particulares de cada um. É como se nos pleitos eleitorais o bem coletivo e as propostas que poderiam a ele conduzir fossem um mero pretexto. Falta a escritura de um texto, de uma verdadeira narrativa, chamada Brasil.

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Denis Lerrer Rosenfield é professor de Filosofia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul

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