segunda-feira, 18 de maio de 2015

Dízimo reforça caixa partidário

Dízimo partidário

• Legendas cobram de 1% a 11% do salário de políticos eleitos e filiados em cargos públicos

Leticia Fernandes – O Globo

Além da forte dependência do Fundo Partidário, a maior parte das legendas no Brasil recorre a uma outra forma de arrecadar mais recursos públicos, ainda que indiretamente e em volume bem menor. É a cobrança de uma espécie de dízimo dos ocupantes de cargos eletivos ou indicados políticos para posições de confiança nos governos.

No estatuto de 25 dos 32 partidos registrados no país, a doação de filiados em cargos comissionados ou de confiança consta como obrigatória — ou como dever do filiado, sujeito a sanções. O percentual de contribuição varia de 1% a 10% da remuneração bruta ou líquida para os comissionados; incluindo os políticos eleitos, o percentual chega a 11%. São exceção apenas PSD, PPL, PSL, PCB, PCO, PSTU e PTN. Já a orientação para que políticos eleitos destinem parte de seus salários aos partidos está nas regras de todos eles.

A falta de clareza do Tribunal Superior Eleitoral sobre a prática cria uma zona cinzenta, aproveitada pelas legendas. Em 2008, o TSE proibiu a doação de funcionários em cargos comissionados a partidos políticos. Uma decisão recente contestou a contribuição de "autoridades públicas", mas não definiu exatamente o que é uma "autoridade". Segundo a Lei dos Partidos Políticos, estes não podem receber contribuição de "autoridade ou órgãos públicos", a não ser via Fundo Partidário, fatia do Orçamento que vai para o custeio das máquinas partidárias. Como O GLOBO revelou ontem, 17 dos 32 partidos do país têm no fundo mais de 90% de suas receitas.

TSE condena débito em folha
Em uma resolução de 2014, o TSE tentou definir o termo "autoridade": "aqueles, filiados ou não a partidos políticos, que exerçam cargos de chefia ou direção na administração pública direta ou indireta"! Em 2012, o TSE considerou irregulares as doações de quatro funcionários comissionados filiados ao diretório do PSDB de Criciúma. Nesse caso, o problema, segundo a Corte, foi a forma de pagamento das doações, debitadas da folha de pagamento.

O desconto em folha aparece no estatuto de DEM, PSDB e PRP. Entre todos os partidos, o PSL é o único a proibi-lo por escrito. Em textos mais sutis, legendas como o PMDB preveem o pagamento da contribuição por "débito em conta-corrente", matéria sobre a qual o TSE afirmou não ter posicionamento por nunca ter julgado caso concreto.

Para o advogado Marcelo Ribeiro, ex-ministro do TSE, é grave a contribuição compulsória de um funcionário comissionado. Segundo ele, seria uma forma usada pelos partidos para lucrar empregando na máquina pública:

— A impressão é que você está financiando o partido com dinheiro público. Seria como se eu te colocasse lá para você me dar dinheiro. Se estiver determinado que isso é compulsório, aí acho uma coisa grave, mais no caso dos comissionados do que dos políticos. Parece que o partido ocupa um espaço governamental e depois usa aquilo pra ser financiado — diz o ex-ministro.

Em 2013, a ex-deputada estadual do PSOL Janira Rocha (RJ) foi acusada de obrigar funcionários de seu gabinete a entregar parcela dos salários para financiar atividades partidárias. Janira, que não se reelegeu em 2014, mas continua filiada ao PSOL, sempre negou as acusações: disse que havia colaboração voluntária de militantes do MTL, uma corrente do PSOL. No ano passado, a Comissão de Ética do PSOL arquivou a denúncia contra Janira.

— Se você faz parte de uma igreja, você vai pagar dízimo. Se você é de um movimento, também vai pagar uma contribuição. Só que no movimento é diferente, ninguém vai te obrigar — disse, na época, Janira, que não foi localizada pelo GLOBO.

Uma ex-funcionária do gabinete de Janira, que pede para não se identificar, diz que não era bem assim:

— No dia em que a gente recebia o salário, uma assessora dela passava com uma bolsinha pegando o dinheiro em espécie. A gente aceitava porque o dinheiro ia para o MTL. Depois, desconfiamos que ia para o bolso dela, que não se misturava mais com a gente. Todo mundo se revoltou.

Defensor da contribuição dos filiados com cargos públicos, o vereador Elton Teixeira, do PT de Queimados, na Baixada Fluminense, doa R$ 852,50 mensais, 11% de seus rendimentos líquidos, o teto estabelecido pelo partido para os eleitos.

— O dinheiro do Fundo Partidário é insuficiente para a manutenção dos diretórios de municípios de pequeno e médio porte. Não chega na ponta. A contribuição do filiado é o que mantém vivo o diretório municipal, principalmente em anos não eleitorais — defende o vereador, que discorda que esse dinheiro seria uma segunda fonte de receita pública. — Quando você se filia ao PT, você conhece as regras. Em todos os partidos que eu conheço há contribuição de cargos comissionados ou eletivos, porque a atividade partidária é cara.

No PSDB, a vereadora do Rio Teresa Bergher é contra a contribuição compulsória. Ela doa R$ 200 por mês, mas discorda da prática do partido. Ao contrário do que consta no estatuto, a tuca-na disse que paga por boleto bancário:

— Claro que ninguém gosta de pagar, né? É verdade que ninguém nunca me botou a faca no pescoço. O Fundo Partidário é bem gordinho, mas nunca soube para onde vai esse dinheiro.

Outro tucano, o deputado federal Otávio Leite (RJ) diz que o PSDB não obriga comissionados a doarem, mas recebe doações voluntárias. Em cargo eletivo, é obrigado a doar 5% do seu salário líquido.

— É uma "facadinha" mas é necessário.

No caso do PMDB, que faz o desconto

em conta-corrente, o deputado estadual Edson Albertassi (RJ) disse considerar a contribuição justa, e afirmou que só quem tem mandato paga. Presidente nacional do PV — que cobra 10% do salário líquido dos políticos e 5% dos indicados pelo partido em cargos de confiança —, José Luiz Penna afirma que a doação não é obrigatória, mas um "compromisso político":

— Criticar isso é penalizar antecipadamente por um possível ato de corrupção. Doação é bom para o partido, e, quando as pessoas não contribuem, elas se sentem descompromissadas.

Procurados pelo GLOBO para explicarem o débito em folha, o que o TSE proíbe, PSDB, DEM e PRP não responderam.

Números
32 é o total de partidos existentes
Destes, 17 dependem até 90% da verba do Fundo Partidário para cobrir as suas despesas

25 partidos no brasil
Cobram doações de filiados em cargos comissionados na administração pública ou em cargos de confiança. O percentual de contribuição varia de 1% a 10% da remuneração bruta ou líquida

R$546 milhões foi a receita dos partidosem 2013
Desse total, mais de R$ 362 milhões vieram do Fundo Partidário. Outros R$ 183 milhões vieram de doações feitas porempresas privadas e pessoas físicas

34% é a receita do pt do fundo partidário
Já no PSDB, cerca de 63% das suas receitas vieram do Fundo Partidárioem 2013

100% é quanto dependem do fundo partidário
As siglas Solidariedade, PCO, PTdoB, PTC e PTB

R$ 11,6 milhões
Foi o total doado por filiados a partidos políticos em 2013

R$867 milhões
É a previsão da verba do Orçamento da União de 2015 dedicada ao Fundo Partidário

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