domingo, 31 de maio de 2015

Luiz Carlos Azedo - Tempos desinteressantes

• O modelo adotado por Lula no segundo mandato e aprofundado pela presidente Dilma Rousseff, no primeiro, que alimentou certa esperança em Hobsbawm, entrou em colapso. Sua rebordosa é a inflação, a recessão e o desemprego

Correio Brazilinse

O historiador inglês Eric Hobsbawm (1917-2012) foi o mais importante observador ocular, digamos assim, do século 20. O jargão jornalístico é válido porque nos deixou uma obra de grande fôlego, na qual sujeito e objeto se confundem em razão de sua militância acadêmica e política ininterrupta. Na sua historiografia houve lugar para tudo e para todos, da História social do jazz (Editora Paz e Terra) — referência para o estudo da música popular ou erudita, da história cultural dos Estados Unidos e da arte como resistência à opressão — à robusta trilogia Era das revoluções, Era do capital e Era dos impérios (Paz e Terra). Mas o que serve para intitular esta coluna é sua autobiografia, Tempos interessantes (Cia. das Letras), na qual narra sua vida em meio às grandes experiências do século passado.

Observador atento das vicissitudes da política brasileira, pois aqui esteve diversas vezes e mantinha ligações estreitas com universidades, intelectuais e movimentos sociais, Hobsbawm morreu de pneumonia, ainda lúcido, aos 95 anos. Um ano antes de falecer, em 13 de abril de 2011, o historiador afirmou que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva havia ajudado “a mudar o equilíbrio do mundo ao trazer os países em desenvolvimento para o centro das coisas”. Ele se reunira com o líder petista na residência do embaixador brasileiro em Londres, Roberto Jaguaribe. Sua rápida entrevista teve ampla repercussão no Brasil, o que deixou eufóricos os petistas.

“Lula fez um trabalho maravilhoso não somente para o Brasil, mas também para a América do Sul”, disse. Em relação ao seu papel após o fim do mandato, Hobsbawm afirmou que o petista estava “ciente de que entregou o cargo para um outro e não pode parecer que está no caminho desse novo presidente”. Seu fã de carteirinha — “quando ele virou presidente, minha admiração ficou quase ilimitada” —, Hobsbawm foi mais cauteloso com a presidente Dilma Rousseff: “Acredito, pelo que ouço, que a presidente Dilma tem sido extremamente eficiente até agora, mas até o momento não tenho como dizer muito mais”.

O fim da utopia
Diz-se que os historiadores não devem fazer previsões sobre o futuro, apenas traduzir o que aconteceu com rigor metodológico. Marxista, Hobsbawm se arriscava durante as suas entrevistas, como foi o caso — mas nem tanto quando escrevia. Como teve uma carreira longeva e muito produtiva, foi um grande intérprete de seu tempo. Na virada do século, viu o colapso de suas utopias, com a queda do muro de Berlim e a dissolução da União Soviética. Após o fim da guerra, viu a esquerda europeia derivar para o centro, o fim do socialismo como uma ideia-força do movimento operário e sindical, o choque de civilizações entre Oriente e Ocidente e o ressurgimento do chauvinismo e da xenofobia na Europa. Não há nova utopia, nem novos paradigmas para a sociedade desejada. Ao contrário, persistem os velhos conflitos que serviram de estopim para duas guerras mundiais e a tragédia humanitária na África.

O modelo adotado por Lula no segundo mandato e aprofundado pela presidente Dilma Rousseff, no primeiro, que alimentou certa esperança em Hobsbawm, entrou em colapso. Sua rebordosa é a inflação, a recessão e o desemprego, sem qualquer perspectiva de saída a curto e médio prazos. O novo “capitalismo de Estado” implementado pelo PT no poder — que na velha visão leninista seria a antessala do socialismo — resultou no desastre econômico, político e ético a que todos assistimos. E que agora caminha para a crise social. O neopopulismo que mobilizou sua base eleitoral, com um discurso nacional-desenvolvimentista já sexagenário, agora evolui na direção da desestabilização política do próprio governo, em razão das tentativas de radicalização dos movimentos sociais, principalmente o movimento sindical, em oposição ao ajuste fiscal que Dilma se viu obrigada a fazer. Essa radicalização é estimulada pelo próprio ex-presidente Lula, para se manter como alternativa eleitoral em 2018.

Do ponto de vista das novas gerações, que buscam uma alternativa de futuro, o Brasil vive tempos desinteressantes, ou seja, um grande déjà vu, com a sensação, para os mais velhos, de que já vimos esse filme. A elite, enredada na crise ética e política e desgastada pela crise econômica e pelos seculares problemas nacionais, não consegue oferecer alternativas duradouras para o desenvolvimento do país. O principal partido no poder, o PT de Lula e Dilma, perdeu o protagonismo para o aliado que sempre espezinhou, o PMDB, que é uma legenda de vocação parlamentarista, fisiológica e patrimonialista. Os partidos de oposição, por sua vez, não são capazes de galvanizar a insatisfação popular, que se manifesta nas redes sociais e em grandes protestos de massa, descolada das instituições políticas. Pode ser que disso tudo resultem tempos mais interessantes. Por enquanto, não é caso, ficou claro com o arremedo de reforma política aprovado pela Câmara.

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