sábado, 2 de maio de 2015

Míriam Leitão - Prazo precioso

- O Globo

A estagnação dos EUA no primeiro trimestre abre um prazo precioso para o Brasil consolidar os ajustes este ano. O risco de alta dos juros por lá ficou menor no curto prazo. Se subissem, o dólar voltaria a se fortalecer, pressionando a inflação, e haveria fuga de capitais. Colocar a casa em ordem seria mais difícil. Mas o alerta de Joaquim Levy é verdadeiro: a ameaça de rebaixamento do rating não passou totalmente.

A economista Monica de Bolle, pesquisadora do Peterson Institute for International Economics, acredita que o crescimento americano voltará a ser forte nos próximos trimestres. Apesar disso, ela não vê motivos para um aumento dos juros pelo Fed, porque a inflação por lá está muito baixa e a renda não está subindo tanto, mesmo com a queda da taxa de desemprego. Com isso, o Brasil ganhou um fôlego extra para continuar com os ajustes fiscal e monetário este ano . — É muito melhor fazer os ajustes sem uma turbulência externa, que encareceria o crédito no mundo e faria os investidores terem um olhar mais rigoroso sobre os países emergentes. É um tempo precioso que o Brasil ganhou em 2015 — disse Monica. Armando Castelar, do Ibre-FGV , também avalia que o risco de aumento de juros nos Estados Unidos ficou menor e que isso é bom para o Brasil.

O financiamento do déficit em conta-corrente, que passa de 4% do PIB, será menos custoso com os juros americanos zerados. A economista-chefe da XP Investimentos, Zeina Latif, acha que essa folga do Brasil, pelo fato de ter sido adiada a elevação dos juros nos Estados Unidos, não é tão grande quanto se imagina. Na quinta-feira mesmo, o dólar voltou a ser cotado acima de R$ 3,00. — O mercado já precificou. Ele se antecipa, e essa desvalorização recente do real, ainda que em parte revertida, é porque já se sabe que em algum momento haverá uma elevação dos juros nos Estados Unidos. O Brasil, de qualquer maneira, terá desvalorização cambial pelo tamanho do seu déficit em conta-corrente. Castelar prevê tempos difíceis nos próximos dois anos, com uma retração de 1,2% do PIB em 2015 e uma estimativa entre zero e 0,5% em 2016.

Zeina Latif tem um cenário melhor, de crescimento de 1% a 2% no ano que vem, com a inflação em queda. Mas ela acha que o ajuste aumentará o desemprego e diminuirá a renda. Castelar acha que o mercado de trabalho já está em retração: — A crise está batendo muito forte em setores que são intensivos em mão de obra, como os serviços de comércio e intermediação financeira, e construção civil. O grande problema deste ano será a deterioração dos indicadores sociais. Vamos voltar a 2011, com uma perda de qualidade de vida de cinco anos. Ele acredita que os números de desemprego vão crescer até dezembro, e isso vai aumentar as pressões sobre o Ministério da Fazenda. O descontentamento com o governo ficará maior.

Além disso, lembra que 2016 é ano de eleições municipais, mas o superávit primário previsto é de uma taxa maior, de 2% do PIB. O torniquete sobre os gastos terá que ser mais apertado em época em que governantes tendem a gastar mais. — A equipe econômica está fazendo um esforço enorme, mas parte de uma base muito ruim, de déficit. Ainda há gastos que foram empurrados para este ano e os efeitos da recessão na arrecadação. Chegar a 1,2% do PIB de superávit será muito difícil e, mais ainda, ir a 2% no ano que vem — afirmou Armando Castelar. O alívio do Fed fez o dólar cair no Brasil e no mundo, e isso diminuiu um pouco a pressão sobre a nossa inflação. Monica de Bolle acredita, no entanto, que a queda recente é mais um ajuste dos mercados, depois de um logo período de alta, do que um ciclo contínuo de desvalorização da moeda americana.

— Não veremos o dólar baixo de novo, como nos últimos anos. De certa forma, o encarecimento da moeda americana já é um ajuste monetário promovido pelo Fed. A Europa está fazendo afrouxamento monetário, assim como o Japão. Não há como o dólar perder tanto valor de novo — disse. Os economistas ouvidos estão convencidos de que a dificuldade que o Brasil enfrenta neste ano é consequência direta dos erros de política econômica que a atual equipe está tentando consertar.

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