terça-feira, 26 de maio de 2015

Míriam Leitão - Um ponto de discórdia

- O Globo

Os ministros Joaquim Levy e Nelson Barbosa concordam em vários pontos, mas discordam sobre a mudança introduzida pelo Congresso nas regras da aposentadoria. Interlocutores dos dois ministros têm ouvido avaliações diferentes. É uma das principais preocupações de Levy no momento; para Nelson Barbosa, a decisão parlamentar apenas apressa a apresentação de uma proposta.

Há um detalhe sobre a emenda que introduz a regra 85/95 pontos. Os especialistas acham que ela não pesará agora, mas dentro de três a quatro anos. No início, pode até refrear um pouco as aposentadorias precoces, para se enquadrar na nova regra e fugir do fator. O próximo governo é que, por causa da decisão tomada agora, enfrentará a escalada dos gastos previdenciários; um dos maiores problemas das contas públicas.

O ministro da Fazenda acha que foi uma trapalhada ter permitido que a MP 664 impusesse a mudança das regras de aposentadoria sem que fosse avaliado dentro do contexto geral da economia. Pondera que a proposta ainda não ficou clara e que, de qualquer maneira, será necessária alguma fórmula para a aposentadoria proporcional. Não haveria, na sua visão, como fugir de um fator, tema que deveria deixar de ser tratado de forma ideológica.

O ministro do Planejamento acha que a própria presidente, em debate na campanha eleitoral, tinha falado em alterar a regra do fator previdenciário e já está instalada uma comissão para apresentar uma proposta. O Congresso apenas teria antecipado o tempo em que o projeto tem que estar pronto.

Essa diferença de ângulo não é sutil e vai calibrar a resposta que será dada pelo governo na MP 664. O ministro Nelson Barbosa discorda dos que defendem que é melhor deixar cair a medida provisória. Foi isso que escrevi na coluna e que ouvi do economista Fábio Giambiagi. A visão do ministro é outra. Ele acha que a MP, mesmo alterada, introduziu princípios relevantes, como o fim da vitaliciedade da pensão por morte das viúvas jovens, e outras mudanças que parecem pequenas mas que mudam princípios.

O fato é que a previdência é um problema que precisa ser enfrentado de frente, e este é o pior momento para dar sinal de que ela se tornará mais flexível. A ideia do fator era adiar a aposentadoria, e isso não aconteceu de forma significativa. As mulheres que se aposentaram no ano passado por tempo de contribuição tinham, em média, 52 anos, e os homens, 55 anos. Por causa do fator, tiveram uma redução dos seus ganhos. Sem ele, receberiam mais. A única forma de acabar com o fator, que foi criado para ser temporário, é negociar a introdução da idade mínima no Regime Geral, como acontece em todos os países do mundo, ainda mais com a nova tendência demográfica.

Não foi evidentemente essa divergência que produziu o evento da sexta-feira, em que o ministro não foi ao anúncio dos cortes de gastos. Levy gostaria de um discurso mais realista sobre o tamanho da crise em que estamos. Ontem, ele se dispôs a conversar com os jornalistas na porta do ministério e disse que os cortes foram no tamanho adequado. Falou também que o país precisa enfrentar o problema de financiamento de longo prazo, já que o modelo tradicional através de recursos públicos não tem funcionado.

As contas do INSS são um problema crescente. Desde 1996, as receitas são menores que os gastos, e isso quer dizer que o déficit precisa ser coberto pelo Tesouro ano após ano. A conta total desse buraco, quando somada e corrigida pela inflação, chegará a R$ 1 trilhão este ano, com o déficit que já está previsto no Orçamento. Isso sem a previdência pública. Como percentual do PIB, os gastos com INSS saltaram de 4,81%, em 1996, para 7,1%, em 2014, enquanto as receitas cresceram menos, de 4,74% para 6,1%.

Todos esses números são muito elevados para um país que tem apenas 11,7% de população com mais de 60 anos, cerca de 23,9 milhões de pessoas, segundo o IBGE. O Instituto estima que esse percentual vai subir para 33,7% até 2060, ou 73,6 milhões. O processo de envelhecimento da população no Brasil está apenas no início e vai se intensificar daqui para frente. Esse é um problema que o país terá que enfrentar, e não será facilitando a aposentadoria precoce que ele vai se resolver.

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