domingo, 17 de maio de 2015

O maior inimigo do governo Dilma

• Sentindo- se traído pelo Planalto, isolado no PMDB e acossado pelo Ministério Público, o presidente do Senado, Renan Calheiros, parte para o ataque e opera silenciosamente para barrar a nomeação de Luiz Fachin ao Supremo nesta semana

Diogo Escosteguy e Leandro Loyola – Revista Época

No início da semana passada, o presidente do Senado, Renan Calheiros, do PMDB, conversava em seu gabinete com outros senadores. Naquele momento, Renan tratava de uma pendência sobre a recente aprovação da PEC da Bengala, que estende dos 70 aos 75 anos a idade-limite para aposentadoria de ministros do Supremo Tribunal Federal e de outros Tribunais Superiores. Renan tratava de responder ao Supremo sobre uma dúvida absurda, criada por uma declaração dele mesmo, de que os atuais ministros não precisarão passar aos 70 anos por uma nova sabatina para permanecer no cargo. Renan aproveitou a deixa para tratar com os senadores do assunto do momento, a indicação do advogado Luiz Fachin a uma vaga de ministro do Supremo Tribunal Federal. Se não fosse essa PEC, teríamos mais meia dúzia de Fachins aqui nos próximos anos", disse, em referência à indicação feita pela presidente Dilma Rousseff.

Renan deixou claro aos colegas que é contrário à indicação de Fachin a ministro do Supremo. Com certo cuidado, trabalha para impor a Dilma uma derrota que não acomete um presidente da República há 120 anos. Na votação marcada para a terça-feira, Fachin corre o risco de ser o primeiro indicado a ministro do Supremo rejeitado pelo Senado desde 1894. Naquele ano, na infância da República, o Senado rejeitou cinco indicados pelo marechal Floriano Peixoto em um período de poucos meses. Floriano era um presidente em um mandato atribulado, acossado pela Revolta da Armada e que decretou estado de sítio em partes do país. O Brasil de Dilma está muito longe daquele de Floriano, mas o clima adverso daquele Senado com Floriano é semelhante ao do Senado de hoje com Dilma. A derrota agora seria ainda pior. Com a aprovação da PEC da Bengala, a vaga destinada a Fachin pode ser a última chance de Dilma fazer um ministro do Supremo.

Nos últimos dias, Renan chamou alguns senadores para conversas reservadas sobre Fachin. Eduardo Amorim, do PSC, Wilder Morais e Davi Alcolumbre, do DEM, e Marcelo Crivella, do PRB, estiveram em seu gabinete. Ouviram argumentos sobre a indicação de Fachin ser ruim, por ser a última chance nos próximos anos de o Senado ter voz para influenciar na indicação de um ministro do Supremo. Será assim porque o próprio Renan ajudou a acelerar a tramitação da PEC da Bengala. Os senadores sabem que Renan faz campanha pela rejeição ao nome de Fachin. Entenderam que, se seguirem por esse caminho, terão mais espaço político dentro do Senado.

Nas duas últimas semanas, Fachin caminhou pelo Senado acompanhado da mulher, para quebrar resistências de senadores e parecer simpático. Muitos, no entanto, enxergam Fachin como apenas uma oportunidade. Fachin será submetido ao escrutínio em um Senado comandado por um presidente de olho em uma oportunidade de desgastar o governo - e com força e um contexto a seu favor para isso. Ao contrário da maioria dos candidatos anteriores ao Supremo, Fachin é identificado com o PT, em um momento em que o partido é visto como símbolo da corrupção e definha em sua mais grave crise. Sua indicação foi feita por uma Dilma Rousseff aprovada por apenas 13% da população — e há um vídeo no qual Fachin discursa em um palanque em defesa da candidatura de Dilma a presidente em 2010.

A militância petista, a princípio, não seria um problema. Fachin é um jurista reconhecido. Advogado do PT durante anos, jovem e inexperiente, José Antonio Dias Toffoli tornou-se ministro em 2009. Entretanto, Toffoli foi indicado por um Lula aprovado por mais de 70% dos brasileiros, por um governo forte no Congresso, em momento favorável - exatamente a base sólida de apoio que falta a Fachin. Mostra dessa resistência, na semana passada, pela primeira vez na história recente, um candidato foi inquirido com seriedade pelos senadores. Fachin foi ouvido na Comissão de Constituição e Justiça do Senado por 11 horas, a mais longa sessão da história recente. No ambiente da cordialidade brasiliense, sabatinas duras e longas só acontecem quando há algo errado nas engrenagens que regem as relações.

Esse algo errado está no tempo e nas condições políticas. Há meses, Renan e o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, têm imposto obstáculos difíceis para a presidente Dilma Rousseff. A má relação de Dilma com o Congresso, que resulta na paralisia de seu governo, já fez o ex-presidente Lula assumir o papel de gestor das crises de Dilma. Há dois meses, Lula conversou com senadores do PMDB. Na semana passada, voltou à carga. O líder do governo no Senado, Delcídio Amaral, acertou um almoço de Lula com Renan na residência oficial da presidência do Senado. Lula mostrou-se abatido na conversa, devido ao atual estado de imobilismo do governo, Renan não perdeu a chance de fustigar. "Eu poderia ser o interlocutor do governo no Parlamento", disse. Renan repete a frase com certa frequência. Renan passa a todos a impressão de sentir-se escanteado pelo governo. Seu raciocínio é que, como Eduardo Cunha foi eleito presidente da Câmara com a ajuda da oposição, contra o PT, e atua sistematicamente contra o governo, ele deveria receber alguma preferência de Dilma por sua relação anterior. Não é o que acontece. Com sua falta de tato político, Dilma trata Renan da mesma forma que trata Cunha ou qualquer outro: com frieza, distância e falta de diálogo. "E ela ainda tenta me jogar contra o Michel" diz Renan a aliados.

Renan reclama da falta de ajuda do governo ao Estado de Alagoas, governado por seu filho. Reclama da escolha do vice-presidente, Michel Temer, como articulador político. "O Michel só trata de cargos", afirma. No final do ano passado, a cúpula do PMDB participou de uma confraternização com Dilma no Palácio da Alvorada. "Você será ministro do Turismo assim que essa questão esteja resolvida", disse Dilma na ocasião ao deputado Henrique Eduardo Alves, em referência à Operação Lava Jato. Renan sabia do acordo. Enquanto Alves esperava, o ministre? era Vinícius Lages, um técnico indicado por Renan. Em pelo menos duas ocasiões, Renan perguntou ao vice-presidente, Michel Temer: "E o negócio do Henrique? Quando sai?". Em março chegou a hora da nomeação. Renan, então, mudou o jogo. Resistiu e atrasou a nomeação de Henrique por semanas, como se Dilma estivesse quebrando um acordo com ele.

Renan é um político acostumado a apanhar, mas que também gosta de bater, embora sempre em silêncio. Aprendeu a apanhar em 2007, quando teve de deixar a presidência do Senado após sucessivas acusações de corrupção. Manteve o cargo, ganhou um inquérito no Supremo (relatado pelo ministro Ricardo Lewandowski) e acumulou mágoas com quem o atacou — ou deixou de defendê-lo. Vingou-se dos desafetos sem estrépito. Tornou--se, cada vez mais, um político que age muito, fala pouco e cumpre tudo. Concentrou poder até a medida em que fosse suficiente para, mesmo com as acusações pretéritas, voltar à presidência do Senado.

Esse Renan, o Renan que Brasília acreditava conhecer e aprendera a temer, sumiu desde que Dilma se reelegeu — e Paulo Roberto Costa começou a falar. Aos poucos, Dilma o isolou dentro do governo. Além da confusão com Vinícius Lages, apeou Sérgio Machado, amigo de Renan, da presidência da Transpetro, uma das maiores subsidiárias da Petrobras. (Machado foi acusado de cobrar propina no petrolão.) Em seguida, Dilma nomeou o senador Eduardo Braga para o Ministério de Minas e Energia. Braga é do PMDB, mas se opõe a Renan. A presidente ainda pediu a Renan que acolhesse a indicação da senadora Kátia Abreu, também do PMDB, como uma apadrinhada dele para o Ministério da Agricultura - Kátia Abreu foi escolhida porque se aproximou de Dilma. Ao mesmo tempo, Paulo Roberto Costa implicou Renan no petrolão. Nada tira do senador a convicção de que o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, o acusou no Supremo agindo a mando de Dilma,

O presidente do Senado se enfureceu. Passou a agir contra o governo - e a falar contra o governo. Não importa qual seja o assunto. Renan recusou-se a receber uma Medida Provisória que aumentava impostos sobre a folha de pagamentos. Adiou a votação das Medidas Provisórias do ajuste fiscal, com alterações que reduzem benefícios difíceis de sustentar, mas concedidos pelo governo quando ignorava as finanças em frangalhos em busca da reeleição. Na semana passada, Renan prometeu votar a mudança no fator previdenciário, aprovada pela Câmara, uma matéria que causa arrepios no governo e um rombo nas contas públicas. Ao se contrapor a Dilma, ele escapa da fúria das ruas, direcionada a ela. "Agora ele não está com a rua contra ele", diz um senador.

A Constituição diz que a indicação ao Supremo é uma prerrogativa do presidente da República, a ser examinada pelo Senado. Mas, no mundo dos acordos, a escolha de um ministro do Supremo é essencialmente uma união da capacidade técnica, capacidade política e acomodação de interesses. Desde a saída de Joaquim Barbosa, há nove meses, uma dúzia de candidatos se pôs em uma campanha exacerbada pela lentidão de Dilma. A princípio, Renan simpatizava com a candidatura de Heleno Torres, advogado tributarista. Torres chegou longe na escalada, a ponto de conversar com a presidente Dilma Rousseff. Na reta final, sobraram Torres, Fachin e mais dois candidatos. O presidente do Supremo, Ricardo Lewandowski, também tentou influenciar na decisão. Dilma esperou Lewandowski voltar de uma viagem à China e, ao ouvi-lo, ficou entre Torres e Fachin. Mas Dilma não gostou de saber que Torres deixou vazar que conversara com ela. Dilma escolheu Fachin.

Renan não gostou do resultado. Por isso, abraçou com força o resultado de um trabalho que começou há meses, para reduzir o poder de Dilma. No final de fevereiro, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, promoveu um jantar em sua residência oficial para a cúpula do Judiciário. Foi a gênese da aprovação da PEC da Bengala. Entre; os ministros do Supremo estava Gilmar Mendes, além de quatro ministros do Superior Tribunal de Justiça e todos os líderes partidários, com exceção do PT, PCdoB e PDT. A conversa só terminou à lh30 da madrugada. O adiamento da aposentadoria foi bem recebido. A proposta passou na Câmara, empurrada por Cunha. No Senado, Renan furou a fila para promulgá-la com rapidez. Ambos agradaram ao Tribunal que poderá julgá-los no caso da Lava Jato.

Renan tem a vantagem tática da surpresa. Como presidente, é dele a prerrogativa de botar em votação o nome de Fachin no plenário. Sabe-se que isso acontecerá nesta terça-feira, mas cabe a Renan determinar o momento exato. Ele pode manobrar em poucos minutos, apoiado por suas forças, para derrubar Fachin quando houver mais senadores leais a sua causa. Basta ter paciência, concentração aos movimentos dos senadores e tirocínio para saber o instante exato de apertar o gatilho – no caso, o botão do microfone. É um expediente comum na Câmara e no Senado. Em minutos (às vezes, segundos) aprova-se ou derruba-se um projeto. Funciona especialmente bem com governos cujas lideranças no Congresso sejam desatentas ou incompetentes. São presas fáceis. No caso do governo Dilma, acontece toda semana, nos mais variados tipos de votação em plenário nas duas Casas. Aloizio Mercadante, o articula dor de Dilma, sabe disso. Tenta agir com discrição para anular Renan.

A caça desta terça-feira confere uma particular vantagem tática a Renan. A votação será secreta. Na política o anonimato é o refúgio da deslealdade - e dos compromissos que não podem conhecer a luz do dia. Um senador que tenha se comprometido, até mesmo publicamente, a favor de Fachin pode facilmente trair a palavra numa sessão secreta. Articulações silenciosas e discretas, como a
que Renan e seu aliado, o senador Fernando Collor, conduzem para sacrificar Fachin, têm mais chances de prosperar quando seus partícipes podem mentir impunemente sobre o que fizeram. É verdade por outro lado, que o contrário pode acontecer. Mas por que senadores que se comprometeram com Renan e a oposição votariam a favor de Fachin? Em tese, é possível, na prática, improvável. Trair um governo com 13% de aprovação é um esporte corriqueiro no Senado, sem maiores consequências. Trair Renan — e um Renan que preside o Senado - é um ato de estupidez política. Ele não perdoa.

Se Renan triunfar, dificilmente terá novos inimigos. Dilma e Temer continuarão precisando negociar com ele. Lewandowski não deixará de manter boas relações com Renan. Os demais ministros do Supremo também não ficarão amuados - a não ser que haja grande demora na indicação de um novo nome. Renan raciocina que, se vencer, terá enviado um recado claríssimo a quem quer que se candidate à vaga após Fachin. Mesmo que o possível novo nome ao Supremo não seja indicado por Renan, esse novo nome sabe - ou logo saberá — que, se quiser passar pelo Senado, terá de se vergar ao presidente do Senado. Renan quer ouvir do indicado que ele* Renan, terá um amigo no Supremo. Coisa que , frise-se, Fachin não topou.

Caso Renan fracasse, a derrota consumirá um enorme capital político dele. Será uma demonstração de fraqueza que ele nunca conheceu. Renan perderá a confiança de aliados - muitos deles já preocupados com o ímpeto do presidente do Senado em impor toda e qualquer derrota possível a Dilma. Ele pode não ganhar inimigos e certamente prosseguirá em sua cruzada contra o PT- mas ficará menor. E ficará menor precisamente quando não pode ficar menor: no pouco tempo que calcula, ainda lhe resta antes que o procurador-geral da República Rodrigo Janot ofereça denúncias ao Supremo em ao menos, um dos três inquéritos contra ele no petrolão. Já há evidências consistentes contra Renan em duas das três investigações da PGR. Na semana passada os sigilos de Renan foram quebrados. Ele precisa caçar enquanto ainda não é caçado.

Os tiros de Janot não tardarão - ele também aposta sua sobrevivência nisso. O primeiro mandato de Janot acaba em setembro. Se Dilma decidir reconduzi--lo ganhará a opinião pública e perderá o Congresso — ao menos num primeiro momento. A não ser que Janot já tenha disparado denúncias contra Renan e Eduardo Cunha. O presidente da Câmara que assumiu a defesa do Congresso contra Janot, irá para a oposição aberta ao governo do PT se Janot for indicado novamente. Janot como Fachin, precisa ser aprovado no Senado. Nesse cenário a recondução de Janot dependerá da delicada correlação de forças em setembro, entre Dilma, Renan e Eduardo Cunha. Se Renan e Eduardo Cunha mantiverem-se fortes até lá, e Dilma suficientemente fraca e alvejada pelos tiros do petrolão, Janot será barrado.

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