domingo, 24 de maio de 2015

Remendos e derramas – Editorial / Folha de S. Paulo

• Corte de despesas divulgado pelo governo atinge uma situação emergencial; ainda falta um plano para conter gastos de forma permanente

O governo divulgou na sexta-feira (24) o Orçamento real para 2015, números mais próximos da realidade do que a fantasia de costume aprovada pelo Congresso.

Embora mais realistas, as estimativas da equipe econômica evidenciam esperanças que, no momento, parecem excessivas quanto à arrecadação de impostos.

Além disso, ainda que a intenção manifesta de conter R$ 69,9 bilhões em despesas seja de um arrojo inédito ao menos neste século, o corte de gastos deve ocorrer, e nisso não há novidade, sobretudo nos investimentos públicos --redução de cerca de 30% do valor desembolsado em 2014, a julgar pelos números anunciados.

Mais do que mau hábito, a contenção emergencial desse item crucial ressalta um problema antigo da administração pública brasileira. O gasto federal cresce há décadas em ritmo superior ao da produção de recursos para financiá-lo. Como se não bastasse, muita despesa é obrigatória e cresce à revelia do governo, de modo vegetativo.

Apesar de ainda não terem sido apresentados detalhes da nova programação financeira, o governo parece esperar um crescimento real da receita da ordem de 5%. Nos primeiros quatro meses do ano, a arrecadação caiu 2,7%.

A baixa prevista da despesa está, grosso modo, em linha com o realizado pelo governo nos primeiros meses do ano. No entanto, tais projeções lançam alguma dúvida sobre a capacidade do Executivo de poupar o que promete.

Ainda é desconhecida a reação da receita de impostos à recessão que se aprofunda. Não se conhece o efeito real da alta de tributos e do endurecimento da concessão de benefícios sociais, até porque algumas dessas medidas estão em tramitação no Congresso.
Se o corte improvisado de gastos decorre de problemas crônicos do Estado e da irresponsabilidade do primeiro governo Dilma Rousseff (PT), a correção de rumos não tem contado com a ajuda do Legislativo.

Não se pode nem se deve esperar do Congresso a mera chancela de atos do Executivo. Mas os parlamentares têm votado com descaso pela oportunidade de formular alternativas sérias ao plano do governo e com desprezo pela ideia de promover reorganização duradoura do padrão de gasto público.

Caso o ajuste proposto seja levado a cabo e caso o Congresso não solape tal esforço, o programa econômico deve ao menos estabilizar a atual situação crítica.

Feito isso, é imperativo que governo e Congresso trabalhem em planos de cortes perenes de despesas, de aumento da eficiência da máquina pública e de limitação do endividamento. O país está cansado de remendos e derramas.

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