domingo, 14 de junho de 2015

Ajuste é insuficiente e recuperação será lenta

Entrevista Affonso Celso Pastore

• Para ex-presidente do BC, país vive círculo vicioso em que recessão reduz arrecadação, e alta de tributo abate atividade

Raquel Landim – Folha de S. Paulo

SÃO PAULO -- O ex-presidente do Banco Central Affonso Celso Pastore considera que o país está preso a um círculo vicioso em que a recessão reduz a arrecadação do governo, elevando a necessidade de mais cortes de gastos e aumento de carga tributária, gerando mais recessão.

Para ele, o atual governo está pagando o custo político da falta de confiança da sociedade na sua capacidade de fazer a economia voltar a crescer. "O único caminho é continuar com o ajuste fiscal até recriar a confiança", disse à Folha. "Mas o desemprego ainda não chegou ao pico. É difícil prever qual vai ser a reação do governo."

Pastore acredita que a saída da recessão será lenta e o crescimento só voltará, devagar, em 2016.

Folha - O ajuste fiscal promovido pelo governo é suficiente?

Affonso Celso Pastore - O ajuste é necessário. O país entrou numa trajetória insustentável de crescimento da relação dívida/PIB. Se perdêssemos o grau de investimento, o ajuste seria mais traumático e acentuaria o período de estagnação.

Agora, qual é o tamanho do ajuste necessário? O Levy optou por um ajuste gradual; nas atuais circunstâncias, não é suficiente para trazer o crescimento da dívida para uma trajetória sustentável.

Por quê?

No ano passado, o crescimento da economia foi nulo. Neste ano, teremos uma recessão em torno de 1,5%. Os investimentos estão caindo muito. Com sorte, no futuro, poderemos crescer 1%. Com um juro real de 6% e essa perspectiva de crescimento, é preciso um superavit primário [economia para pagar juros] de 3% do PIB para estabilizar a dívida.

Mas isso é factível?

Se é factível ou não, é outra discussão, mas é o necessário para estabilizar a dívida. Se não chegar a esse patamar, é preciso continuar fazendo ajuste fiscal nos próximos anos. As alternativas seriam reformas que acelerassem o crescimento ou um aumento de confiança no governo que permitisse a redução de juros. Nada disso está visível agora. Portanto, esse ajuste fiscal é insuficiente.

O governo cortou R$ 69,9 bilhões de gastos do Orçamento. Foi adequado?

O problema é a arrecadação de impostos. Ouvi atentamente o pronunciamento do ministro Nelson Barbosa [Planejamento] e não sei de onde ele tirou aquele crescimento de 5,8% da receita. Aquilo não existe com essa desaceleração da atividade.

Ele disse que podemos ter receitas extraordinárias e citou o exemplo da venda da seguradora da Caixa. Se essa operação tiver um enorme sucesso, vai produzir um infinitésimo do necessário. As concessões de infraestrutura também não serão um sucesso de arrecadação. Corremos o risco de mais cortes de gastos e mais carga tributária.

O que gera mais recessão. Parece um círculo vicioso.

Temos uma forte retração do consumo das famílias, que é consequência do aumento do desemprego. Os bancos estão pisando no freio do crédito, para provisionar recursos para abater os prejuízos que tiveram com Petrobras, Sete Brasil, empreiteiras.

O consumo está caindo e o investimento também. Não tenho dúvida de que o PIB do segundo trimestre vai cair bem mais do que o do primeiro e que, no terceiro, possivelmente teremos queda também. Ou seja, o governo vai perder mais arrecadação, o que gera maior necessidade de cortes, acentuando a recessão. É um círculo vicioso.

Como quebrar esse círculo?

As pessoas têm mania de comparar as recessões. Na última recessão, em 2009, o governo podia cortar imposto e aumentar gasto. Com a inflação próxima da meta, foi possível baixar juros. Quando faltou crédito, o governo reduziu o compulsório. Nada disso é possível desta vez. E o comércio internacional agora está estagnado. Portanto, essa recessão é mais longa e o ajuste vai prosseguir por mais tempo. A saída é continuar no ajuste até recriar a confiança e pagar o custo político.

O governo está disposto a pagar esse custo?

O Levy está isolado, com uma certa ajuda do [vice-presidente] Michel Temer. Ele joga de centroavante, ponta-direita, goleiro. Mas o que existe hoje é tarefa para mais do que um ministro da Fazenda. Precisa-se de todo o governo para fazer isso.

Ele briga por cada medida e vai sofrendo derrotas. Logo não consegue completar o círculo em velocidade suficiente para gerar aumento de confiança. Com isso, não volta o investimento e a economia não cresce. A recessão vai ficando mais longa. O crescimento só deve voltar, lentamente, em 2016.

A fragilidade política do governo piora a situação?

O atual governo paga o custo político da falta de confiança da sociedade na sua capacidade de entregar o crescimento econômico.

O custo político gera uma profecia que se autorrealiza.

O mercado adora pessoas otimistas, que dizem que o Brasil é maior do que a crise. É mesmo, mas não é imediato. Isso implica alternância de poder, o que ainda não está à vista. A solução mais fácil é a presidente e seu partido fazerem um grande acordo nacional, cedendo poder a outros partidos. Sem isso, é inverossímil entregar mais crescimento econômico.

O BC paga pelos erros passados, quando desancorou as expectativas de inflação. Agora tem que praticar juros mais altos a um custo social maior. Infelizmente, temos que pagar por esse erro.

O senhor vê algum risco de o governo desistir do ajuste?

A lógica é que ele não desista de nada, porque o custo alternativo é muito maior. Mas a pressão social ainda não chegou ao topo, porque o desemprego não chegou ao pico. Quando isso ocorrer, é impossível prever a reação que o governo vai ter.

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