domingo, 21 de junho de 2015

Barrar empresas em concessões seria abuso, diz ministro

• Para Cardozo, não há como impedir investigadas na Lava Jato de entrar em novas licitações; Moro havia apontado risco em pacote

Célia Froufe - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Barrar a participação de empresas em licitações do governo, independentemente de serem alvo de investigação, seria abuso de poder do Executivo,além de um ato inconstitucional, afirmou ontem o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, um dia após a prisão das cúpulas das empreiteiras Odebrecht e Andrade Gutierrez, as duas maiores do País.

A declaração do ministro serve de resposta a afirmações do juiz federal Sérgio Moro, responsável pela Operação Lava Jato. Na decisão que levou à prisão os presidentes das duas empreiteiras – Marcelo Odebrecht, da empresa de mesmo nome, e Otávio Azevedo, da Andrade Gutierrez – e outros dez executivos, o magistrado afirmou que obras públicas em curso e o novo plano de concessões do governo poderiam ser uma nova fonte de corrupção para as empreiteiras. Ao justificar as prisões, Moro disse que, como o governo não impediu as empresas de celebrar contratos públicos fora da Petrobrás, principal foco da Lava Jato, há risco de “reiteração das práticas corruptas”

Em entrevista ao Estado,Cardozo tomou cuidado de não se dirigir diretamente à decisão judicial ou ao magistrado. Alegou que nunca emite opiniões sobre decisões judiciais porque têm de ser respeitadas, mas que é preciso defender o campo de atribuições do Poder Executivo.

“Estou falando isso a partir de teses que surgiram, eu não comento decisões judiciais”, disse Cardozo. “Mas existem questões que precisam ser esclarecidas”, continuou. Segundo o ministro, há duas teses que se colocam neste momento e que precisam ser objeto de consideração do governo. “Eu diria que seria claramente ilegal e inconstitucional qualquer ato administrativo que, sem um processo que se garanta o contraditório e a ampla defesa, afastasse de licitações as empresas.”

Cardozo argumentou que não se trata de uma decisão governamental afastar ou não empresas investigadas pela lei. “Se um ato administrativo afastar empreiteiras apenas investigadas, sem direito à defesa, será revisto pelo Poder Judiciário e será abuso de poder por parte da administração pública”, alegou. “O Judiciário seria o primeiro a nos punir por isso.”

Para o ministro, o Plano de Infraestrutura lançado pela presidente Dilma Rousseff na semana passada é fundamental para o País e seguirá seu ritmo de andamento normal. Segundo Cardozo, o Executivo não pode deixar que surjam alegações sobre um plano de concessões que nem sequer teve licitações lançadas ou editais publicados.

“Esse plano de concessões é fundamental para o desenvolvimento econômico e social e será realizado com absoluta transparência,com absoluta lisura,acompanhado por todos os órgãos de fiscalização”, disse. “Teses que possam utilizar esse lançamento para indicar qualquer situação ilícita, não podemos aceitar.”

Ameaças. Cardozo também rechaçou que integrantes do governo tenham sido ameaçados por Marcelo Odebrecht. Segundo a revista Época, na manhã em que foi preso, o executivo fez três ligações, uma delas a um amigo com acesso a Dilma, ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e com bom trânsito no Judiciário. Ele teria dito “para resolver essa lambança”, caso contrário não haveria “República” na segunda-feira

Cardozo diz não conhecer qualquer ligação feita pelo executivo a integrantes do governo. “Não recebi nenhuma ligação de nenhuma das pessoas presas pela Lava Jato e desconheço qualquer ligação feita a qualquer pessoa do governo.”

Empreiteiro se sentia ‘injustiçado’ pelo governo
Preso na manhã de sexta-feira na 14.ª etapa da Operação Lava Jato, batizada de Erga Omnes (em latim, “vale para tudo”), o presidente do grupo Odebrecht, Marcelo Odebrecht, já mostrava insatisfação com o Palácio do Planalto algum tempo antes de ver em sua casa, no Morumbi, os agentes e delegados da Polícia Federal. O empreiteiro estava especialmente irritado por ter se sentido “injustiçado” com a falta de uma reação mais forte do governo ou mesmo a defesa da Construtora Norberto Odebrecht após o nome da empresa ser citado nas investigações sobre o esquema de desvios na Petrobrás.

Marcelo Odebrecht citou a interlocutores em mais de uma ocasião que havia colocado R$ 400 milhões na construção do Itaquerão, estádio do Corinthians e palco da abertura da Copa do Mundo de 2014 . Essa decisão não só garantiu o início e a realização da obra antes mesmo da liberação de empréstimo do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) como, nas palavras do executivo, neto do fundador da empreiteira, “salvou a pele” do governo – na época, sob a segunda administração de Luiz Inácio Lula da Silva.

A construção do Itaquerão foi fundamental para São Paulo manter o direito de abrir a Copa, com o jogo que terminou em vitória do Brasil por 3 a 1 sobre a Croácia. Ou seja,Marcelo Odebrecht teria ajudado quando foi necessário e agora teria sido abandonado.

‘Pizza’. Desde o fim do ano passado, quando comentava com pessoas próximas sobre a Lava Jato, Marcelo Odebrecht fazia questão de deixar claro sua preocupação de que no final a culpa sobre as propinas para ganhar concorrências de obras da Petrobrás ficasse restrita aos fornecedores da empresa, ou seja, ao setor privado. Para ele, nessa investigação, a expressão “acabar em pizza” significaria jogar a culpa exclusivamente nos empresários e livrar a responsabilidade do governo no episódio.

Essa preocupação não se restringe a Odebrecht e tomou o meio empresarial desde a prisão da primeira leva de executivos, em novembro – esses investigados foram libertados em abril, por decisão do Supremo Tribunal Federal. Os inquéritos contra políticos só foram abertos três meses após a prisão dos empreiteiros.

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