sexta-feira, 19 de junho de 2015

César Felício - A vitória do placebo

- Valor Econômico

• Saldo de pacto contra a corrupção foi pequeno

Há praticamente dois anos, no Salão Negro do Congresso, o Legislativo e o Executivo uniram-se para divulgar um balanço dos dez anos da "Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e Lavagem de Dinheiro", um trabalho de coordenação do Ministério da Justiça para alinhar os diversos órgãos de controle do Estado na ação contra o crime organizado. Eram tempos operosos aqueles dias de 2013, em que, acuados pelas manifestações, o governo federal e o parlamento procuravam mostrar dinamismo e capacidade de atender demandas populares.

Não por outro motivo, naquele mesmo julho de 2013 o Senado concluiu a votação da Lei Anticorrupção, instrumento legal que permite a condenação de pessoas jurídicas e que ajustou o marco legal brasileiro às convenções internacionais que regulam o tema. Era uma proposta que patinava no Congresso há três anos.

A afobação de dois anos atrás em mostrar serviço teve resultados magros na área do combate à corrupção. Casos como o da força-tarefa que investiga a Operação Lava-Jato, envolvendo a Justiça Federal, a Polícia Federal e o Ministério Público, são pontos fora da curva.

O impasse na aplicação da Lei Anticorrupção, em que as divergências entre a Controladoria-Geral da União (CGU), o Ministério Público e o Tribunal de Contas da União (TCU) inviabilizaram os acordos de leniência e tornaram o instrumento legal um tema interminável para seminários, mas sem aplicação concreta no mundo jurídico.

O Ministério Público não se interessa em usar a Lei Anticorrupção, porque prefere mover ações em leis onde tem o domínio de toda a ação, como é o caso da Lei da Improbidade Administrativa. O TCU reclama de ter sido marginalizado na elaboração da lei. Tanto em uma instituição quanto em outra se levantam dúvidas sobre a constitucionalidade da regulamentação da proposta, feita pela presidente Dilma Rousseff, que deu grandes poderes para a CGU.

A Lei Anticorrupção foi mais um esforço para se criar um ambiente cooperativo entre instituições vinculadas a Poderes independentes, cada uma com seus próprios problemas de eficácia no combate a irregularidades e com baixa integração entre si.

O problema não é novo. Uma pesquisa feita pela UFMG, coordenada pelo cientista político Fernando Filgueiras sobre "o fortalecimento das instituições de 'accountability' no Brasil", compilou dados sobre 4,45 mil casos de corrupção apurados pela CGU em 322 municípios, entre 2003 e 2010. Estes municípios foram alvo de auditorias aleatórias do governo federal, escolhidos em um sorteio entre os municípios que receberam repasses do governo federal. A conclusão mostra que os sistemas de apuração dos organismos de controle não conversam entre si.

O grupo escolheu este universo de pesquisa porque trata-se de corrupção miúda, que envolve casos menos espetaculosos e incorporados ao cotidiano de quem faz negócios com o Estado.

O Ministério Público abriu processo em 2.304 casos, mas só solicitou inquéritos policiais para 208 deles. Até a Justiça Federal chegaram 26 procedimentos investigatórios finalizados pela Polícia Federal. Os casos resultaram em 97 sentenças, sendo 77 condenações. Em apenas 16 cidades houve gestores condenados no âmbito da Justiça Federal. "Estamos diante de uma situação em que existe um ambiente que fomenta a competição e complica a adoção de procedimentos padronizados. Uma auditoria feita pelo TCU ou pela CGU é inteiramente refeita quando analisada pelo Ministério Público, por exemplo", diz Filgueiras, para quem " o protagonismo no combate à corrupção é um mecanismo para concentrar poder".

Os duvidosos resultados do "pacto contra a corrupção" de 2013 ilustram um fenômeno nacional, em que o anúncio de uma medida tem efeitos terapêuticos mesmo que não exista no medicamento proposto um princípio ativo. Celebra-se a vitória do placebo.

O Brasil deixou o mundo perplexo no vendaval de junho, com as multidões tomando as ruas, na maior onda de manifestações do planeta. A mudança de clima na política brasileira desde então é um dado definitivo, mas o saldo dos protestos mostra a força do "establishment" verde-amarelo, um dado surpreendente ao se levar em conta a institucionalidade imperfeita do país. A onda se aquietou sem que ninguém morresse em razão da ação policial, como aconteceu na Turquia à mesma época. Dilma não apenas continuou em seu cargo como se reelegeu no ano seguinte. O mesmo ocorreu com o governador paulista Geraldo Alckmin (PSDB). No Rio de Janeiro, o PMDB manteve sua hegemonia. Não houve uma derrubada, ao contrário do que se passou no Egito, com a queda do regime de Mohammad Mursi, também no mesmo período.

Dilma teve novo encontro com as ruas este ano, em um fenômeno que começou reunindo centenas de milhares de manifestantes pelo impeachment e terminou com algumas dezenas de agitadores visitando um "outlet", antes de entregar uma petição no Congresso.

Um punhado de medidas de baixo ou nulo efeito transformador, como os pactos anunciados por Dilma e a redução das tarifas de transporte, parecem ter sido suficientes para que a explosão anunciada tenha derivado para um deslizamento, em que a era iniciada no país em 2002 vai sendo encoberta por um sedimento conservador, seja na política, seja na economia, seja nos costumes.

A produção de eventos carregados de simbolismo e vazios de concretude segue relativamente constante, está longe de ser monopólio de uma força política ou outra e continua surtindo efeitos. A expedição oposicionista a Caracas, ontem, somou-se a uma lista que já é longa. O ato serviu para associar por via transversa o governo brasileiro ao atrabiliário regime venezuelano, o que era seu objetivo mais evidente. De quebra, serviu de pretexto para novo esticamento de corda em relação ao projeto de redução da desoneração sobre a folha, adiado mais uma vez, agora para uma semana de quórum esvaziado no Congresso, em função das festas juninas.

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