terça-feira, 2 de junho de 2015

Congresso quer reduzir poder do Planalto sobre estatais

Estatais na mira do Congresso

• Renan e Cunha propõem redução de poder do Planalto sobre dirigentes de empresas públicas

Cristiane Jungblut – O Globo

BRASÍLIA - Em mais um gesto de confronto com o Palácio do Planalto, os presidentes do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), apresentaram ontem o anteprojeto da Lei de Responsabilidade das Estatais, que, na prática, reduz o poder do governo nas escolhas dos dirigentes de estatais e bancos públicos e sua influência na gestão dessas empresas. O texto foi elaborado por Renan e Cunha sem a participação do governo. Procurado, o Planalto não quis se pronunciar sobre o assunto.

Pouco mais de um ano depois do início da Operação Lava-Jato, que apura desvios na Petrobras, o texto prevê que os presidentes de empresas como Petrobras, Caixa Econômica, Correios, BNDES e Banco do Brasil terão de ser sabatinados e aprovados pelo Senado. Renan, Cunha e o presidente da comissão mista que analisará o anteprojeto, senador Romero Jucá (PMDB-RR), são alvos da Lava-Jato. A ideia é aprovar as propostas nas duas Casas antes do recesso de 17 de julho.

Ministros vetados
O projeto proíbe ainda que ministros participem dos Conselhos de Administração dessas estatais. Se aprovada, a medida vai pôr fim a uma prática comum do governo federal. A própria presidente Dilma Rousseff presidiu o Conselho de Administração da Petrobras quando era chefe da Casa Civil do ex-presidente Lula, e participou, inclusive, da decisão de comprar a refinaria de Pasadena, nos EUA. Os casos estão sendo apurados no escândalo da Petrobras. Até março deste ano, o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega integrava o mesmo órgão.

A restrição proposta atinge não só ministros como todos os "agentes políticos vinculados à União", em especial os que ocupem até o 3º escalão dos ministérios.

Ao todo, o anteprojeto da Lei de Responsabilidade das Estatais tem 45 artigos e está sendo apresentado como proposta para uma Lei de Responsabilidade das Estatais. Ao apresentar o anteprojeto, Renan e Cunha criaram uma comissão de quatro senadores e quatro deputados para analisar o anteprojeto e apresentar uma proposta final em 30 dias.

A ideia é que a comissão ainda faça mudanças importantes na proposta, como dar poderes ao Senado até para destituir os presidentes das estatais e tratar das operações de crédito do BNDES. No caso do banco de desenvolvimento, a ideia é incluir artigo que crie uma comissão que acompanhe as informações sigilosas sobre as operações de crédito.

- A questão do sigilo das operações do BNDES será trabalhada na comissão - disse Eduardo Cunha.

Outra proposta importante do anteprojeto é que os presidentes da Petrobras e de outras grandes empresas de economia mista terão, obrigatoriamente, que comprovar experiência anterior de um ano na gestão de empresas de porte semelhante. Na prática, isso acaba com as indicações políticas e impede que o chefe dessas empresas seja funcionário com carreira integralmente construída lá dentro. Foi o caso da ex-presidente da Petrobras Graça Foster, por exemplo. Essa regra, no entanto, não atinge as empresas exclusivamente públicas, como o BNDES.

Apesar de confrontar várias práticas do governo federal, Renan disse que a proposta de lei "não é contra ninguém".

- Evidente que não é um projeto contra ninguém, mas a opacidade das estatais não pode continuar. Elas precisam se submeter a regras de transparência, de controle público, de governança. Essa lei fortalecerá o Brasil e acabará com o mundo paralelo das estatais - disse Renan.

Para o presidente da Câmara, a Lei das Estatais seria algo semelhante à Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

- Não estamos interferindo nas estatais, estamos colocando regras de transparência e de governança. O objetivo é esse (de reduzir a corrupção), é dar qualificação e transparência. É como a LRF, mas para as estatais - afirmou Eduardo Cunha.

Perguntado se as indicações políticas acabavam, Cunha disse que qualquer indicação é um "ato político".

O presidente da comissão mista, senador Romero Jucá (PMDB-RR), defendeu o papel do Senado na escolha dos presidentes das estatais e empresas de economia mista.

- As regras valem para estatais e bancos públicos. Qualquer empresa que tenha participação da União entra. E haverá um figurino a ser preenchido pelos futuros ocupantes - disse Jucá.

Outro ponto importante do anteprojeto é a proibição de que os administradores das empresas de economia mista, como Petrobras e Banco do Brasil, aleguem a existência de "interesse público" para fundamentar decisões que prejudiquem "de modo exclusivo ou preponderante" os acionistas minoritários.

Nos últimos anos, acionistas minoritários da Petrobras reclamaram da manutenção dos preços dos combustíveis em níveis artificialmente baixos, que causavam prejuízos à empresa. O texto propõe que o descumprimento dessa regra dê "causa à pretensão de perdas e danos aos acionistas que demonstrarem prejuízo". Caberia ao Conselho de Administração "assegurar a estrita separação entre os interesses da companhia e do acionista controlador".

Governo ainda espera mudanças
O relator da comissão será o deputado Arthur Maia (SD-BA). Além de Jucá e Maia, participarão da comissão os senadores José Serra (PSDB-SP), Walter Pinheiro (PT-BA) e Otto Alencar (PSD-BA); e os deputados Danilo Forte (PMDB-CE), Rogério Rosso (PSD-DF) e André Moura (PSC-SE).

Segundo integrantes do governo, como o anteprojeto está sendo apresentado agora no Congresso, o texto ainda pode ser bastante mudado.

Jucá disse que vários pontos do anteprojeto serão aperfeiçoados nos próximos 30 dias. No caso do BNDES, Jucá afirmou que a proposta é criar uma comissão que vai acompanhar as informações sobre as operações de crédito feitas pelo banco.

As regras para integrar os conselhos de Administração e as diretorias das empresas passam a exigir "comprovada idoneidade moral", além de graduação em curso superior e notória experiência em gestão ou na área de atuação das empresas. Além disso, passa a ser obrigatório ter cinco anos de atuação profissional em cargo semelhante.

O texto ainda prevê que o Congresso passe a ser informado anualmente sobre as conclusões dos conselhos de Administração das empresas sobre atendimento das metas e resultados do plano de negócios das empresas. Caso as metas e resultados previstos sejam descumpridos por dois anos consecutivos, o Conselho de Administração deverá destituir os diretores.

O anteprojeto obriga também que as contratações e compras das empresas públicas e de economia mista sejam feitas por licitação pública que guarde conformidade com a essência da Lei de Licitações. Seriam criados ainda comitês de auditoria, de riscos e de remuneração nas empresas de companhia mista. (Colaborou Catarina Alencastro)

Os principais pontos do projeto

Presidentes de empresas públicas.
O Senado terá de aprovar os escolhidos para presidir empresas públicas. No caso das empresas de economia mista, será preciso experiência prévia em outra empresa aberta. Diz o texto do projeto: "A nomeação do presidente da empresa pública será precedida de aprovação pelo Senado". Além disso, "os presidentes das sociedades de economia mista de capital aberto deverão comprovar o exercício prévio de cargo equivalente em sociedade anônima de capital aberto pelo período de pelo menos um ano, e sua nomeação será precedida de aprovação pelo Senado".

Ministros proibidos nos conselhos.
Pelo texto, será proibido nomear ministros e políticos para os conselhos das estatais. Diz o texto: "Não poderão integrar o Conselho de Administração agentes políticos vinculados à União, em especial ministros de Estado e titulares de cargos até o terceiro escalão no âmbito dos respectivos ministérios".

Proibição de prejuízo aos sócios minoritários.
O texto determina que "é vedado aos administradores da sociedade de economia mista de capital aberto fundamentar no interesse público que motivou sua criação decisões que causem prejuízos de modo exclusivo ou preponderante aos acionistas minoritários, preservando os interesses do acionista controlador". Isso afeta a manutenção do preço da gasolina artificialmente baixo, por exemplo.

Escolha de conselheiros e diretores.
Pelo projeto, os membros dos Conselhos de Administração e os diretores das empresas públicas terão de comprovar idoneidade moral, experiência prévia e graduação em curso superior. Diz o texto: "Os membros do Conselho de Administração serão eleitos por assembleia geral de acionistas, dentre pessoas que atendam as seguintes condições: A) comprovada idoneidade moral; B) graduação em curso superior ou notória experiência em gestão empresarial ou em área que integre o objeto social da companhia; C) comprovação de no mínimo cinco anos de atuação profissional efetiva em gestão empresarial ou atividade que integre o objeto social da companhia".

Regras mais rígidas para as licitações.
O projeto estabelece que "as sociedades de economia mista e empresas públicas que adotem regulamento próprio de licitações e contratos administrativos deverão enviar anualmente ao Congresso Nacional relatório detalhado relativos a sua execução". Além disso, o texto diz que contratações de obras "deverão ser precedidas de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, permitidas exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações".

Fiscalização interna.
O projeto cria uma série de instrumentos de controle interno para as empresas públicas. Afirma o estatuto: "As sociedades de economia mista de capital aberto deverão contar em sua estrutura administrativa, com: I - comitê de auditoria (...); II - comitê de riscos (...); III - comitê de remuneração, com atribuição de assessorar a diretoria sobre a política de remuneração de pessoal".

Cumprimento de metas e responsabilização por omissão.
O projeto estabelece punição para os conselheiros das empresas públicas. Diz que "compete ao Conselho de Administração, sob pena de seus integrantes responderem por omissão, promover anualmente o exame do atendimento das metas e resultados na execução do plano de negócios, fazendo publicar suas conclusões, e delas informando ao Congresso". E complementa: "Ocorrendo o descumprimento das metas e resultados objeto do plano de negócios, por dois anos consecutivos, caberá ao Conselho promover a destituição dos diretores responsáveis".

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