quinta-feira, 4 de junho de 2015

José Roberto de Toledo - De renúncia em renúncia

- O Estado de S. Paulo

As pessoas passam, mas as instituições ficam – principalmente as bilionárias. Investigado pelo FBI, Sepp Blatter anunciou que vai pendurar as chuteiras, após 40 anos de FIFA, 17 dos quais como o cartola mais poderoso do futebol mundial. João Havelange sentou na mesma cadeira por 24 anos e depois ficou 14 anos como presidente de honra da entidade. A la Blatter, renunciou ao cargo, como renunciara ao Comitê Olímpico Internacional (COI).

Ricardo Teixeira saiu de repente da CBF em 2012, após passar 23 anos mandando no futebol brasileiro como se fosse a casa do sogro. Bem, era a casa do sogro, pois casou-se com a filha de Havelange, que havia comandado a CBD (futura CBF) desde 1956.

As renúncias de Havelange e Teixeira mudaram algo na FIFA, no COI ou na CBF? A prisão do sucessor deste e a investigação sobre o sucessor daquele sugerem que não. Pelas palavras grampeadas do novo hóspede da prisão-modelo suíça, José Maria “está na hora dessa grana vir para nós” Marin, mudaram só as contas bancárias.

Há cifras de sobra para quem queira duvidar que a renúncia de Blatter vai mudar essencialmente a FIFA ou quem manda no futebol mundial. A estrutura de poder da entidade está repleta de septuagenários e octogenários que passaram grande parte de suas vidas viajando o mundo, comendo, bebendo e se hospedando em hotéis de luxo às custas das entidades que representam.

Muitos vêm de países com menos habitantes do que há torcedores do Juventus (o da Mooca). Mas na hora de escolher o sucessor de Blatter, o voto do presidente da federação de futebol de Monserrat, um território ultramarino com 5.000 habitantes, tem o mesmo peso do voto das nações campeãs do mundo, como Brasil, Alemanha, França, Inglaterra, Espanha, Uruguai ou Argentina.

Não que os presidentes das federações dos países onde se pratica futebol de massa sejam necessariamente mais ou ou menos honestos do que os onde o futebol é praticado apenas na areia da praia. O problema não é a pessoa, ou as pessoas: é a instituição.

Com 209 eleitores – alguns deles nem países são, como Monserrat –, a escolha do presidente da FIFA obedece a critérios que facilitam a compra de votos: é secreta e não há proporcionalidade ao número de jogadores, times ou torcedores de cada país. Pior: os dividendos milionários das competições patrocinadas pela entidade são iguais para todos. O Brasil recebe tanto quanto Andorra ou Liechtenstein pela Copa.

Quem vai querer acabar com uma mamata dessas? Os presidentes das nanofederações é que não. Tanto é assim que no meio do escândalo mundial, com uma dúzia de colegas já presos, eles voltaram a eleger Blatter na semana passada, pela quinta vez seguida. Se não fosse o FBI, o suíço continuaria mandando e desmandando.

Mesmo sem ele lá, nada indica que a estrutura será reformada ou que a distribuição de poder vá mudar. Para que isso pudesse acontecer, os países que levam multidões aos estádios ou, mais importante, para a frente dos aparelhos de TV assistir às partidas teriam que dizer “basta”.

Teriam que abandonar a FIFA ou, pelo menos, se recusar a participar da Copa do Mundo.
Qual a chance de a CBF fazer uma coisa dessas? É a mesma de a CBF reformar-se a si própria e abandonar um sistema de escolha do seu presidente no qual, na prática, não há oposição, pois o desafiante só vira candidato se tiver o apoio de oito das 27 federações estaduais. A estrutura oligopolizada da FIFA se reproduz nos países, eternizando cartolas que nunca desmamam.

Por isso, a satisfação com a renúncia de Blatter corre o risco de ser tão fugaz quanto foram as comemorações pelas quedas de ditadores na Primavera Árabe. Não basta trocar quem está no poder, por mais justo que isso seja. É preciso reformar suas estruturas, multiplicar os mecanismos de participação. Vale para a FIFA, vale para a CBF, para qualquer lugar.

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