segunda-feira, 15 de junho de 2015

José Roberto de Toledo - Fala, Excelência!

- O Estado de S. Paulo

Excelência! Excelência! Estamos ao vivo transmitindo a votação da reforma política. O senhor poderia explicar para o nosso telespectador o que foi aprovado?

- A que horas vai ao ar?

- Está no ar. É ao vivo.

- Então espera um pouco, deixa eu passar um pente no cabelo.

- As pessoas já estão vendo o senhor, Excelência. É ao vivo.

- Mas a essa hora? É tão tarde. Não era para ter ninguém assistindo…

- Excelência, por que os mandatos de presidente, governador e prefeito vão aumentar para cinco anos?

- Porque nós acabamos com a reeleição, e quatro anos é muito pouco tempo para fazer tudo o que precisa ser feito.

- E se o governante for ruim e estiver fazendo tudo errado, ele vai melhorar e passar a fazer tudo certo no quinto ano?

- Veja bem… Não se pode criar uma lei pensando em casos específicos. Isso seria casuísmo. A Constituição só deve estabelecer regras universais, que valem para todos.

- Se vale para todos, deputados e senadores não vão mais poder se reeleger?

- Quem falou essa barbaridade? Esconjura! Pé de pato, mangalô, três vezes!

- Calma, Excelência!

- Deputados e senadores continuamos podendo nos reeleger quantas vezes quisermos.
- Quantas vezes o eleitor quiser…

- Você me entendeu.

- Se a reeleição não acabou para os deputados, por que eles também vão ter seus mandatos aumentados?

- Como eu disse, cinco anos é uma regra universal. Você não pode discriminar o deputado, entende?

- Não seria bom ter uma eleição exclusiva para o Congresso? Dar mais atenção ao voto em deputados e senadores?

- Se fosse assim ia ter eleição quase todo ano. O eleitor não aguenta mais votar tantas vezes.

- Foi por isso que os senhores acabaram com o voto obrigatório?

- Está louco! Voto facultativo é coisa de comunista neoliberal. O voto é um dever cívico! Todo mundo continua obrigado a votar e cumprir sua parte na festa da democracia.

- E por que não aprovaram a coincidência de todos os mandatos? Não era para economizar e fazer uma eleição só a cada cinco anos?

- Que ideia de jerico! Quem ia conseguir decorar número de candidato a presidente, a governador, três de senador, de deputado federal, de deputado estadual, de prefeito e de vereador? Iam votar mais errado do que já votam.

- Foi pensando só no eleitor, então?

- Sempre!

- Nada a ver com o político que não se elegesse e que ficaria sem chance de disputar outro cargo por cinco anos?

- Isso nem tinha me passado pela cabeça.

- E por que os senhores diminuíram a idade mínima para alguém se eleger deputado?

- Os jovens estão muito precoces. Veja o meu filho, por exemplo: tem só 18 anos, mas já está seguindo os passos do pai. É vereador. Por que não posso colocar ele de deputado, de uma vez?

Precisamos dar chance à juventude. Tudo começa mais cedo, hoje em dia. É uma tendência, entende?

- Por isso que os senhores querem reduzir a maioridade penal?

- Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa.

- E o financiamento empresarial, por que os senhores resolveram aprovar uma emenda constitucional sobre algo tão específico? Não era para colocar apenas princípios universais na Constituição?

- Por que senão aqueles ministros do Supremo, com a mania que eles têm de legislar, iam proibir a gente de arrecadar dinheiro junto às empresas. Você tem ideia de quanto custa para eleger um deputado?

- Não é o quanto aparece na prestação de contas oficial?

- Você me entendeu.

- Há quem diga que os senhores estão legislando em causa própria…

- Dá licença, meu filho. O chefe está indo embora e preciso falar com ele. Eduardo! Eduardo!

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