quinta-feira, 25 de junho de 2015

Maria Cristina Fernandes - As instituições mais ou menos sólidas de Lula

- Valor Econômico

• O dia em que o ex-presidente deixou de ditar regras

Numa passagem de seu discurso de segunda-feira, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse que o Brasil tinha instituições 'mais ou menos sólidas'. Não explicou a quais delas se referia ainda que 72 horas antes, procuradores e policiais federais, respaldados por um juiz, houvessem prendido dois dos maiores empreiteiros do país. O ex-presidente não mencionou o episódio, mas, meia hora depois de sua fala, o presidente do instituto que leva seu nome faria uma defesa incondicional dos empresários.

É possível que, no discurso, Lula estivesse apenas pensando em seu partido 'envelhecido e sem utopia', mas o ex-presidente embaralhou sua plateia ao emendar, em seguida, que o principal legado deixado por seu governo ao país havia sido o 'exercício da democracia'.

No evento, promovido pelo Instituto Lula com o ex-primeiro-ministro espanhol, Felipe González, o ex-presidente disse que o PT precisa de gente mais nova porque ele fala sempre as mesmas coisas. Não é verdade.

Na última vez que o ex-presidente e González estiveram juntos no Brasil, em evento promovido pelo Valor, era outro Lula. O ex-presidente voltava a falar em público depois de longa hibernação provocada pelo câncer na laringe. Era março de 2013 e o governo da presidente Dilma Rousseff ainda não havia sido sacudido pelas manifestações de junho.

Naquele momento, o ex-presidente sentia-se à vontade para dar lições à democracia europeia. "Aconteceu no Brasil uma coisa fantástica, Felipe. Liberamos o equivalente a US$ 50 bilhões para que os bancos públicos e privados pudessem alimentar o crédito". Os privados, explicou o ex-presidente, usaram o compulsório para comprar títulos do governo, e deixaram os públicos com a bucha na mão. Isso não impediu o que o ex-presidente chamou de 'milagre brasileiro': crédito, transferência de renda para os pobres e aumento de salário. "Não haverá solução para a crise enquanto o povo europeu não voltar a consumir e a produzir", concluiu.

O espetáculo dos bancos públicos iniciado por Lula teve sua apoteose no primeiro mandato Dilma Rousseff não apenas para atender às convicções da nova presidente como também para dar fluxo às consultorias que seu antecessor passou a prestar para deslanchar negócios brasileiros no exterior.

Em entrevista concedida ao Valor naquela manhã de março de 2013 em que se encontrou com González, Lula falou com entusiasmo de suas atividades privadas depois que deixou a Presidência: "Viajo para vender confiança. Se alguém tiver um produto brasileiro e tiver vergonha de vender, me dê que eu vendo".

O ativismo dos bancos públicos entrou na mira da Lava-Jato e deixou Dilma em apuros no Tribunal de Contas da União. Os programas de transferência de renda foram congelados, mas o principal vetor de redistribuição de riqueza da era petista, o salário, é ameaçado pela escalada do desemprego.

Avinagrado o milagre, restou o que o ex-presidente chamou de 'legado da democracia', numa sarneyzação do discurso petista. O legado de Lula deixa de fora seu partido, que, no seu último congresso, conformou-se ao arremedo de reforma política em tramitação na Câmara, e não aprovou nenhuma resolução no sentido de dar mais transparência às suas relações com financiadores.

Ciente do despenhadeiro que aguarda o PT em 2016, Lula parece acreditar ainda ser capaz de arrebanhar movimentos que venham a surgir na esteira do 'Podemos', partido que elegeu as prefeitas de Madri e Barcelona. Fez uso até de Platão: "Nos meus discursos as pessoas colocam 'como diz o poeta', pois eu vou citar um filósofo inglês. A desgraça de quem não gosta de política é ser governado por quem gosta. Que surja um partido melhor que o PT".

No encontro com González de 2013, Lula batera na tecla de uma crise financeira mundial que havia se aprofundado na Europa pela ausência de lideranças políticas capazes de comandar uma reação. "Político não precisa ter medo de crise", recomendou, à época, o ex-presidente.

Agora foi a vez de González. Ao Brasil não faltariam nenhum dos ingredientes que hoje alavancam a economia: agropecuária voltada para uma China importadora de 60% do que come, abundância de energia, tecnologia da informação e capacidade de aumentar a produtividade. Por isso, concluiu González, a crise do Brasil é mais política que econômica.

Fustigado pela plateia de militantes que o questionaram até pelas relações que mantém com opositores do regime de Nicolás Maduro, na Venezuela, o ex-primeiro-ministro espanhol, tentou por um freio na manobra à esquerda dos petistas: "Há mercado sem democracia, mas não há democracia sem mercado".

González chamou de austericídio a situação de uma Grécia que, depois de queimar um terço do PIB em cinco anos, viu sua dívida aumentar em 60%. Foi nesse momento, já ao final do encontro, que Lula teve uma recaída e voltou a falar da Europa como um continente do qual não há o que se invejar. Depois de chamar de 'coitado' o primeiro-ministro grego Aléxis Tsípras, o ex-presidente solidarizou-se com países que perderam o direito de fazer política monetária e hoje se limitam a manejar instrumentos fiscais. Deve ser horrível morar num país desses.

Odebrecht
Um dia depois do encontro com González, Lula prestou contas à jornalista Teresa Cruvinel das viagens que fez como presidente para promover interesses de empresas brasileiras: "Se os presidentes da República tivessem que ser criminalizados por ajudarem as empresas de seu país, o Bill Clinton não teria ajudado a americana Raytheon a vender o Sivam para o Brasil".

Desde que o primeiro-ministro Li Keqiang veio ao Brasil em maio, a proteção da Amazônia passou a ser alvo de novos parceiros. Entre os memorandos assinados durante sua visita está o de uma parceria com o Banco Comercial e Industrial da China (ICBC) e a indústria de sistemas de defesa daquele país (Ceiec) para renovar e ampliar o Sistema de Proteção da Amazônia, ao qual o Sivam está subordinado. O parceiro brasileiro é a Odebrecht.

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