sábado, 20 de junho de 2015

Murillo de Aragão - O Estado Sequestrado

- O Estado de S. Paulo

Há muito o Estado brasileiro está sequestrado. Antes, pelo regime militar. Agora, depois da redemocratização, a cidadania perdeu o controle para os políticos, a burocracia e o aparelhamento de cargos por apadrinhados políticos e sindicais. Cada um dos sequestradores opera de acordo com uma lógica própria. Muitos políticos usam o Estado para se reeleger e se perpetuar no controle; outros, para fazer negócios. Alguns, para ambos.

A prova está na sucessão de escândalos que envolvem políticos, partidos, estatais e obras públicas. A burocracia sequestrou o Estado para ter acesso a ganhos econômicos na forma de salários e outros benefícios. Os que aparelham o Estado estão lá para gerar negócios e poder político para seus apadrinhados.

Em meio a um mar de lama e prejuízos bilionários, a Petrobrás nos dá uma prova da prevalência dos interesses menores. Ela deixará de pagar dividendos a seus acionistas, mas pagará mais de R$ 1 bilhão a seus funcionários a título de resultados, mesmo não tendo havido lucro.

Outra prova do sequestro está no fato de que mais da metade dos partidos políticos registrados no País vive só dos cofres públicos. Não arrecadam um centavo sequer de seus militantes.

Outros tantos, inclusive com representantes no Congresso, tiveram 99% de suas despesas bancadas pelo Fundo Partidário. Dos 32 partidos registrados, 17 tiveram mais de 90% de suas despesas pagas pelo fundo. Pequenos partidos, grandes negócios.

Nenhum dos sequestradores opera com vista ao interesse da cidadania, apesar do discurso recheado de palavras e intenções em favor do bem comum. Quase sempre operam em torno das próprias agendas. É um bom acaso quando tais interesses coincidem com os da cidadania. Mas nem sempre isso acontece. Em alguns lugares, quase nunca. Por exemplo, em 2014 o Brasil ocupava o vergonhoso 112.º lugar, entre 200 nações, em termos de saneamento! No mesmo ano, 45% dos municípios do País despejavam resíduos sólidos em aterros não tratados. Sujeira na política e sujeira no meio ambiente estão mais que relacionadas.

O mensalão e o petrolão são mais uma prova de como o esquema escravizou os cofres públicos para financiar políticos e partidos. Ambos são esquemas que macularam o sistema político e fragilizaram o processo eleitoral de forma a favorecer alguns em detrimento da maioria. O abuso de poder econômico no sistema eleitoral serviu para renovar periodicamente o sequestro da sociedade. Muitos dos sequestradores consideram-se líderes de um povo que não sabe o que quer. Arvoram-se em condutores de planos que não levam a lugar nenhum. E que encobrem o desejo de manter o Estado sequestrado, longe da sociedade. Divorciado da cidadania. Querem manter um Estado patrocinador que decide tudo sob o manto da opacidade.

A cidadania muitas vezes é tratada como gado, merecedora somente de migalhas de um governo “gastão”, caro e ineficiente. Temos carga tributária europeia e serviços precários, com frequência inexistentes. Estudo do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário nos coloca como o pior país do mundo na relação carga tributária-PIB-Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Somos a 7.ª economia do planeta e estamos em 85.º no IDH. Somos, vergonhosamente, o 120.º melhor ambiente de negócios no planeta!

Saneamento e ambiente de negócios não interessam ao mundo político. A diferença brutal entre os rankings se dá pelo sequestro do Estado à sociedade. Esta é indesejada e indesejável quando se expressa politicamente de forma aguda. Só é bem-vinda na época das eleições, para referendar o sequestro e manter tudo como antes. As agendas operam em torno de um vetor: a manutenção do poder a qualquer preço.

A dinâmica do sequestro do Estado é ditada pelo calendário eleitoral. A cada dois anos temos eleições. Assim, o que importa é atender à agenda eleitoral. Por isso as obras são entregues às portas das eleições. Por isso os gastos com publicidade aumentam. Trata-se do império do curto prazo e do imediato atendimento do óbvio ululante para se manter no jogo. Enquanto isso, jogamos o nosso futuro para as calendas.

Planos de longo prazo são engavetados. A Baía de Guanabara, por exemplo, está sendo despoluída há décadas e isso não termina nunca. Nem a ocorrência da Olimpíada no Rio de Janeiro foi capaz de resolver esse vexame. A Ferrovia Norte-Sul começou em 1988 e ainda não foi concluída. A ligação expressa entre o Aeroporto de Confins e o centro de Belo Horizonte demorou 25 anos para ser concluída! Os Rios Pinheiro e Tietê, na capital paulista, eram poluídos 50 anos atrás e continuam assim. Continuarão assim por mais um par de décadas? Provavelmente, sim.

O futuro não importa para os sequestradores, desde que a cidadania continue aprisionada e financiando a sua perpetuação no poder, com altos impostos, baixas cobranças e bovinamente pacífica ante a corrupção e a incompetência. Um Estado operando com elevados graus de opacidade, como indica a sucessão de escândalos, mostra que nossos impostos financiam nossa escravidão.

O Brasil é um país de imenso potencial. Com sua agricultura, por exemplo, alimenta mais de 800 milhões de habitantes no planeta. Mas poderia ser muito melhor. O trabalho e o empreendedorismo no País são punidos. Nossa infraestrutura e a logística de escoamento das safras são precárias. Os sequestradores não querem o setor privado forte, mas a iniciativa privada cooptada por benesses.

Continuaremos sequestrados como cidadãos em nosso país? Submetidos a uma agenda de interesses que nem sempre é o interesse da sociedade? Sim. Por um bom tempo. Avançamos nos últimos 30 anos, estamos construindo uma sociedade multipolar em termos de exercício de poder, mas muito ainda tem de ser feito. A luta da cidadania para construir um Estado democrático está só começando.

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*Murillo Aragão é advogado, consultor e mestre em ciência política e doutor em sociologia pela UNB. É autor do livro 'Reforma Política - O debate inadiável'

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