quarta-feira, 15 de julho de 2015

Crise moral - Editorial / O Estado de S. Paulo

Desde que o Tribunal de Contas da União (TCU) deu claras indicações de que poderá não aprovar as contas do governo relativas ao exercício de 2014 por causa, entre outras razões técnicas, das "pedaladas" que configuram clara infração à Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), porta-vozes da presidente Dilma Rousseff – ministros de Estado e os poucos dirigentes petistas que ainda se dispõem a defender a presidente da República – insistem em argumentar que a equipe econômica não fez mais do que repetir os mesmos procedimentos do governo tucano, até agora tolerados pelo tribunal. Detalhe: ninguém citou, até agora, um só caso concreto de "pedalada" no governo FHC, a quem coube, a propósito, a iniciativa de propor a Lei de Responsabilidade Fiscal, que o lulopetismo tentou impedir que fosse aprovada pelo Congresso e tenta transformar em letra morta desde que assumiu o poder.

O espírito da LRF é coibir a prática, historicamente dominante no trato da coisa pública no País, de os governos gastarem à vontade, sem levar em conta o princípio elementar, válido tanto na vida privada quanto na pública, de que qualquer despesa deve ser precedida da correspondente receita capaz de provê-la. É típico de governos populistas vender a ilusão de que, quando está realmente disposto a ajudar os necessitados, o governo sempre é capaz de encontrar os recursos necessários. Isso explica não apenas a oposição feita pelo PT à aprovação da LRF, em 2000, como a falta de cerimônia com que, principalmente a partir da segunda metade do segundo mandato de Lula, a gastança desenfreada se generalizou, tornando-se uma das causas da grave crise econômica que hoje abala o País.

Temendo que a tendência demonstrada pelo TCU de rejeitar as contas acabe por viabilizar a abertura de um processo de impeachment, Dilma Rousseff mobilizou sua equipe para uma ofensiva junto aos veículos de comunicação e aos congressistas, com o objetivo de antecipar os argumentos de defesa do governo. Na segunda-feira passada coube aos ministros Nelson Barbosa, do Planejamento, e Luis Inácio Adams, chefe da Advocacia-Geral da União, expor aos jornalistas as razões do Planalto. Os ministros deixaram claro que está havendo uma tentativa de "politizar" uma questão que é "meramente técnica", como se o descumprimento da lei por parte de quem deve zelar por ela, com a agravante de ter cometido a infração com claros objetivos eleitorais, não se tratasse de uma questão eminentemente política – e da maior gravidade. Pois as "pedaladas", por meio das quais o governo obrigou bancos oficiais a custear benefícios sociais como o Bolsa Família sem o prévio provimento desses recursos pelo Tesouro, constituíram-se não apenas em infração à proibição legal de que aquelas instituições oficiais de créditos financiem o governo, como foram executadas com a óbvia intenção de resguardar a imagem de Dilma Rousseff em plena campanha reeleitoral. A negativa dessa evidência é pura hipocrisia, tanto quanto a tentativa, que até agora os petistas não conseguiram comprovar documentalmente, de que essa prática era comum já no governo FHC.

Assim, a afirmação do ministro Adams de que "confia" em que o TCU será técnico "e não político" na análise das contas soa como uma tentativa de desqualificar desde logo uma eventual decisão desfavorável ao governo. Como órgão de assessoramento do Congresso, o TCU não faz julgamento político. Analisa tecnicamente as contas do Executivo e, se for o caso, recomenda sua aprovação ou rejeição. Mas, para o ministro Adams, se o TCU aprovar as contas, será uma decisão técnica; se desaprová-las, estará se deixando levar por indevida e reprovável motivação política. Simples assim.

Com uma sutileza paquidérmica, os ministros de Dilma tentaram convencer os jornalistas também de que as reprováveis pedaladas podem até ter existido, mas são coisa do passado e "aprimoramentos são sempre possíveis", pois os técnicos do governo estão "em constante diálogo" com os do TCU. Só que, acentuou Nelson Barbosa, "as mudanças são para a frente" e "não podem servir" para a rejeição das contas do ano passado. Quer dizer: deixemos o passado para lá, que a vida segue. Nesse governo, a crise moral precede todas as outras.

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