quinta-feira, 23 de julho de 2015

Maria Cristina Fernandes - A marcha da insensatez

- Valor Econômico

• Para governador, a hora é da 'liderança responsável'

Governador pela terceira vez do Espírito Santo, o pemedebista Paulo Hartung votou no senador Aécio Neves na disputa presidencial de 2014. Foi pelo PSDB que elegeu-se deputado federal em 1990. E também foi a serviço do governo tucano que, sete anos depois, ocupou uma diretoria do BNDES.

Sem desocupar seu assento na política nacional vê se acercar do Palácio do Planalto o que chama de 'marcha da insensatez'. O porte estandarte desta marcha foi recolhido nos escombros do primeiro semestre dos trabalhos legislativos com a desidratação das medidas do ajuste fiscal, o fim do fator previdenciário, a extensão do reajuste do salário mínimo para benefícios acima do piso e o reajuste do Judiciário.

Todas essas medidas contaram com votos de seus atuais e antigos correligionários e foram pautadas por um presidente da Câmara que, ao fim do recesso parlamentar, terá motivos em dobro para se recolocar à frente da marcha. O PSDB teme contágio, mas pode vir a convergir com a pauta legislativa de Eduardo Cunha mesmo sem lhe hipotecar solidariedade.

A percepção de que os tucanos, para exercer oposição, não precisam integrar a marcha, coloca Hartung na companhia do ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso e do ex-presidente do Banco Central e coordenador econômico da campanha presidencial tucana Armínio Fraga, que revelou sinais de desgosto com os rumos do PSDB em entrevista a Cristian Klein, do Valor.

Governadores, ainda que eleitos por plataformas de oposição, são, pelo cargo que exercem, mais moderados. As leis da natureza foram subvertidas em 1992 porque os governadores, devido à extensão do mandato do então presidente José Sarney, tomaram posse um ano depois de Fernando Collor quando o fracasso dos planos de estabilização já era evidente. Revigorados pela urnas, os governadores não demorariam a engrossar as articulações pró-impeachment quando o desfecho entrou no cálculo político dos principais partidos.

Se a interrupção do mandato presidencial hoje ainda não se mostra benéfica a nenhum agente político, para governadores o prejuízo é claro. O impeachment é indigesto tanto ao governador que precisa de estabilidade para entregar resultados e atrair investimentos, quanto para aquele que, a exemplo de Geraldo Alckmin, quer ir além e reservar um lugar na sucessão de 2018.

Hartung aborta na primeira frase a elucubração, já presente no noticiário, de seu nome como alternativa, no PMDB, a Eduardo Paes. Primeiro porque o prefeito do Rio é um 'excelente nome', depois porque ainda custa a ver o partido unificado numa eleição cujo principal partido de oposição, o PSDB, tem três nomes que já foram testados nas últimas quatro eleições presidenciais e alcançaram visibilidade nacional.

A moderação dos governadores é cuidadosamente cultivada pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy. Além de acertar esta semana as compensações da lei que desonera as exportações, negocia com a Câmara a votação, em agosto, do projeto que repatria recursos de brasileiros enviados ilegalmente ao exterior. É daí que virá a compensação para os Estados que vão sair perdendo com a unificação do ICMS.

O tratamento tem reciprocidade dos governadores. Na carta que os quatro do Sudeste enviaram à presidente Dilma Rousseff no fim de junho com propostas para a atração de investimentos em meio à crise, o 'ordenamento das contas públicas' foi colocado como condição necessária à geração de renda no país que já soma oito milhões de desempregados.

Em contraposição à 'crisezinha' do presidente do seu partido, Michel Temer, Hartung vê o país imerso em uma 'crise gravíssima' provocada pelos desacertos da chamada nova matriz econômica que apenas o surpreendeu pela demora com a qual ocorreu. Toca de ouvido com Levy, que passou o sábado no Espírito Santo, onde visitou estaleiro e encontrou empresários. Vê na crise a lição pedagógica de que não se reduz juro por decreto. Endossa a cartilha de menos inflação e mais superávit porque não vê outro jeito de devolver confiança a investidores que, retraídos pela crise, preferem manter a liquidez a arriscar no escuro.

Foi na toada da moderação que Hartung e seus três colegas do Sudeste foram recebidos no Palácio do Planalto na semana passada. O encontro durou 2 horas e 15 minutos, teve uma anfitriã ocupada em dar voz aos governadores e só terminou porque Hartung tinha um avião de carreira para tomar. A rota de aproximação foi seguida pelos nove governadores do Nordeste que, dois dias depois, se reuniriam para divulgar uma carta mais política de respaldo ao mandato da presidente.

É um apoio que se faz acompanhar de uma lição de casa mais célere do que aquela que resiste nos escaninhos do governo federal. Como mostrou o Valor (20/07), 19 dos 27 Estados já conseguiram melhorar suas contas este ano. De cada R$ 10 do superávit primário do setor público R$ 7 vêm da economia feita nos Estados.

Premidos ao ajuste pelas punições previstas na Lei de Responsabilidade Fiscal, os governadores contam com Assembleias Legislativas mais dóceis do que o Congresso Nacional, especialmente o da atual legislatura que volta do recesso em agosto sob redobradas pressões.

Além de setores empresariais insatisfeitos com o fim das desonerações fiscais, há a repatriação de ativos com a qual o governo federal conta para desafogar os Estados e cuja anistia a multas e impostos ainda será alvo de intensa disputa.

É com esses interesses, além daqueles que, a seu exemplo, temem ser atingidos pela Lava-Jato, que o presidente da Câmara conta para furar o isolamento a que o rompimento com o governo lhe relegou.

Basta comparar a safra atual de governadores com aquela de 1992 (Antonio Carlos Magalhães, Edison Lobão, Gilberto Mestrinho, Joaquim Roriz e Jader Barbalho) para se concluir que a ordem fiscal que impera nos Estados desde o Real, diminuiu seu poder de fogo sobre as oligarquias regionais, hoje melhor abrigadas no Congresso.

A aproximação entre a União e os governadores mostra a aposta num biombo político capaz de virar votos na Câmara dos Deputados. É uma aliança ainda carente de operadores no Congresso mas destinada a testar o poder de fogo daquilo que Paulo Hartung chama de 'exercício de liderança responsável'.

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