domingo, 12 de julho de 2015

Miriam Leitão - Metamorfose tucana

- O Globo

Antes de a semana terminar, o PSDB negou na prática o que havia dito de si mesmo. Não está preparado para governar um partido que, por luta política, ajuda a criar despesa permanente, com alto poder desestabilizador. Os tucanos negam a sua própria história. Eles desindexaram e ajudam a reindexar; eles reduziram gastos e, agora, votam pelo aumento dessas mesmas despesas.

O PT sempre soube ser "contra tudo isso que está aí". Votou contra o Plano Real, a Lei de Responsabilidade Fiscal, todas as reformas, e não assinou a Constituição. O PSDB tem outra história e já votou a favor de propostas de governo, mesmo sendo oposição. Na atual fase da briga contra o governo Dilma, os tucanos se juntam aos que querem derrotar a presidente e, na verdade, minam as contas públicas como se não houvesse amanhã.

O partido, na semana passada, votou a favor da correção de todas as aposentadorias pela mesma fórmula do salário mínimo, que indexa pela inflação passada e embute, quando o PIB crescer, um aumento real. O coração do bem sucedido Plano Real foi desindexar a economia. Esta medida fortalece a indexação com o agravante de aumento real para benefícios previdenciários, o que é uma ideia que não ocorre a nenhum país responsável do mundo.

O partido fez a reforma da Previdência porque sabia que as despesas já estavam aumentando além do que era sustentável. Não conseguiu aprovar a idade mínima, por isso, através do fator previdenciário, tentou conter o crescimento das despesas da Previdência e incentivar a aposentadoria mais tarde. Enfrentou um duro desgaste e firmou a imagem de partido que faz o que é necessário, ainda que seja impopular. Agora se juntou aos que derrubaram o fator previdenciário facilitando a aposentadoria precoce.

Na luta política contra a presidente Dilma, o PSDB rasga a sua própria história. Parece excelente tática e até uma desforra. Afinal, a presidente venceu a eleição contra o candidato tucano usando técnicas sórdidas de propaganda eleitoral. Hoje, ela amarga a pior rejeição da história democrática pela pesquisa CNI-Ibope, e a segunda pior - depois apenas do Collor - pelo Datafolha.

Parece ótimo espezinhar uma presidente impopular derrotando suas propostas de ajuste ou ajudando a aprovar a pauta bomba na área fiscal. Mas o partido pode vir a governar o Brasil no próximo mandato. É um cenário possível, porque o PSDB elegeu-se duas vezes e ficou em segundo nas eleições vencidas pelo PT. É um dos partidos com reconhecida competitividade eleitoral. Se for eleito, terá que desarmar as bombas que agora está ajudando a armar.

Já entendi, mesmo sendo jornalista da área econômica, que coerência não é aquilo que se pede aos políticos. No entanto, instinto de sobrevivência, sim. Disso os políticos entendem. O PSDB está destinado a ser a favor da responsabilidade fiscal e da inflação controlada. Foi o que o fez. É o seu DNA. Ele cresceu oferecendo ao país a solução para o velho problema hiperinflacionário e caminhos para ter contas públicas mais controladas. Faz sentido que os tucanos ataquem as pedaladas que corrompem o princípio da estabilidade monetária e subvertem a Lei de Responsabilidade Fiscal. Não faz sentido algum que os tucanos se juntem aos que contratam mais gastos previdenciários em momento em que o país terá, por razões demográficas, um aumento forte de pessoas com idade de se aposentar.

O dilema político não é moleza. Sair dele requer inteligência e estratégia. É difícil escolher entre aprovar medidas irresponsáveis ou ficar ao lado de uma presidente impopular, à qual o partido é oposição. Pode haver uma terceira via. A de ter propostas para estes angustiantes problemas que o Brasil vive. O fator previdenciário sempre foi uma gambiarra para a necessária fixação da idade mínima da aposentadoria, que existe em todos os países do mundo. O partido tem que ter um projeto substituto ao fator e que crie normas sustentáveis para a previdência pública.

A oposição quer apenas derrotar a presidente. Se o projeto é do governo, o partido é contra. O problema é que em muitos casos está derrotando não esta administração, que um dia terminará, mas o país. Em algum momento, o PSDB terá que enfrentar essa contradição ou ser mais um partido metamorfose ambulante.

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