domingo, 12 de julho de 2015

O gogó está afiado

• ...mas, como sempre, o PSDB fica apenas nele. Os tucanos continuam sendo o partido da "oposição a favor" e da autossuficiência insuficiente

Flávia Tavares – Época

O PSDB, o partido que nunca sabe o quer, escolheu uma antítese como tema de seu encontro anual. "Oposição a favor do Brasil", dizia o imenso cartaz que ornamentava um hotel em Brasília, na manhã do domingo passado, na 12ª Convenção Nacional do partido. Na plateia e no palanque, homens com camisas de cor pastel circulavam com uma excitação incomum para um grupo fora do poder há 13 anos. Com uma presidente com 9% de aprovação, até os tucanos estão falando grosso. "Não perdemos a eleição para um partido político. Perdemos para uma organização criminosa", bradou o presidente reeleito do partido, Aécio Neves. "Se preparem. Dentro de muito pouco tempo, não seremos mais a oposição, vamos ser governo", ele disse - ou ameaçou, a depender do ponto de vista. Geraldo Alckmin, governador de São Paulo e rival de Aécio na disputa pela candidatura presidencial de 2018, evitou repetir a analogia entre PT e volume morto, usada pelo ex-presidente Lula. Mas a sede de bater nos petistas foi incontrolável. "O PT chegou ao fundo do poço e cabe a nós a missão de não deixar carregar o Brasil junto com eles", disse Alckmin, o especialista hídrico do tucanato. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, ainda o principal líder da oposição, proclamou: "Estamos prontos a assumir, dependendo das circunstâncias, o que vem pela frente". Ninguém pronunciava a palavra maldita, mas, ainda assim, o PSDB aparentemente assumia a defesa do - apenas sussurre, por favor — impeachment de Dilma. Nem pareciam tucanos.

Mas eram. Os discursos na convenção eram só isto: discursos. O gogó afiado servia tão somente ao propósito de animar a platéia - os que estavam no hotel e os que, de longe, esperam em vão que os tucanos partam para a defesa do impeachment. Ainda naquela tarde, eles retomaram a moderação até no palavrório. "Não cabe ao PSDB antecipar a saída da presidente da República. Não somos golpistas", disse Aécio, quando perguntado sobre o impeachment. O grão-tucanato, tal qual uma nobiliarquia da política brasileira, aguarda o poder, em vez de trabalhar para chegar a ele. Esse estado de graça revela-se pela repetição incessante da frase "Presidência é destino", usada por Aécio e Alckmin para explicar inações e recuos políticos. Enquanto tucanos esperavam o destino, o PT, trabalhando sem parar, ganhava quatro eleições presidenciais.

Aécio parece acreditar tanto nessa coisa de destino que, em seguida, disse que fora reeleito presidente da República, e não do PSDB. O ato falho, se Freud não estiver errado, ao menos sugere que Aécio quer, de fato, a Presidência, Não são poucos os aliados próximos e amigos antigos que acreditam no contrário – que Aécio, no fundo, não quer ser presidente tanto assim. Queira Aécio ou não, o PSDB prossegue, para a maioria dos descontentes com o PT, como principal alternativa, a curto ou longo prazo, ao governo Dilma. UA temperatura política está subindo em função da decomposição do próprio governo. Eleva-se o tom, sob pena de perdermos nossa retaguarda. Somos cobrados pelo nosso eleitorado por uma posição mais radical", diz o senador Aloysio Nunes Ferreira, vice de Aécio na campanha do ano passado — e citado por Ricardo Pessoa, empreiteiro e delator na Lava Jato, como destinatário de R$ 200 mil em doações ilegais, quando concorreu ao Senado. Aloysio nega ter recebido qualquer doação ilegal. Mas a acusação enfraquece a autoridade moral dos tucanos para se contrapor ao governo do petrolão.

É uma dificuldade incômoda, com a qual o PSDB claramente não sabe lidar. Na convenção, o ex-governador de Minas Eduardo Azeredo, acusado de corrupção no mensalão mineiro, brilhava na fileira dos ex-presidentes do partido. Embora Azeredo tenha renunciado ao mandato de deputado para escapar de um julgamento no Supremo, os tucanos o protegem com uma lealdade não tão diferente da demonstrada pelo PT em relação, por exemplo, ao ex-tesoureiro Delúbio Soares (leia mais em Da Redação). Os líderes do PSDB escondem lealdade semelhante aos empreiteiros do petrolão. Muitos têm relações camaradas com as principais empreiteiras denunciadas. A julgar pelo que é dito e, sobretudo, pelo que não é dito pelos tucanos, o petrolão é um esquema com corruptos, mas sem corruptores.

Se o tal destino não colaborar, o PSDB continuará fora do poder. Os dois principais problemas do partido, desde que virou oposição, permanecem: as divisões internas e a falta de um projeto alternativo ao do PT. Como o historiador Boris Fausto sugeriu na mesa mais aplaudida da Flip, tudo o que o PSDB tem a oferecer hoje é um governo sem o PT. Não diz claramente o que colocaria no lugar. No domingo, Alckmin propôs as perguntas: "O que compete a nós, o maior partido de oposição, nesse contexto? Qual deve ser nosso papel? Qual nosso dever?". Mas ele falhou nas respostas, com soluções, no mínimo, vagas. "Nós temos a responsabilidade de apoiar projetos que fortaleçam o país, independentemente da cor partidária de seus autores" acrescentou, sem explicar que projetos, que autores, Essa autossuficiência tucana é insuficiente, Eles próprios sabem disso. Por isso, apostam, mais uma vez, numa agenda externa para acelerar seu projeto. Pode ser nas investigações da Lava Jato, nos erros de Dilma, na boa vontade do PMDB... Esperam, enfim, que o destino, sempre a caminho, finalmente apareça. "O PSDB é o futuro", disse Aécio na convenção. Talvez seja. Falta combinar com o destino.

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