quarta-feira, 8 de julho de 2015

Rosângela Bittar - Autoanálise

- Valor Econômico

• Há hipertrofia da crise, diz alquimista do Palácio

Encontrada o que considerou a síntese do problema, definido como uma questão político-eleitoral na abordagem para o eleitorado, e técnico-legal no combate ao julgamento pelos demais Poderes, a presidente Dilma Rousseff deu por traçadas, nos últimos três dias, as linhas mestras de sua defesa.

O marqueteiro do PT, João Santana, chamado às pressas a Brasilia, contribuiu com os slogans, e a execução do combinado não foi difícil. A presidente mostrou-se governando a plenos poderes, foi desengavetado o projeto de proteção ao emprego que o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, preparara ainda quando estava no Ministério da Fazenda, num gesto aos sindicatos agastados com as medidas do ajuste que atingiram trabalhadores.

Ainda ontem, no seu papel, os partidos aliados começaram a executar sua parte no deixa-disso, levando uma certa distensão ao Congresso, cuja extensão ainda não se pode medir.

Presidentes e líderes partidários, o vice-presidente da República no comando do PMDB, deram todos um passo atrás. No PMDB se concentrou a argumentação mais veemente para reverter o peso do apoio do partido à tese do afastamento da presidente. A equação armada por Dilma, ministros do PT incluiu mostrar que só há saída se Temer, os ministros e governadores do PMDB e do PT, os líderes, permanecerem unidos.

Atribuiu-se a um grupo do PMDB que quer o afastamento da presidente e a assunção de Temer ao cargo ter levado o vice-presidente a conversar com a oposição para buscar apoio a essa fórmula. Segundo as avaliações do governo, as conversas foram divulgadas, pela oposição, com dois objetivos: enfraquecer Temer e enfraquecer o governo. Se o vice-presidente, coordenador político, está envolvido numa conspiração, é porque o governo ruiu, argumentou-se em uma das inúmeras sessões de autoanálise dos últimos três dias.

Com a cúpula do PMDB discutiu-se abertamente que a oposição não consideraria em hipótese alguma deixar Temer assumir, o afastamento seria de toda a chapa. "Quem no PSDB aposta contra o governo aposta contra a chapa", foi dito a mais de um dos integrantes da cúpula.

Quando diz que o PMDB já está novamente aliado, firme com Dilma, o Palácio do Planalto considera nesse grupo Renan Calheiros, Eunício Oliveira, Eduardo Braga, Jader Barbalho e, até mesmo, Eduardo Cunha, embora a esse se atribua certa instabilidade provocada pelo próprio PT, que lhe é hostil. No balanço do Planalto, é fatura liquidada, não há mais fissura com o PMDB.

E era fundamental segurar ao lado de Dilma o partido que comanda as duas Casas do Congresso, onde vão desembocar as decisões, sobretudo do Tribunal de Contas da União, que podem justificar abertura de processo de impeachment.

A estratégia do governo, nesse ponto, faz convergir as ações: à atuação dos partidos políticos a favor da presidente e à amplificação do grito de golpe por parte do PT, junta-se uma campanha voltada aos tribunais que julgarão Dilma.

Preocupa-se o Palácio em reverter a causa que parece perdida, a desaprovação das contas no TCU. Se não der, posteriormente, evitar que o Congresso referende a condenação das pedaladas fiscais pelo tribunal de contas.

O ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, e o advogado geral da União, Luís Adams, desdobraram-se nos últimos dias em explicações sobre a legalidade do procedimento em conversas com líderes, presidentes de partido, ministros aliados, os presidentes da Câmara e do Senado. Agora vão partir para o debate público com ministros do TCU. A esperança é que o Congresso acolha as teses da defesa.

O governo se vê de uma forma benevolente, sem exceção. Por exemplo, nas reuniões de avaliação constata que os resultados gerados pela coordenação política foram positivos, contabiliza como aprovadas as medidas essenciais do ajuste fiscal, crê na reparação das derrotas com o veto, a presidente conseguiu tudo o precisava levar à viagem aos Estados Unidos (acordos) e à Rússia (fundo dos Brics). Registra, também, que a tese do impeachment tem sido refutada pelas principais lideranças - inclusive Eduardo Cunha, que tem a atribuição de instalar o processo. Na autoanálise do Palácio do Planalto, é absolutamente inaceitável que uma presidente, com seis meses de exercício do mandato, saia do governo "porque alguns não têm paciência para esperar a próxima eleição". Afirma-se mais: "Dilma é honesta, honrada, respeitável. Seu mandato será cumprido, quer queiram ou não queiram".

A avaliação despreza o dado do agravamento da crise econômica, sob vários argumentos, entre eles que o Brasil é o terceiro destino mundial dos investimentos diretos. Ao responder referência à carga contra o ajuste feita no PT, partido considerado como insuflador da crise, alega-se que em 2003 houve ajuste, uma parte do PT foi contra; e agora faz-se o ajuste, e uma parte do PT está contra. "Tudo como dantes. O que é necessário é que haja, para depois do ajuste, perspectiva de retomada econômica".

"Está havendo uma espécie de hipertrofia da crise", assegura assessor da presidente.

Nesse ponto dos pesos e medidas, chega-se à razão mais profunda de tudo, ao problema que move uns e outros, a Lava-Jato. O governo avalia que a operação de investigação da corrupção na Petrobras afeta a economia mais que qualquer outra coisa, porque atinge os grandes investidores e a maior empresa estatal brasileira. Atinge seus fornecedores, seus contratados. Tudo se retrai. Empresas se imobilizam porque seus executivos podem ser presos. É total a coincidência da análise expressa nas reuniões do Planalto com o que a presidente Dilma passou a dizer publicamente sobre as prisões dos executivos e delações, no modelo de operação adotado pelo juiz Sergio Moro.

O ex-presidente Lula foi peça fundamental, embora ausente, nas sessões presididas do gabinete do Planalto. Foi e será procurado, é a principal liderança politica dos partidos da aliança, e espera-se dele que coloque a defesa do governo em primeiro lugar, resume-se. "Acharem que há uma solução para o PT e para o Lula fora de uma solução para o governo é uma ilusão", diz um dos alquimistas do enfrentamento da crise. Se Lula também estiver pensando assim, os resultados estarão garantidos. Para o governo, vigora um novo lema: são os resultados que medem o sucesso das ações.

Nenhum comentário: