domingo, 26 de julho de 2015

Tempo feio em Brasília - O que está por trás e o que se pode esperar da crise política brasileira

Letícia Duarte e Paulo Germano – Zero Hora (RS)

• Qual a extensão real da tempestade que combina rajadas políticas, granizo econômico, gigantescas ondas de corrupção e ventos de impeachment?

Se um governo atinge 92,3% de reprovação nos primeiros sete meses, o que vem depois? Qual a extensão real da tempestade que combina rajadas políticas, granizo econômico, gigantescas ondas de corrupção e ventos de impeachment? Em busca de respostas, o PrOA ouviu especialistas de diferentes áreas para projetar cenários possíveis, tanto em caso de permanência de um governo desgastado quanto em uma eventual queda de Dilma Rousseff. Para a maioria dos entrevistados, a tormenta é grave mas não em grau inédito na história, tampouco impossível de ser contornada. Pelo menos por enquanto. Mas, entre os gritos de "fica" e "fora", há silêncios ainda intraduzíveis.

Para o antropólogo Roberto DaMatta, a crise política brasileira é como uma peça dramática em que os atores escalados não estavam à altura do papel, a maioria dos espectadores já abandonou o teatro e o palco ameaça desabar. Para o sociólogo Luiz Werneck Vianna, é um copo pela metade: dependendo do ângulo por que se olhe, pode estar meio vazio ou meio cheio. Para o sociólogo Francisco de Oliveira, é um baile em que tudo está em movimento, onde o capitalismo e a corrupção andam de braços entrelaçados rodopiando pelo salão – mas ao final o país voltará a crescer e a exasperação passará.

No meio das tensões que inflamam o país, não faltam metáforas para tentar traduzir o impacto da crise, em meio a previsões escorregadias sobre como tudo vai acabar. Uma das expressões mais invocadas pelos analistas para descrever o momento é a "tempestade perfeita", com a nação à deriva em águas sacudidas por trovoadas econômicas e políticas. O jornal Financial Times foi mais longe, dizendo que o Brasil virou um "filme de terror sem fim".

As más notícias se sucedem: denúncias de corrupção diárias catapultadas pela Operação Lava-Jato, elevação no nível de desemprego ao maior patamar em cinco anos (alcançou 6,9% nas metrópoles) e queda vertiginosa da popularidade do governo Dilma, que em sete meses só é aprovado por 7,7% do eleitorado. Na mesma pesquisa, divulgada pela CNT/MDA nesta semana, 63% dos entrevistados disseram ser favoráveis a um impeachment. A pergunta de um milhão de dólares é até onde a tempestade vai.

Pela primeira vez não tem o salvador da pátria, não tem o partido que vai salvar o Brasil – constata DaMatta.

– Ninguém está seguro porque não se sabe quem será o próximo réu – observa o jurista Lenio Streck.

– Qualquer coisa pode acontecer, essa é uma peculiaridade dessa crise – reforça o historiador Gunter Axt.

Ainda assim, a maioria dos entrevistados ouvidos pelo PrOA acredita que o cenário não é tão definitivo como pode parecer. Para o cientista político Leonardo Avritzer, presidente da Associação Brasileira de Ciência Política e professor da Universidade Federal de Minas Gerais, a crise política atual não é tão grave como a que culminou no impeachment de Fernando Collor, nem o revés econômico tão agudo como o da época de desvalorização do real durante o governo Fernando Henrique Cardoso – quando o desemprego chegou a 19%, e a dívida pública, a quase 70%. Nem por isso é fácil navegar nesse mar tempestuoso. O que torna a missão tão complicada é justamente a sobreposição das duas crises. Ainda assim, ele não não vê elementos para um impeachment.

– Taxa de aprovação nunca foi pré-condição para remoção de um presidente. A exceção de um presidente que manteve altas taxas de aprovação em todo o mandato foi o Lula – analisa.

Para o sociólogo Luiz Werneck Vianna, professor da PUC-RJ e autor de livros como A Democracia e os Três Poderes no Brasil (Ed. UFMG, 2002), a crise precisa ser compreendida em dois planos. O primeiro é o da política, cada vez mais exasperado. O segundo é o da sociedade, que até agora se mantém majoritariamente silenciosa sob a superfície tumultuada. Por isso, as manifestações marcadas para o dia 16 de agosto são consideradas cruciais para sinalizar o quanto a sociedade tem sido tocada por essa agitação.

– Se esse movimento se tornar massivo, pode estabelecer um elo de comunicação entre a base da sociedade e a superfície. Na política é difícil de prever o que vai acontecer, às vezes uma fagulha precipita algo que não estava à vista – diz.

Seja como for, Werneck também enxerga sinais positivos: a independência das instituições na condução das investigações revelaria um amadurecimento democrático. Em outros momentos, talvez o país não suportasse.

Se o futuro é incerto, o passado oferece pistas. Na visão do historiador Gunter Axt, pesquisador colaborador da USP e pós-doutorando em Direito na UFSC, é enganosa a visão de que esta é a maior crise de nossa história, ao menos por enquanto. Em outros momentos, o Brasil já viveu maior conflagração social, como na rebelião de 1932, quando a elite paulistana liderou uma revolta armada contra o governo provisório de Getúlio Vargas, ou no ano que antecedeu o golpe militar de 1964, quando tanto direita quanto esquerda defendiam uma "revolução" – e até Leonel Brizola bradava pelo fechamento do Congresso. Ali estavam presentes, além da crise política e econômica, rompimento institucional e convulsão social.

– Ainda não chegamos a esse ponto, mas podemos chegar. Toda vez que se combina um discurso moral com descrédito na representação política pode haver eclosão de violência pública. Isso constrói uma fórmula que serve de combustível para o fascismo, não para a democracia – analisa Gunter Axt.

A mudança passa pelo desempenho da economia. De acordo com o economista Pedro Fonseca, professor de Economia Brasileira da UFRGS, a raiz da crise estaria localizada na reversão da política econômica de Dilma em relação a seu antecessor e padrinho Lula. Na medida em que Dilma começou a reduzir as taxas de juros, colocou fim ao pacto político que Lula tinha firmado na "Carta aos Brasileiros", que prometia manter a política econômica ortodoxa, ao gosto do capital financeiro, ainda que combinada com políticas sociais. Ao fazer uma guinada mais à esquerda, Dilma teria começado a desagradar a setores e a fragmentar a base de apoio. Arrependida, voltou atrás neste segundo mandato. E começou a adotar medidas de austeridade fiscal que eram defendidas pelos tucanos na campanha eleitoral.
– Dilma se adiantou e está fazendo a política que a oposição faria. Se a oposição assumisse no seu lugar também teria desgaste, porque esse quadro não iria se reverter do dia para a noite – analisa Fonseca, que acredita na retomada do crescimento econômico do país a partir do final do ano que vem, o que abriria caminho para a recuperação política da presidente.

Num momento em que os grandes líderes políticos do país parecem faltar ("Onde estão os grandes parlamentares? Onde estão os nossos intelectuais?", pergunta o jurista Lenio Streck), ninguém tem uma tábua de salvação. Se em outros momentos históricos opositores se digladiavam por programas opostos, como comunismo versus capitalismo, hoje há pouca divergência no campo das políticas econômicas.

– Agora ninguém propõe outra via de desenvolvimento. Isso tira o caráter dramático da crise, mas também fica mais difícil sair dela. Não está em jogo nenhum modelo alternativo – diz o sociólogo Francisco de Oliveira, fundador do PT e do PSOL e professor aposentado da USP.

As dificuldades tampouco podem ser vistas como repetição do passado, salienta Oliveira. Isso porque o Brasil não é mais o mesmo. A retração econômica se dá depois de um período de prosperidade, e não na total ausência dela.

– A crise é grave exatamente porque o Brasil hoje é uma economia importante, a quinta do mundo. Antes, o Brasil não era importante nem para si mesmo. E a corrupção não é um desvio do sistema, faz parte dele. Quanto mais os negócios crescem, a corrupção vem junto – analisa Oliveira, que é crítico do lulismo.

O governo também paga o preço da desilusão, lembra o antropólogo Roberto DaMatta. O partido outrora aclamado pela bandeira da ética e do compromisso com os mais pobres virou refém de escândalos que gestou. Primeiro o mensalão, agora o petrolão.

– Antes, direita era bandido e esquerda era mocinho, hoje tudo é mais cinzento, é mais difícil conviver com esse cinza. Há uma profunda decepção do povo com o partido que seria o motor da redenção – observa.

A despeito de todas as dificuldades, DaMatta acredita que a crise também pode servir como oportunidade de reequilíbrio do sistema:

– O Brasil é maior do que isso. Já transitamos de coisas mais graves sem derrubar a casa.

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